O Estado de S. Paulo
Além de proteger os vulneráveis, políticas
públicas e empresariais devem voltar-se para a preparação adequada dos
trabalhadores
Há um contraste entre os dados da evolução da
economia e o sentimento de boa parte da população. Com vários recordes
históricos, o mercado de trabalho teve desempenho particularmente positivo no
ano passado. A economia deve ter crescido 3,5%, de acordo com a última projeção
do Banco Central. Nesse cenário, um certo pessimismo da população aferido por
algumas pesquisas parece inexplicável.
Para entender essa aparente contradição, é preciso observar outras faces da economia. A inflação estourou o limite das metas fixadas para o ano passado e preocupa as famílias. Incertezas em relação à taxa de câmbio, à política fiscal e à capacidade do governo de enfrentar um quadro internacional provavelmente mais conturbado geram desconfianças entre agentes econômicos.
É curioso que nem a boa situação do emprego,
fundamental para melhorar as condições de vida, parece suficiente para animar
os trabalhadores. No ano passado, os resultados foram exuberantes. A taxa de
desocupação, de 6,1% no trimestre encerrado em novembro, recuou 0,5 ponto
porcentual em relação ao resultado do trimestre junho-agosto e 1,4 ponto ante o
mesmo trimestre móvel de 2023 e foi a menor da Pesquisa Nacional por Amostra de
Domicílio (Pnad) Contínua do IBGE, iniciada em 2012. A população ocupada, de 103,9
milhões de trabalhadores, também é recorde. A massa de rendimento real
habitual, de R$ 332,7 bilhões, é a maior da série histórica, por causa do
aumento da renda média e do número de ocupados. Assim, a relativa estabilidade
do mercado de trabalho em 2025, prevista por parte dos especialistas, não será
um mau resultado.
Além disso, o agudo agravamento das
fragilidades do mercado de trabalho brasileiro provocado pela pandemia da
covid-19 já foi superado. Estudo do Instituto Mobilidade e Desenvolvimento
Social (IMDS) mostra como a crise sanitária global acentuou distorções
estruturais do mercado de trabalho, que afetam grupos específicos (negros,
mulheres, jovens, trabalhadores informais, profissionais com baixo nível de
escolaridade), e como esse impacto foi se diluindo até não ser mais detectado
em 2024. O IMDS acompanha políticas públicas com foco em mobilidade social e
propõe medidas para aperfeiçoá-las.
Antes da pandemia, a probabilidade de perda
de ocupação entre informais variava de 22% a 24%, enquanto para os formais não
chegava a 10%. Na pandemia, a dos informais saltou para mais de 30%,
“refletindo o impacto severo da crise sobre os trabalhadores mais vulneráveis”;
a dos formais subiu para 14%. Após a pandemia, a probabilidade de desligamento
dos informais chegou a baixar para 15% e a dos formais, para menos de 10%.
Ainda no mercado informal, antes da pandemia,
trabalhadores negros já enfrentavam probabilidade de desemprego de 25%, maior
do que a média desse mercado. Na pandemia, o risco subiu até 35,8% para os
negros, enquanto para os brancos o pico foi de 29,5%.
O estudo compara também a situação de homens
e mulheres, de jovens e adultos, de trabalhadores com curso superior e com no
máximo ensino médio, chegando a conclusões semelhantes. Em certos casos, a
disparidade chega a ser surpreendentemente ampla. Na pandemia, a probabilidade
de perda de ocupação entre as mulheres informais chegou a 41,8%, enquanto para
os homens informais ficou em 27,3%.
Outra conclusão da pesquisa do IMDS diz
respeito ao nível de escolaridade do trabalhador, fator considerado crucial
para a preservação da ocupação. Pessoas com ensino superior completo
apresentaram as menores probabilidades de perda de emprego, tanto no mercado
formal como no informal.
O impacto da covid-19 foi temporário. Após a
pandemia, as taxas de perda de ocupação voltaram aos níveis normais observados
antes de 2020.
E isso é bom? Não, não é. “As desigualdades
entre os grupos permanecem tão profundas quanto antes”, diz o economista e
professor Paulo Tafner, diretor-presidente do IMDS. “Entender por que
determinados grupos sociais têm menos da metade das chances de permanecer
empregados em comparação a outros é essencial para debater a construção de uma
sociedade mais equitativa. Tais disparidades evidenciam problemas estruturais
de mobilidade social, cuja manifestação mais visível está nas diferenças de
chances de permanência no mercado de trabalho.”
A evolução da economia mundial imporá tarefas
ainda mais desafiadoras para os formuladores de políticas públicas. Preservar e
criar empregos não serão mais suficientes. Novas habilidades serão cada vez
mais exigidas nas ocupações que estão surgindo. Conhecimento de inteligência
artificial e de outros recursos tecnológicos inovadores será essencial para a
empregabilidade nos próximos anos.
Além de proteger os vulneráveis, as políticas
empresariais e públicas, sobretudo estas, devem voltar-se para a preparação
adequada dos trabalhadores, para que o desenvolvimento traga consigo a redução
das desigualdades.
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