É precipitada a acareação com BC no caso Master
Por O Globo
Decisão de Toffoli antes do Ano Novo e à
revelia da PGR reforça sensação de pressão para intimidar a autoridade
monetária
Tem gerado incômodo e estranheza a pressão sobre os técnicos do Banco Central (BC) que determinaram a liquidação extrajudicial do Banco Master, do banqueiro Daniel Vorcaro. Depois de um pedido de esclarecimentos do Tribunal de Contas da União (TCU) — organismo do Legislativo sem poder de supervisão sobre a autoridade monetária —, o ministro Dias Toffoli, relator do caso Master no Supremo Tribunal Federal (STF), marcou para a próxima terça-feira uma acareação entre Vorcaro, o ex-presidente do Banco de Brasília (BRB) Paulo Henrique Costa e o diretor de Fiscalização do BC, Ailton de Aquino Santos (Aquino não é investigado).
O BC suspendeu em setembro uma operação de
venda do Master ao BRB cercada de suspeitas. Em novembro, decretou a liquidação
extrajudicial do banco diante de evidências eloquentes de irregularidades,
estimadas em pelo menos R$ 12,2 bilhões. De acordo com a versão que circula nos
meios jurídicos, o objetivo alegado para promover uma acareação às vésperas do
Ano Novo é ouvir se houve demora ao decretar a liquidação e entender a
fiscalização do Master para apontar responsáveis por eventuais falhas.
A convocação de Toffoli foi tomada “de
ofício”, sem pedido formal da Procuradoria-Geral da República, e mantida apesar
de o próprio procurador-geral, Paulo Gonet, ter manifestado incômodo e pedido a
suspensão da acareação, por considerá-la “prematura”. Tomada depois de um
despacho do ministro do TCU Jhonatan de Jesus questionando a atuação do BC na
liquidação, ela reforça o sentimento de que há pressões para intimidar os
técnicos da autoridade monetária.
É verdade que, no entender de juristas, há
base legal na acareação. “O magistrado é o destinatário final da prova e pode
determinar diligências quando entende que os elementos reunidos não são
suficientes para esclarecer os fatos”, diz Gustavo Sampaio, professor de
Direito Constitucional da Universidade Federal Fluminense. Mas ele próprio
afirma que há controvérsia, pois não há denúncia aceita, nem ação penal em
curso. Na atual fase, o papel do juiz, segundo Sampaio, é controlar a
legalidade dos atos investigativos, e não assumir a liderança da investigação.
O presidente do BC, Gabriel
Galípolo, já havia se colocado à disposição dos investigadores e
afirmou ter documentado cada reunião, mensagem e passo tomado ao longo da
fiscalização do Master. Não há dificuldade em obter todas essas informações.
Nem motivo aparente para convocar uma acareação de modo tão açodado.
Assim que assumiu o caso Master no Supremo no
início de dezembro, Toffoli decretou nível altíssimo de sigilo no processo,
outra decisão que semeou toda sorte de especulação. Ao manter o sigilo sobre o
processo, só alimenta as dúvidas. Para completar, depois do despacho inédito do
ministro Jhonatan de Jesus com exigências sobre a fundamentação da liquidação e
sua tramitação no BC, o TCU também impôs sigilo ao processo do Master.
A missão do BC não é salvar banqueiros
encrencados, mas garantir a estabilidade do sistema financeiro. Depois de um
mês, já ficou claro que a liquidação do Master não representou risco sistêmico
e que o BC cumpriu seu dever. Não se pode dizer o mesmo do TCU ou do Supremo.
Em vez de tanto sigilo, investigações sobre suspeitas tão graves precisam
correr com a mais absoluta transparência.
É positiva iniciativa do governo para
autoexclusão de sites de apostas
Por O Globo
Bets sérias já impõem controle rigoroso de
abusos para coibir vício. Problema será fiscalizar as ilegais
O Ministério da Fazenda fez bem ao lançar uma
plataforma para permitir que quem apresente uma relação problemática ou de
dependência com as plataformas de apostas e jogos on-line possa voluntariamente
bloquear o acesso a bets e suspender qualquer publicidade relacionada à
atividade durante um período. As empresas sérias de apostas já impõem controles
rigorosos para evitar abusos na sua clientela e coibir o vício. O problema será
fazer valer o mesmo princípio naquelas que funcionam à margem da lei.
