terça-feira, 14 de janeiro de 2025

O que deseja Zuck – Pedro Doria

O Globo

Ele está oferecendo a Trump suas plataformas para distrair o público americano

Faz uma semana que o principal acionista da MetaMark Zuckerberg, anunciou ao mundo um cavalo de pau na direção da companhia. Cai o uso de empresas de checagem de fatos, entra um sistema em que a comunidade avalia o que é confiável ou não. A moderação diminuirá, e o espaço para debates sobre política aumentará. Nesse barata-voa geral, quem leu a cobertura da imprensa brasileira possivelmente não compreendeu alguns pontos essenciais. O primeiro, e mais importante, é que estas mudanças valem em sua maioria para os Estados Unidos. Os contratos de checagem, aqui no Brasil, na América Latina, na Europa e no além-mar geral seguem de pé. Este não é um detalhe. Na verdade, para entender o que se passa na cabeça de Zuckerberg, essa é uma das peças essenciais.

As plataformas digitais estão perdendo a briga da regulação. Pode parecer o contrário, mas não é verdade. Sim, estas são companhias grandes, ricas como jamais companhias o foram na História do capitalismo. São poderosas. Mas, aos poucos, o que os Estados nacionais estão descobrindo é que, quando querem regular, regulam. Isso ficou claro quando a Europa impôs suas novas regras. A Apple está tendo de se virar para permitir que usuários possam comprar apps em seus iPhones fora da loja da empresa. Na Austrália, decidiu-se que menores de 16 anos não podem ter contas nas redes sociais. Decidiu-se, também, que o ônus dessa garantia é das plataformas. E elas não têm o que fazer. Precisarão cobrar documentação para abrir as contas ou desenvolver alguma tecnologia que permita fazer o filtro. Ponto final. Elon Musk bateu de frente com o Supremo Tribunal Federal no Brasil, forçou o quanto pôde — e aí cedeu em tudo que o STF queria. A alternativa era não funcionar no país, um luxo ao qual o X não pode se dar.

Este é, em essência, o problema de Zuckerberg. Não só dele, mas de todas as plataformas digitais. O lento consenso da necessidade de regulação está sendo alcançado. Não está claro ainda qual o melhor tipo de regulação, e o debate está aberto sobre que regulação é eficaz para combater que tipo de problema. Os debates são muitos. O que não é mais discutido é se governos conseguem regular. Sim, conseguem. Basta querer que o fazem. E isso está claro por uma única razão: todos os governos estão ganhando as brigas que compram. Essa é a razão de Zuck ter anunciado mudanças imensas, mas, no caso das de maior impacto, limitadas aos EUA. Ele não tem como bater de frente com a União Europeia. Ou mesmo com o Brasil. Perderia.

Este, portanto, é o jogo de Mark Zuckerberg: ele está propondo uma barganha para Donald Trump.

Ora, veja: o debate público americano foi dominado, na última semana, pela ideia de conquista do Canal do Panamá, da Groenlândia e do Canadá. Nenhuma das propostas é séria. Ou sequer plausível. Os EUA, com todo o seu poder militar, não foram capazes de controlar o Afeganistão ou o Iraque. Não foram capazes de conquistar o Vietnã, onde o exército adversário era uma guerrilha. Imagine o Canadá ou um país da União Europeia. Mesmo que uma guerra de conquista do pequeno Panamá fosse possível, o governo Trump precisaria de aprovação do Congresso, onde quase metade de deputados e senadores são da oposição. Se um pequeno número de republicanos votar contra em só uma das Casas legislativas, o que é esperado, as Forças Armadas não poderiam agir.

Isso mesmo. Não poderiam agir sequer sob ordens do presidente. Donald Trump sabe disso. Só que parte essencial de seu método é a criação permanente de ruído. O ruído serve a este novo governo americano. Ele suga a atenção do debate público enquanto decisões que levarão ao desmonte do Estado serão tomadas. Decisões, aliás, muito mais complexas e também burocráticas. Portanto chatas de acompanhar. Trump precisa de ruído constante.

É para isso que serve a desinformação. Ela é parte eficaz da estratégia de Trump não tanto porque engane as pessoas, mas mais porque as distrai. Ele gera tantos debates absurdos simultaneamente, a maioria sem qualquer consequência, que aquilo que de fato é importante se perde. A arte de Trump é a do ilusionista que constantemente desvia o foco de seu público dos movimentos relevantes.

Pois Zuckerberg está oferecendo ao novo presidente suas plataformas para distrair à vontade o público americano. Em troca, pede que o peso do Estado americano seja usado para enfrentar Europa, Canadá, Austrália, e, sim, o Brasil. O governo dos EUA tem melhores condições de pressionar para evitar a regulação desses negócios americanos.

É a esperança de Zuck.

Nenhum comentário: