sábado, 27 de dezembro de 2025

O brasileiro esse desconfiado. Por Thaís Oyama

O Globo

Um código de conduta para os juízes do STF poderia contribuir para elevar os subterrâneos níveis da confiança nacional

O brasileiro não confia em ninguém. Entre cem povos do mundo, o do Brasil só é menos desconfiado que o do Zimbábue. O alto grau de desconfiança nacional foi constatado em pesquisa do World Values Survey divulgada em 2023 e confirmado agora, no recém-lançado livro “O Brasil no espelho”, do cientista político e CEO da Quaest, Felipe Nunes. De acordo com o livro, com base em levantamento com 10 mil pessoas, 6% dos brasileiros concordam com a afirmação: “Podemos confiar na maioria das pessoas”. Os outros 94% ficam com a frase: “É preciso ser muito cuidadoso com as pessoas”.

Exceção feita a familiares imediatos, única categoria em que a maior parte dos entrevistados diz confiar muito, os brasileiros desconfiam de quem não conhecem, desconfiam de estrangeiros, desconfiam de quem pensa diferente e desconfiam até dos vizinhos. Na média nacional, numa escala de zero a dez, o índice de confiança dos brasileiros nos semelhantes é de apenas 2,5 pontos. Regionalmente, confia-se um pouco mais em estados do Sul, como Rio Grande do Sul e Santa Catarina, e um pouco menos em estados da região Centro-Oeste, como Mato Grosso e Mato Grosso do Sul. A falta de confiança é uma marca brasileira — e uma desgraça nacional.

Confiança facilita associações, e associações, como apontou Tocqueville, geram força e empreendimentos — além de ideias, riquezas e crianças. A desconfiança distancia as pessoas e estimula tudo o que é contrário ao crescimento e à prosperidade, incluindo a burocracia, filha legítima da suspeição. Quem desconfia não arrisca, e quem suscita desconfiança não petisca. Isso se aplica a indivíduos, empresas e países. Não é por acaso que, no levantamento do World Values Survey que cruza índice de confiança interpessoal com PIB per capita, aparecem no topo do ranking as ricas e estáveis nações nórdicas — como Noruega e Dinamarca. O Brasil está entre os dez piores colocados, e o desafortunado Zimbábue, mais uma vez, na última posição.

Para Felipe Nunes, a desconfiança generalizada do brasileiro vem sobretudo do medo gerado pela ameaça da criminalidade. “O medo faz com que confiem menos”, diz. Reportagens recentes mostraram que cresce o número de brasileiros que deixou de atender o celular por receio de ser vítima de golpe de estelionato, crime que mais cresceu nos últimos tempos. Assim como a desconfiança não existe sem motivo, também a confiança precisa de lastro. Ninguém confia cegamente, gratuitamente, lembra Robert Putnam, cientista social americano que popularizou o conceito de “capital social” (conjunto de redes de convivência e normas de reciprocidade que facilita a cooperação e faz uma sociedade funcionar melhor). Segundo Putnam, o cidadão confia mais no próximo quanto mais se acha capaz de prever as reações que terá diante de determinada ação. O mesmo princípio se aplica a instituições. Quanto mais transparentes e previsíveis, mais confiáveis são — e o contrário é igualmente verdadeiro.

Um código de conduta para os juízes do Supremo Tribunal Federal, como o proposto pelo ministro Edson Fachin, poderia contribuir para elevar os subterrâneos níveis da confiança nacional. Não é a panaceia aos muitos males que afligem o Judiciário, mas ao menos prestaria o serviço de tornar o comportamento de Suas Excelências mais previsível e verificável. Num país de desconfiados, é pouco, mas convém começar – o Zimbábue pode não querer segurar a lanterna por muito tempo.

Obs.: A escalada de revelações pela imprensa nos últimos dias a respeito da conduta do ministro do Supremo Tribunal Federal Alexandre de Moraes em relação ao Banco Master torna imperativa a investigação do magistrado. Que os responsáveis pela tarefa não brindem os brasileiros em 2026 com novos bons motivos para desconfiar.

 

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