A medida tem origem num acordo de cooperação
técnica fechado entre a Fazenda e o Ministério da Saúde, com duração de cinco
anos. A ferramenta de autoexclusão é parte de um plano integrado que prevê,
para o ano que vem, um oportuno sistema de teleatendimento para quem
identificar problemas na relação com as apostas, com apoio do Hospital
Sírio-Libanês, centro de excelência de São Paulo. Também está prevista a
capacitação de equipes da Rede de Atendimento Psicossocial (RAPS), ligada ao
SUS, para prestar esse tipo específico de serviço a dependentes do jogo. E um
autoteste de saúde mental estará disponível em canais como WhatsApp ou no
aplicativo Meu SUS Digital.
O Parlamento agiu corretamente ao permitir o
funcionamento dos sites de apostas. O setor já funcionava de modo irregular,
sem nenhum tipo de fiscalização. A proibição jamais foi eficaz para evitar a
operação do jogo clandestino. Sob regulação e supervisão do Estado, é possível
criar políticas para mitigar os eventuais efeitos negativos das apostas, além
de ampliar a arrecadação com impostos. A dificuldade está em manter uma
fiscalização com o rigor e a capacidade técnica necessários para coibir os
sites clandestinos, que continuam a ser usados por organizações criminosas para
lavar dinheiro e funcionam como chamariz para os viciados.
As autoridades precisam acompanhar de perto
as bets e monitorar o perfil de seus clientes, como têm feito o Banco Central e
o Ministério da Fazenda. Em novembro, o Supremo Tribunal Federal também deu uma
contribuição valiosa ao bloquear o acesso às apostas de inscritos em programas
sociais como Bolsa Família e Benefício de Prestação Continuada (BPC). Por fim,
o envolvimento recente do Ministério da Saúde para monitorar os efeitos
psicológicos é positivo.
Há no mundo exemplos inspiradores de regulação de jogos. Um dos mais eficazes está no Reino Unido. A experiência mostra que o acompanhamento constante é crucial. É importante ficar atento para a necessidade de atualizar a regulação, oferecer ferramentas ao apostador dependente e, sobretudo, manter padrões rigorosos de fiscalização e controle para tirar do ar os sites ilegais de apostas.
A fantasia da redução da jornada de trabalho
Por Folha de S. Paulo
Abraçado por Lula, fim da escala 6x1 ganha
força na pauta eleitoral sem estudos técnicos de viabilidade
Leis não são capazes de criar vagas e
remunerações desejadas; regulações irrealistas podem gerar informalidade ou até
perda de renda
A esquerda teve mau desempenho nas eleições municipais
do ano passado, conquistando o menor número de capitais desde a
redemocratização. Mas descobriu, ao menos, uma bandeira potencialmente eficaz
nas urnas do Rio de
Janeiro.
Na cidade, o neófito Rick Azevedo, à época
perto de completar 31 anos de idade, tornou-se o vereador mais votado do PSOL e
o 12º entre os que disputaram as 51 vagas na Câmara Municipal. O sucesso
inesperado se deveu a uma campanha na internet pela redução da jornada de
trabalho —em particular, contra a escala de seis dias de labuta e uma folga
semanal permitida por lei.
O filão foi logo explorado, antes de qualquer
debate ou estudo técnico. Em fevereiro deste ano, a deputada federal Erika Hilton (PSOL-SP)
protocolou uma proposta de emenda constitucional (PEC) para reduzir a carga
máxima de trabalho a 36 horas semanais, em vez das 44 fixadas na Constituição,
e impondo três dias de folga por semana.
