Folha de S. Paulo
Autoritarismo e limites ao pluralismo marcaram
o ano
Direita e esquerda têm dificuldade com o
dissenso
Esta coluna de fechamento de 2025 é uma
retrospectiva. Não dos fatos do ano, mas das preocupações que orientaram nossa
navegação por eles —sobretudo daquelas ligadas à comunicação política e aos
dilemas da democracia
brasileira, searas em que me atrevo a opinar.
Ao longo dos meses, diferentes episódios, sob
formas variadas, foram sendo lidos —noto agora— à luz de um mesmo campo de
problemas: autoritarismo, radicalização eleitoral, crise do pluralismo e
dificuldades crescentes de governar e disputar legitimidade em um ambiente
polarizado.
Logo no início do ano, já era evidente que a comunicação política não seria um tema lateral, mas um teste da capacidade efetiva de governar sob ataque. A incapacidade do governo de antecipar crises, reagir rapidamente e disputar percepções —como no episódio do Pix— revelou vulnerabilidades profundas em sua comunicação. Ao mesmo tempo, a persistência do bolsonarismo indicava que a conquista do imaginário brasileiro pelos radicais não havia sido superada.
Fora do país, o quadro se repetia, com
variações locais. Trump e
a extrema direita europeia e sul-americana mostravam que não deveriam ser
tratados como desvios exóticos ou acidentes históricos. Impunha-se a
constatação incômoda de que o autoritarismo se tornara uma escolha política
racional, com base social, estratégia definida e expectativas eleitorais
concretas. Em 2025, abandonamos o choque com a eleição de líderes que desprezam
normas civilizatórias e passamos a nos indagar por que parcelas expressivas do
eleitorado desejam exatamente esse tipo de liderança.
Tornou-se necessário abandonar a
simplificação. Não existe uma extrema direita única. Populistas de direita
compartilham traços, mas diferem em estilo, relação com instituições, base
social e grau de radicalização. Compreender essas diferenças não é exercício
acadêmico, mas condição para avaliar os custos, os limites e as
vulnerabilidades.
À medida que o ano avançava, a atenção foi se
deslocando cada vez mais para dentro do campo democrático. Um problema passou a
se destacar: a erosão do pluralismo. À direita e à esquerda, cresce a
dificuldade de conviver com o dissenso como elemento legítimo da democracia. A
tentação de doutrinar, reeducar ou silenciar o outro —em nome de valores
tradicionais ou da justiça— torna-se recorrente. A política vai sendo empurrada
para um registro moralizante, no qual verdades consideradas inegociáveis
substituem a disputa entre projetos.
Nesse ponto, nos deparamos com as fragilidades
democráticas da esquerda. Não por simetria fácil com a extrema direita, mas por
um dilema próprio. Sempre que a igualdade social é colocada acima da igualdade
política, das liberdades civis e do repúdio inequívoco ao autoritarismo, a
credencial democrática se enfraquece. O apoio ou a complacência com ditaduras
"amigas", a racialização da moralidade e a atribuição coletiva de
culpa não são apenas incoerências normativas, mas passivos políticos com alto
custo eleitoral.
Em paralelo, tornou-se impossível ignorar o
autoengano progressista quanto à correlação de forças. Confundir influência em
elites culturais, acadêmicas e jornalísticas com maioria social levou a uma
leitura equivocada do país. O Brasil é,
de fato, mais conservador, mais hostil ao identitarismo e menos indulgente com
certos enquadramentos morais do que muitos imaginam. A extrema direita
conseguiu até mesmo ocupar o imaginário da rebeldia, da contestação e da
ruptura, apresentando-se como força antiortodoxa —ainda que, na prática, opere
com métodos autoritários.
Ao final dessa travessia, uma linha se impõe:
a democracia entrou numa fase em que já não basta ter razão normativa. É
preciso compreender o terreno político concreto, os afetos dominantes, as
expectativas frustradas e os limites reais da competição eleitoral.
Autoritarismos de direita não crescem apenas porque mentem ou manipulam, mas
porque oferecem diagnósticos, identidades e promessas que fazem sentido para
sociedades inseguras e desconfiadas.
É com esse quadro que chegamos a 2026. Um ano
eleitoral em que a disputa não será apenas por votos e programas, mas por
interpretações da realidade e por quem consegue parecer mais legítimo e mais
conectado ao país que existe —e não ao país que gostaríamos que existisse. Aos
leitores que me acompanharam nessa navegação ao longo de 2025, e à própria
democracia brasileira, fica o desejo de que o próximo ano traga mais lucidez,
mais disposição ao dissenso civilizado e menos ilusões confortáveis. Um
feliz Ano-Novo.

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