quarta-feira, 15 de janeiro de 2025

Entre ruídos, os sinais da equipe econômica - Fernando Exman

Valor Econômico

Equipe econômica quer deixar claro que cumprimento do arcabouço fiscal está sendo trabalhado

Têm sido frequentes, como de costume, os contatos de integrantes da equipe econômica e da cúpula do PT com agentes do mercado neste início de janeiro. Parte considerável do esforço deles nessas conversas é assegurar que decantem algumas mensagens sobre os rumos da política fiscal, em meio a um volume relevante de questionamentos sobre a solidez das contas públicas.

Nas entrelinhas, capta-se a preocupação de interlocutores do mercado com um eventual arroubo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Em outras palavras, que ele possa adotar medidas populistas para acelerar a atividade de uma economia já considerada sobreaquecida, se estiver insatisfeito com sua taxa de popularidade. O ano de 2025 é estratégico para a permanência do partido na Presidência.

São feitos alertas sobre o crescimento dos déficits nominal e estrutural. A trajetória da dívida pública é outra preocupação. Segundo calculou a Instituição Fiscal Independente (IFI) do Senado em dezembro, é de 82,9% a probabilidade de a dívida bruta do governo geral cruzar o limiar de 90% do Produto Interno Bruto (PIB) até 2029.

É também considerado demasiado o peso das receitas extraordinárias no resultado das contas públicas. Como mostrou reportagem de Jéssica Sant’Ana na edição dessa terça-feira (14) no Valor, o governo federal deve contar com pelo menos R$ 40 bilhões em novembro e dezembro oriundos de dividendos da Petrobras e do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), da renovação de outorgas de usinas hidrelétricas ou ferrovias e da concessão de licenças para empresas de apostas atuarem no mercado regulado de “bets”. São recursos que não devem se repetir, mas ajudarão no cumprimento da meta fiscal de 2024, ainda que dentro da banda de tolerância permitida pelo arcabouço.

E este é inclusive um fato que não pode ser desprezado, argumentam fontes do governo e do PT. “Ninguém acreditava que o governo cumpriria a meta fiscal, mas isso ocorrerá”, diz uma graduada fonte do Executivo. “O Ministério da Fazenda desarmou a PEC da Transição em 2024”, acrescenta uma liderança petista, em referência à proposta de emenda constitucional que no fim de 2022 permitiu ao governo recém-eleito ampliar o teto de gastos em R$ 145 bilhões.

Em entrevista à GloboNews, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, antecipou que o governo deve ter registrado um déficit primário de 0,1% do Produto Interno Bruto em 2024, algo entre R$ 10 bilhões e R$ 15 bilhões. Com a banda de tolerância, a meta admitiria um déficit de 0,25% do PIB no ano passado, ou até R$ 28,8 bilhões.

Esses interlocutores também destacam que Haddad cumpriu a promessa de manter as despesas federais abaixo de 20% do Produto Interno Bruto. “Se a gente compara a despesa federal na proporção com o PIB, saímos de um patamar de 19,5% em 2023 para 18,5% em 2024. O país cresceu, e a despesa, não. Não há motivo para alarme em relação à inflação”, argumentou o secretário-executivo do Ministério da Fazenda, Dario Durigan, em recente entrevista ao jornal “O Globo”.

Quanto à inflação, o que se pondera no governo é que foram poucos os anos desde a implementação do Plano Real, há cerca de três décadas, em que o IPCA fechou abaixo de 5%. E em relação ao câmbio, a expectativa é que janeiro seja um mês menos turbulento.

Aliás: a atuação do Banco Central (BC) em dezembro, na prática já conduzida por Gabriel Galípolo, foi alinhada com a Fazenda. Houve concordância de que era importante dar liquidez ao mercado no período do ano em que há tradicionalmente uma demanda maior por dólares devido a remessas de lucros e dividendos feitas por empresas a suas matrizes. Mas a conclusão é que houve um movimento maior do que o observado em anos anteriores.

Uma explicação é que multinacionais podem ter se antecipado à implementação do pilar 2 de um projeto da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) chamado “Base Erosion and Profit Shifting (BEPS)”, que combate o planejamento tributário e está no contexto da iniciativa para instituir uma taxação mínima global sobre grandes empresas. Outra possibilidade é que “big techs” também tenham movimentado recursos depois da sinalização do governo sobre tributação de suas atividades no Brasil.

Por outro lado, pondera-se, além de reduzir as turbulências do mercado de câmbio, essas operações geraram lucro ao BC. Esses ganhos serão repassados em breve pelo Banco Central ao Tesouro para gestão da dívida pública, uma transferência que não impacta o resultado primário.

Nessa terça-feira (14), o dólar fechou em queda, com ajuda de notícias vindas dos Estados Unidos. A inflação nos EUA foi mais fraca do que o esperado e circulou a informação de que o novo presidente, Donald Trump, deve aumentar de forma gradual as tarifas cobradas de produtos comprados de outros países. Mas o cenário externo permanece adverso. E segue redobrada a atenção, pelo lado do governo e do mercado, dos impactos da elevação da Selic sobre a atividade econômica, o tamanho da dívida pública, a inflação e o câmbio.

Integrantes da área econômica dizem compreender que exista uma preocupação com o ritmo do cumprimento do arcabouço fiscal. Mas o sinal que querem deixar claro, apesar dos ruídos, é que essa questão está sendo trabalhada internamente com outros setores do governo.

 

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