No Senado,
saiu do limbo uma PEC de
teor semelhante apresentada dez anos atrás por Paulo Paim
(PT-RS), decano da demagogia parlamentar. A Comissão de Constituição e Justiça
(CCJ) aprovou a proposta neste mês.
Luiz Inácio Lula da
Silva (PT) tratou o assunto com certa cautela inicial, defendendo apenas que
ele fosse examinado. Já em seu pronunciamento natalino desta semana, disse que o
fim da jornada 6x1 é uma "demanda do povo" que
precisa ser transformada em realidade —"sem redução de salário",
claro.
Ora, é justo e correto que, entre todos os
mercados, o de trabalho seja o mais regulado, dada a frequente assimetria de
poder econômico entre empregadores e empregados. É fantasioso, porém, imaginar
que leis sejam capazes de criar vagas e remunerações nas condições desejadas.
Fosse assim, o menor salário do país seria de
R$ 7.000 mensais (calculados pelo Dieese para atender as determinações da
Constituição), homens e
mulheres teriam os mesmos rendimentos, pagamentos em 13 parcelas ao
ano, em vez de 12, fariam trabalhadores brasileiros mais ricos —e os próprios
limites hoje existentes para a jornada de trabalho seriam cumpridos por todos.
Regulações irrealistas, instituídas por boas
intenções ou oportunismo político, muitas vezes resultam em informalidade, que
aqui ronda elevadíssimos 38% dos ocupados, segundo dados do IBGE.
Em outros casos, são simplesmente contornadas, dado que o poder público não tem
como fiscalizar a rotina de toda a população ativa. Nas piores hipóteses, geram
queda de renda.
Sabe-se que políticos das mais variadas
orientações hesitarão em questionar uma proposta de apelo popular imediato,
ainda mais no ano eleitoral prestes a começar. Não é pequeno o risco de um
debate pouco fundamentado que venderá ilusões à sociedade, enquanto problemas
econômicos muito mais prementes são deixados de lado.
Em Honduras, Trump dá nova mostra de
intervencionismo
Por Folha de S. Paulo
Americano chegou a reforçar campanha do
candidato vencedor com indulto a ex-presidente preso por tráfico
Trump ameaçou cortar ajuda dos EUA a Honduras
em caso de vitória de oponentes de Asfura, o que serve de alerta para pleitos
na região
Passados 24 dias da eleição presidencial
em Honduras,
o Conselho Nacional Eleitoral do país declarou o conservador Nasry Asfura como
o vencedor na quarta-feira (24).
Entretanto o longo processo de revisão da
votação não pacificou a aceitação do resultado, num pleito marcado por
denúncias de fraudes —e tensionado, ademais, por explícita ingerência do
presidente dos Estados
Unidos, Donald Trump,
em favor da candidatura de Asfura.
O candidato do Partido Nacional foi
declarado eleito com 40,3% dos votos válidos, quando a revisão
atingiu 99,2% do sufrágio. Seu principal oponente, o também conservador Salvador
Nasralla, do Partido Liberal, registrou 39,5%. Já Rixi Moncada, ex-ministra da
Defesa do atual governo de esquerda da presidente Xiomara Castro, obteve 19,2%.
O presidente do Congresso hondurenho, Luis
Redondo, do partido governista Libre, afirmou que houve irregularidades no
processo eleitoral e que não aceitará o resultado. Nasralla e a esquerda
avaliam apresentar contestações formais.
Em caso de o CNE determinar nova revisão, os
dois partidos de direita tenderão a vasculhar voto a voto, dada a diferença de
apenas 0,8 ponto percentual.
Derrubar a esquerda pelas urnas e eleger
Asfura foram objetivos notórios de Trump. O republicano ameaçou
cortar a ajuda americana a Honduras em caso de vitória de
Moncada, a quem tachou de "comunista" e acusou de ter participado de
um governo próximo à Venezuela;
Nasralla, considerado "quase comunista", tampouco o contentara.
A promessa de Asfura de replicar a política de
segurança linha-dura de Nayib Bukele, presidente de El Salvador,
agrada a Trump —o crime organizado motiva migração de hondurenhos aos EUA tanto
quanto a situação de pobreza de 60% da população do país.
