Folha de S. Paulo
Mesmo que distanciamento tenha motivação
populista, nova posição é melhor que a anterior
Minha coluna
desta segunda-feira (13), sobre o afastamento de Lula em
relação a ditaduras de esquerda, dividiu os leitores. Parte deles acha que o
presidente, movido pelo populismo, apenas finge distanciar-se de Maduro.
Em seu íntimo, ele continuaria tão bolivariano quanto antes.
É decerto possível analisar motivações. Mas, neste caso, como veremos mais adiante, não penso que faça tanta diferença. Comecemos, porém, pelo começo. Um pensador que dava grande ênfase a motivações era Kant.
Para ele, há duas formas de cumprir uma
obrigação. Posso agir "de acordo com o dever" ou "pelo sentido
do dever". Se respeito a velocidade máxima de uma estrada por medo da
multa, ajo "de acordo com o dever". Mas também posso observar o
limite por acreditar que ele está de acordo com a racionalidade humana, que
promove a segurança e a paz no trânsito. Neste caso, ajo "pelo sentido do
dever".
Embora a ação e os resultados sejam os
mesmos, para Kant, só o condutor que age "pelo sentido do dever" atua
de forma moral e livre (autônoma).
O problema de Kant é que ele está errado. Sua
filosofia moral exige que eu, para não violar a obrigação de dizer sempre a
verdade, revele para o assassino onde sua vítima inocente se esconde. Não penso
que esse mundo kantiano seja mais moral do que um em que as pessoas possam,
diante de situações concretas, escolher o mal menor. É normalmente sob esse
formato —e não como abstrações— que os dilemas éticos aparecem para nós.
Se Lula deixou de defender os arbítrios de
Maduro e passou a fazer-lhe críticas, ainda que leves, o presidente brasileiro
está objetivamente numa posição melhor, mesmo que seja só para não perder
votos.
Podemos ir um pouco mais longe e afirmar que
simular moderação é o primeiro passo para tornar-se de fato moderado. Se você
passa anos se policiando para não dizer a coisa errada, acaba em algum momento
introjetando as posições declaradas. Essa pode ser uma das explicações para o
fato de os velhos partidos de extrema direita da Europa serem menos
antissistema que seus congêneres do novo mundo
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