Folha de S. Paulo
Quando o alvo é Lula, propor a supressão de
parte do discurso da oposição é quase sinônimo de lutar pela democracia
Ainda é difícil quantificar o dano que a
polêmica do Pix causará
à popularidade do governo Lula. A
repercussão negativa tomou o Brasil. Nas redes, nos táxis, nas Redações; onde
você vai, encontra alguém preocupado com o Pix; muitos já preferem negociar em
dinheiro.
Defensores do governo atribuem esse receio às fake news. Se ao menos as redes —e, imagino, o WhatsApp— fossem severamente regulamentados, a mentira de que o governo criou uma taxa do Pix teria morrido no berço. As plataformas seriam obrigadas a deletar os posts com erros sobre a instrução da Receita.
Na onda de críticas, há sim fake news. Mas
nem todas as críticas podem ser classificadas assim. Muitos dizem que o
governo, embora ainda não tenha criado uma taxa, no futuro criará. E há ainda
quem alegue que, com as informações mais abrangentes do Pix, a Receita prepara
uma investida contra trabalhadores
informais.
Em qualquer fake news específica, mais
importante do que a oferta —quem criou a primeira mensagem dizendo que o
governo cobraria taxa do Pix, algo trivial— é entender a demanda; ou seja, por
que uma fake news "pega". Lembremos que, no governo passado, Paulo Guedes defendeu
literalmente um imposto sobre o Pix e demais transações. E, no entanto, isso
não colou nele, porque não havia a percepção de que o governo estava ávido por
arrancar mais moedinhas do cidadão comum.
Com o governo Lula, ocorre o oposto. Ao longo
dos últimos dois anos, o governo se esmerou em arrecadar mais. Não criou novos
impostos ou taxas, mas fechou uma série de exceções e brechas tributárias,
inclusive sobre cidadãos comuns.
Foi no contexto da "taxa da
Shoppee" que a própria primeira-dama veio a público garantir que
consumidores não pagariam taxa nenhuma, apenas as empresas. O tempo mostrou que
—óbvio!— os consumidores pagam a taxa sim. Se lá atrás o receio popular
mostrou-se correto, por que agora não seria?
Meses atrás, centenas de memes com Haddad e
taxas em nomes de filme rodaram a internet. O medo de que ele taxe o Pix ou
feche o cerco contra trabalhadores informais alimenta a discussão sobre o
monitoramento da Receita.
É comum que erros e mentiras se misturem ao
debate de propostas. Ano passado, acusou-se o Congresso de
querer "privatizar
as praias". Nada no projeto propunha privatizar praia alguma. No
governo Bolsonaro, a proposta do voto impresso era criticada por supostamente
destruir o segredo do voto ao permitir que o eleitor levasse o comprovante para
casa. Isso jamais fora proposto, mas sempre volta para turvar o debate.
Curiosamente, em nenhum desses casos ouvimos
brados indignados pela regulação das redes contra "fake news". Pelo
contrário: cabia aos defensores mostrar que os críticos estavam errados. E é
assim mesmo que tem que ser. Agora, quando o alvo é o governo Lula, propor a
supressão de parte do discurso da oposição é quase um sinônimo de lutar pela
democracia.
É justamente no debate, e graças ao debate,
que a população passa a conhecer temas politicamente relevantes. O debate
público real não é e jamais poderá ser uma fria troca de análises técnicas.
Nele estão presentes intenções, projeções, exageros, equívocos e, infelizmente,
até mentiras. Cabe ao governo melhorar sua comunicação e sua credibilidade, e
não colocar suas esperanças numa regulação draconiana para suprimir vozes
contrárias.
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