Em mais um sinal de interferência, o
republicano chegou a conceder indulto ao ex-presidente de Honduras Juan Orlando
Hernández (2014-2022), condenado a 45 anos de prisão nos EUA por tráfico de
cocaína, para reforçar a campanha de Asfura.
Ao contrariar sua política de combate ao
narcotráfico com tal gesto, Trump indica não ter limites quando se trata de
ampliar espaços de poder da direita populista na América
Latina.
Em Honduras, contribuiu para tornar ainda mais turbulento o pleito em uma democracia instável. Tamanha balbúrdia não deixa de servir de alerta e inspirar cuidados nas próximas eleições da região —inclusive no Brasil e na Colômbia em 2026.
Caso Master entra em rota perigosa
Por O Estado de S. Paulo
Acareação determinada de ofício por Dias
Toffoli para produzir provas, contrariando a PF e a PGR, causa estranheza. É
preciso preservar a autonomia do BC, uma conquista republicana
A decisão do ministro do Supremo Tribunal
Federal (STF) Dias Toffoli de determinar a realização de uma acareação entre o
dono do Banco Master, Daniel Vorcaro, o ex-presidente do Banco de Brasília
(BRB) Paulo Henrique Costa e o diretor de Fiscalização do Banco Central (BC),
Ailton de Aquino Santos, projeta uma sombra ameaçadora sobre a autonomia da
autoridade monetária.
Ainda que, em tese, não seja ilegal um
magistrado determinar de ofício a produção de provas, a iniciativa de Dias
Toffoli causou estranheza no campo jurídico por ter sido decidida à revelia da
Polícia Federal (PF) e diante de manifestação contrária da Procuradoria-Geral
da República (PGR). Tudo soa ainda mais estranho quando lembramos que o caso
Master, a rigor, nem sequer deveria estar a cargo do Supremo, mas sim da
primeira instância da Justiça Federal de Brasília.
Desde o início, a condução das investigações
por Dias Toffoli tem sido marcada por decisões questionáveis. A imposição de
elevado grau de sigilo ao caso não tem justificativa plausível, o que alimenta
suspeitas de que se esteja diante de uma deliberada tentativa de blindagem de
figuras poderosas envolvidas com o Banco Master. Vale lembrar que o crescimento
vertiginoso do banco nos últimos anos ocorreu em paralelo à construção de uma
vasta rede de relações entre o sr. Vorcaro, ora em prisão domiciliar, e
autoridades dos mais altos escalões dos Três Poderes.
Do ponto de vista jurídico, a acareação
marcada para o próximo dia 30 ainda desafia a lógica do processo penal. Grosso modo,
trata-se de um instrumento processual destinado a dirimir contradições entre
depoimentos previamente colhidos de investigados, acusados ou testemunhas. No
caso em tela, os depoimentos dos acareados nem sequer foram prestados. Juristas
ouvidos pelo Estadão foram
unânimes em apontar a impertinência do ato para este momento e, principalmente,
o risco que isso pode representar para a imparcialidade de Dias Toffoli no
julgamento de um eventual processo penal derivado das investigações que ele
mesmo conduz.
Mais grave, contudo, é a rota perigosa em que
o caso Master entrou. Não é desarrazoado inferir que o objetivo último de
Vorcaro, usando o Supremo, seja suspender as medidas cautelares que lhe foram
impostas e, sobretudo, criar um ambiente propício para questionar – e
eventualmente anular – a decisão do BC de liquidar o Banco Master após meses de
rigorosas análises técnicas. De forma prudente, a autoridade monetária concluiu
que a venda do banco privado ao BRB colocaria em risco um banco público ao
transferir-lhe “ativos podres”, para usar o jargão do mercado financeiro.
Tratou-se, portanto, de uma decisão típica de autoridade monetária
independente, voltada à proteção do sistema financeiro como um todo.
