terça-feira, 14 de janeiro de 2025

O receio do Pix e fake news? - Joel Pinheiro da Fonseca

Folha de S. Paulo

Quando o alvo é Lula, propor a supressão de parte do discurso da oposição é quase sinônimo de lutar pela democracia

Ainda é difícil quantificar o dano que a polêmica do Pix causará à popularidade do governo Lula. A repercussão negativa tomou o Brasil. Nas redes, nos táxis, nas Redações; onde você vai, encontra alguém preocupado com o Pix; muitos já preferem negociar em dinheiro.

Defensores do governo atribuem esse receio às fake news. Se ao menos as redes —e, imagino, o WhatsApp— fossem severamente regulamentados, a mentira de que o governo criou uma taxa do Pix teria morrido no berço. As plataformas seriam obrigadas a deletar os posts com erros sobre a instrução da Receita.

Na onda de críticas, há sim fake news. Mas nem todas as críticas podem ser classificadas assim. Muitos dizem que o governo, embora ainda não tenha criado uma taxa, no futuro criará. E há ainda quem alegue que, com as informações mais abrangentes do Pix, a Receita prepara uma investida contra trabalhadores informais.

Em qualquer fake news específica, mais importante do que a oferta —quem criou a primeira mensagem dizendo que o governo cobraria taxa do Pix, algo trivial— é entender a demanda; ou seja, por que uma fake news "pega". Lembremos que, no governo passado, Paulo Guedes defendeu literalmente um imposto sobre o Pix e demais transações. E, no entanto, isso não colou nele, porque não havia a percepção de que o governo estava ávido por arrancar mais moedinhas do cidadão comum.

Com o governo Lula, ocorre o oposto. Ao longo dos últimos dois anos, o governo se esmerou em arrecadar mais. Não criou novos impostos ou taxas, mas fechou uma série de exceções e brechas tributárias, inclusive sobre cidadãos comuns.

Foi no contexto da "taxa da Shoppee" que a própria primeira-dama veio a público garantir que consumidores não pagariam taxa nenhuma, apenas as empresas. O tempo mostrou que —óbvio!— os consumidores pagam a taxa sim. Se lá atrás o receio popular mostrou-se correto, por que agora não seria?

Meses atrás, centenas de memes com Haddad e taxas em nomes de filme rodaram a internet. O medo de que ele taxe o Pix ou feche o cerco contra trabalhadores informais alimenta a discussão sobre o monitoramento da Receita.

É comum que erros e mentiras se misturem ao debate de propostas. Ano passado, acusou-se o Congresso de querer "privatizar as praias". Nada no projeto propunha privatizar praia alguma. No governo Bolsonaro, a proposta do voto impresso era criticada por supostamente destruir o segredo do voto ao permitir que o eleitor levasse o comprovante para casa. Isso jamais fora proposto, mas sempre volta para turvar o debate.

Curiosamente, em nenhum desses casos ouvimos brados indignados pela regulação das redes contra "fake news". Pelo contrário: cabia aos defensores mostrar que os críticos estavam errados. E é assim mesmo que tem que ser. Agora, quando o alvo é o governo Lula, propor a supressão de parte do discurso da oposição é quase um sinônimo de lutar pela democracia.

É justamente no debate, e graças ao debate, que a população passa a conhecer temas politicamente relevantes. O debate público real não é e jamais poderá ser uma fria troca de análises técnicas. Nele estão presentes intenções, projeções, exageros, equívocos e, infelizmente, até mentiras. Cabe ao governo melhorar sua comunicação e sua credibilidade, e não colocar suas esperanças numa regulação draconiana para suprimir vozes contrárias.

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