A eventual anulação dessa liquidação por
intervenção judicial seria um desastre institucional. A autonomia do Banco
Central não é um capricho burocrático, mas um pilar da estabilidade econômica
do País – uma das mais importantes de nossas conquistas republicanas. Sem a
confiança de que decisões técnicas do BC serão respeitadas, o Brasil entrará
numa espiral de insegurança jurídica de consequências imprevisíveis. Não há
país que prospere quando as regras do jogo mudam conforme as conveniências
políticas de ocasião ou, pior, pela força dos interesses privados. O efeito da
anulação da liquidação do Master seria devastador para a credibilidade do País
como polo de atração de investimentos produtivos.
O que está em jogo, portanto, vai muito além
do destino de um banco privado, de seus principais executivos ou de um diretor
técnico da autoridade monetária. Está-se falando da preservação da autonomia do
BC como instituição da República. O Supremo, como guardião maior da
Constituição, não pode se prestar ao papel de enfraquecê-la, muito menos de
dizimá-la. Se o fizer sem razões muito sólidas, contribuirá para corroer o
Estado de Direito no País e para destruir uma das principais âncoras de
racionalidade e previsibilidade da economia brasileira.
O arcabouço fiscal que não houve
Por O Estado de S. Paulo
Como esperado, o arcabouço fiscal não conseguiu
conter a dívida pública. Com gastos crescendo consistentemente acima das
receitas, País terá de encontrar uma nova âncora fiscal em 2027
Diz-se que em coração de mãe cabe todo mundo,
expressão que tenta definir a infinita capacidade de acolhimento das mulheres.
De certa forma, é assim que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva enxerga o
Orçamento Geral da União. A diferença é que os limites da peça orçamentária são
bastante tangíveis, mas o governo faz questão de esgarçá-los como se eles não
existissem.
Com exceção do superávit pontual registrado
em 2022, resultado do calote nos precatórios patrocinado pelo então presidente
Jair Bolsonaro, o País não registra saldo positivo entre receitas e despesas há
mais de dez anos. Isso não se deve a problemas pontuais, mas à dinâmica do
gasto público, que cresce em ritmo consistentemente acima da arrecadação.
Para reverter esse quadro e conquistar o respeito
do mercado financeiro, o governo Lula propôs um novo arcabouço fiscal e apostou
todas as suas fichas no aumento de impostos, uma política que o ministro da
Fazenda, Fernando Haddad, preferiu chamar de recuperação de receitas, para
abrandar seus efeitos. Em relação às despesas, no entanto, o governo foi bem
mais indulgente.
As chances de que a estratégia funcionasse já
eram baixas desde o início, tendo em vista a resistência do Congresso em
aumentar impostos, mas, para piorar, o governo decidiu retirar os pisos da
saúde e da educação do alcance do arcabouço fiscal, mantendo sua vinculação com
as receitas, e tornar lei a política de valorização do salário mínimo.
A bondade custou caro. De um lado, se a
arrecadação subisse, as despesas com saúde e educação também aumentariam. De
outro, boa parte das aposentadorias e pensões, bem como seguro-desemprego,
abono salarial e o Benefício de Prestação Continuada (BPC), entre outros
benefícios, está vinculada ao salário mínimo. As despesas diretamente ligadas
ao piso consomem cerca de 30% das despesas primárias do governo.
Era óbvio, portanto, que essas medidas iriam
abalar as bases do arcabouço fiscal. Quando se retiram tantas despesas do
alcance da âncora, ocorre uma pressão adicional sobre o conjunto das demais, sobretudo
as discricionárias. Investimentos, gastos de custeio e emendas parlamentares,
na prática, precisam subir menos ou até cair para que uma coisa compense a
outra.
O que aconteceu era previsível: toda e
qualquer despesa avaliada como inesperada passou a ser excluída das regras
fiscais. Foi assim com os precatórios, os investimentos de estatais no Programa
de Aceleração do Crescimento, a ajuda às enchentes no Sul e às queimadas no
Norte e Centro-Oeste, o apoio a exportadores pelo tarifaço e o ressarcimento
pelos descontos ilegais em aposentadorias e pensões.
O exemplo do Executivo ensinou aos demais
Poderes. O Congresso retirou R$ 30 bilhões em investimentos em defesa do
alcance do limite de despesas e da meta. O Judiciário não ficou atrás e, para
garantir o pagamento de penduricalhos, decidiu que R$ 1,3 bilhão em despesas
pagas com receitas próprias ficariam fora das regras fiscais.
Mesmo todas essas exceções não foram
suficientes para o governo cumprir as metas fiscais de 2025 e 2026, e a decisão
foi mudá-las para torná-las ainda mais modestas. Não adiantou, e o governo
conseguiu arrancar do Congresso uma autorização para perseguir o limite
inferior dessas metas, em vez do centro.
Tudo isso permitirá ao governo Lula chegar ao
fim de 2026 batendo o bumbo de que cumpriu as metas fiscais e ainda registrou
um superávit no último ano de seu mandato. Como o tema é árido, pode funcionar
como discurso eleitoral. Mas a dívida, ao contrário dos políticos, não mente.
O arcabouço nunca foi um fim em si mesmo, mas
um instrumento para conter a trajetória da dívida. Logo, de nada adianta
cumprir as metas fiscais, se a trajetória da dívida bruta na proporção do PIB
não para de subir. Entre janeiro de 2023 e outubro de 2025, a dívida bruta do
governo geral subiu nada menos que sete pontos porcentuais, de 71,4% para 78,4%
do PIB.
Esse avanço é fruto das escolhas, conscientes
ou não, do Executivo, do Legislativo e do Judiciário, que fizeram do arcabouço
fiscal uma âncora inócua, com vida ainda mais curta que o falecido teto de
gastos. O ajuste será doloroso e inevitável em 2027.
Uma boa mudança
Por O Estado de S. Paulo
IBGE mostra que cresce o compartilhamento da
guarda após o divórcio, para o bem dos filhos
O Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística (IBGE) acabou de divulgar a mais nova edição da pesquisa Estatísticas do Registro Civil. Com
base em dados de 2024, o levantamento conseguiu sintetizar em números as
mudanças nos padrões de comportamento dos brasileiros. Não é de hoje que as
dinâmicas familiares têm passado por transformações, mas merece especial
atenção a atual configuração dos lares após um divórcio. Pela primeira vez, a
proporção da guarda compartilhada dos filhos depois do fim do casamento superou
a da guarda dada pela Justiça exclusivamente à mãe.
Segundo a pesquisa, 44,6% dos divórcios
registrados no ano passado terminaram com a sentença judicial da guarda
compartilhada entre o pai e a mãe, enquanto 42,6%, com a guarda para a mãe. A
título de exemplo, dez anos antes, 7,5% dos divórcios eram encerrados com a
guarda compartilhada e nada menos do que 85,1% dos processos eram finalizados
com a guarda concedida apenas à mãe. De acordo com a gerente da pesquisa,
Klívia Brayner, essa inversão de tendência foi motivada por uma mudança
legislativa em 2014 que passou a priorizar a guarda compartilhada, desde que
ambos os pais estejam aptos a exercer o poder familiar.
Trata-se de um exemplo bastante positivo de
quando uma lei pega no
Brasil. Isso porque as alterações feitas nos artigos do Código Civil que versam
sobre o Direito de Família tiveram um impacto concreto no dia a dia dos lares.
De modo acertado, a lei, ao privilegiar a concessão da guarda compartilhada,
definiu que em primeiro lugar vem o bem-estar da criança e do adolescente. E
nada melhor para o bem-estar de um filho do que conviver contínua e
harmoniosamente tanto com a sua mãe como com o seu pai.
Mas não só isso: a atualização da lei
estabeleceu ainda que, quando o pai e a mãe não conseguem chegar a um acordo
sobre a guarda do filho, o desentendimento entre eles é posto de lado. Mais uma
vez, privilegia-se a guarda compartilhada para que sempre prevaleçam os
interesses do filho do casal em processo de divórcio.
Como se vê, é uma reviravolta e tanto nos
costumes. A bem da verdade, o Código Civil captou o espírito do nosso tempo, em
que não é mais tolerável sobrecarregar unicamente a mulher com a criação de uma
criança ou de um adolescente, ficando o ex-companheiro alheio ao crescimento do
próprio filho. Com a guarda compartilhada, a mãe e o pai exercem plenamente o
seu poder de família, assumem as obrigações que lhes pesam igualmente nos
cuidados do filho, decidem de forma conjunta as soluções para os problemas mais
comezinhos ou os mais complexos, dividem os momentos de cobrança e vivenciam o
afeto e o amor.
Essas mudanças comportamentais são um indicador da evolução civilizatória do Brasil. Ao homem não cabe mais apenas prover o sustento dos filhos com o pagamento de uma pensão – quando, não raro, nem isso cumprem. É seu dever acolher os filhos na sua casa, sustentá-los, educá-los e lhes dar atenção, assim como compartilhar com a mãe as dores e as alegrias da criação de uma criança ou um adolescente.
É preciso romper a lógica da polarização
Por Correio Braziliense
A polarização sobrevive aos reveses de seus
líderes e, em certos momentos, parece até se fortalecer com eles. Essa dinâmica
indica que o debate político nacional pouco avançou na última década
A persistência da polarização política no
Brasil já não é apenas um fenômeno eleitoral: tornou-se um fator estrutural de
corrosão da coesão nacional. Os dados recentes do Datafolha revelam um país
rigidamente dividido entre lulistas e bolsonaristas, mesmo depois de eventos
extremos — prisão, condenações, desgaste institucional — que, em democracias
mais estáveis, tenderiam a abrir espaço para alternativas políticas. No Brasil,
ocorre o inverso: a polarização sobrevive aos reveses de seus líderes e, em
certos momentos, parece até se fortalecer com eles.
Essa dinâmica indica que o debate político
nacional pouco avançou na última década. A disputa permanece centrada menos em
projetos de país e mais na rejeição mútua entre dois polos que se
retroalimentam. Luiz Inácio Lula da Silva, mesmo liderando pesquisas, sustenta
seu capital eleitoral sobretudo por força pessoal: afinal, apenas um terço do
eleitorado se identifica com a esquerda ou centro-esquerda. Do outro lado, Jair
Bolsonaro, condenado por tentativa de golpe de Estado, continua a organizar
politicamente um campo expressivo da sociedade, agora transferindo protagonismo
ao filho Flávio Bolsonaro, numa aposta explícita na manutenção da polarização
como estratégia de sobrevivência.
Esse impasse convém eleitoralmente aos
extremos, mas cobra um preço alto da governabilidade. Na política econômica,
convivem uma política fiscal expansionista, orientada por cálculos eleitorais
de curto prazo, e uma política monetária severa, que mantém juros elevados por
falta de credibilidade fiscal. O resultado é um círculo vicioso: inflação que
cede lentamente, dívida crescente e um custo financeiro que estrangula o investimento
e limita o crescimento. Não há coordenação porque não há consenso mínimo sobre
prioridades nacionais, apenas a lógica do "nós contra eles".
Nesse ponto, a reflexão filosófica ilumina o
presente. Platão e Aristóteles escreveram, no século 4 a.C., quando a pólis
grega dava sinais de exaustão política, uma obra que não inaugurou o pensamento
grego, mas marcou o início da tradição filosófica ocidental justamente num
momento de decadência da vida cívica. O problema que emergiu então — como viver
em sociedade quando a política não oferece sentido coletivo — ecoa de forma
perturbadora no Brasil atual. A política transforma-se em mera disputa de
poder, e o pensamento passa a ser apenas "pós-pensamento",
racionalização tardia de decisões tomadas por impulsos, afetos e identidades
tribais.
A polarização contemporânea produz efeito
semelhante: separa pensamento e ação, esvazia o debate programático e reduz a
cidadania à adesão emocional a líderes. Nesse ambiente, projetos nacionais
amplos tornam-se inviáveis. O país foi capaz, em outros momentos históricos, de
construir consensos mínimos — na redemocratização, na estabilização monetária,
na Constituição de 1988 — mesmo em contextos de conflito. Hoje, porém, a
política parece prisioneira de uma lógica plebiscitária permanente, em que cada
eleição se apresenta como um "tudo ou nada" existencial.
Romper essa engrenagem exige mais do que nomes novos; exige uma revalorização do espaço do centro democrático como lugar de formulação, não de mera acomodação. Significa recolocar temas estruturais — responsabilidade fiscal, desenvolvimento sustentável, redução das desigualdades, fortalecimento institucional — acima da exploração sistemática do medo e da rejeição. Sem isso, o Brasil seguirá oscilando entre dois polos que se alimentam mutuamente, incapazes de oferecer um projeto nacional capaz de recompor o consenso mínimo necessário à vida republicana. A superação da polarização, portanto, não é um luxo intelectual: é condição para que a política volte a ter sentido coletivo e a democracia recupere sua capacidade de orientar o futuro.
Master, o nome na capa do processo
Por O Povo (CE)
Daniel Vorcaro não chegaria impunemente onde
chegou sem trânsito nas mais altas esferas do poder
O Supremo Tribunal Federal (STF) termina o
ano em situação difícil — e não se trata dos confrontos ocorridos com o
Legislativo, ou com a suposta interferência do STF em outro poder. A situação,
no mínimo incômoda, foi provocada pelo comportamento de ministros que, até
agora, tudo indica, são absolutamente incompatíveis com a função que exercem
como julgadores.
Alexandre de Moraes está com dificuldade para
explicar o que foi tratado em vários telefonemas entre ele e o presidente do
Banco Central (BC), Gabriel Galípolo, informações que se tornaram públicas em
reportagem da jornalista Malu Gaspar, do jornal O Globo.
A jornalista escreveu que Moraes havia
procurado Galípolo várias vezes para "fazer pressão" em favor do
Banco Master, buscando informações a respeito da operação de venda para o Banco
de Brasília (BRB), que terminou vetada pelo BC.
A atuação de Moraes seria questionável em
qualquer hipótese, mas acontece que o escritório de advocacia da mulher dele,
Viviane Barci de Moraes, teria um contrato para representar os interesses do
Master e de Daniel Vorcaro no Banco Central, no Congresso Nacional e em órgão
de controle financeiro. O valor desse contrato soma R$ 130 milhões.
Em notas oficiais, Moraes afirma que os
contatos com Galípolo tinham como único objetivo tratar das sanções impostas a
ele pela Lei Magnitski.
No entanto, a apuração do jornal O Estado de
S. Paulo (24/12) trouxe a informação de que Moraes teria sim falado com o
presidente do BC sobre o Banco Master, ligando "seis vezes no mesmo
dia" para saber o andamento da operação de compra pelo BRB.
O ministro Dias Toffoli, relator do caso
Master no STF, também agiu de forma inadequada ao viajar de carona em um
jatinho particular para assistir à final da Libertadores. No mesmo voo estava
Augusto Arruda Botelho, advogado de um dos diretores do Master. A viagem
ocorreu no dia 29/11, um dia após o ministro ter sido sorteado como relator da
ação. O processo subiu ao STF a pedido da defesa do banco, alegando que um
deputado federal era citado na investigação.
Ministros da mais alta Corte, depois do
importante papel que tiveram ao garantir a lisura das eleições de 2022, tinham
a obrigação de manter um comportamento exemplar no exercício de suas funções.
Não se faz aqui um julgamento antecipado, mas as evidências demonstram que
ainda restam pontos obscuros, que precisam ser mais bem explicados.
O fato é que Daniel Vorcaro não chegaria impunemente onde chegou sem trânsito nas mais altas esferas do poder, amizades que serviram de anteparo para as suas continuadas ações fraudulentas. Ressalte-se que ele foi parado pela atuação republicana do Banco Central, sem levar em conta o nome que estava na capa do processo.

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