O Globo
Um código de conduta para os juízes do STF
poderia contribuir para elevar os subterrâneos níveis da confiança nacional
O brasileiro não confia em ninguém. Entre cem povos do mundo, o do Brasil só é menos desconfiado que o do Zimbábue. O alto grau de desconfiança nacional foi constatado em pesquisa do World Values Survey divulgada em 2023 e confirmado agora, no recém-lançado livro “O Brasil no espelho”, do cientista político e CEO da Quaest, Felipe Nunes. De acordo com o livro, com base em levantamento com 10 mil pessoas, 6% dos brasileiros concordam com a afirmação: “Podemos confiar na maioria das pessoas”. Os outros 94% ficam com a frase: “É preciso ser muito cuidadoso com as pessoas”.
Exceção feita a familiares imediatos, única
categoria em que a maior parte dos entrevistados diz confiar muito, os
brasileiros desconfiam de quem não conhecem, desconfiam de estrangeiros, desconfiam
de quem pensa diferente e desconfiam até dos vizinhos. Na média nacional, numa
escala de zero a dez, o índice de confiança dos brasileiros nos semelhantes é
de apenas 2,5 pontos. Regionalmente, confia-se um pouco mais em estados do Sul,
como Rio Grande do Sul e Santa Catarina, e um pouco menos em estados da região
Centro-Oeste, como Mato Grosso e Mato Grosso do Sul. A falta de confiança é uma
marca brasileira — e uma desgraça nacional.
Confiança facilita associações, e
associações, como apontou Tocqueville, geram força e empreendimentos — além de
ideias, riquezas e crianças. A desconfiança distancia as pessoas e estimula
tudo o que é contrário ao crescimento e à prosperidade, incluindo a burocracia,
filha legítima da suspeição. Quem desconfia não arrisca, e quem suscita
desconfiança não petisca. Isso se aplica a indivíduos, empresas e países. Não é
por acaso que, no levantamento do World Values Survey que cruza índice de
confiança interpessoal com PIB per capita, aparecem no topo do ranking as ricas
e estáveis nações nórdicas — como Noruega e Dinamarca. O Brasil está entre os
dez piores colocados, e o desafortunado Zimbábue, mais uma vez, na última
posição.
Para Felipe Nunes, a desconfiança
generalizada do brasileiro vem sobretudo do medo gerado pela ameaça da
criminalidade. “O medo faz com que confiem menos”, diz. Reportagens recentes
mostraram que cresce o número de brasileiros que deixou de atender o celular
por receio de ser vítima de golpe de estelionato, crime que mais cresceu nos
últimos tempos. Assim como a desconfiança não existe sem motivo, também a
confiança precisa de lastro. Ninguém confia cegamente, gratuitamente, lembra
Robert Putnam, cientista social americano que popularizou o conceito de
“capital social” (conjunto de redes de convivência e normas de reciprocidade
que facilita a cooperação e faz uma sociedade funcionar melhor). Segundo
Putnam, o cidadão confia mais no próximo quanto mais se acha capaz de prever as
reações que terá diante de determinada ação. O mesmo princípio se aplica a
instituições. Quanto mais transparentes e previsíveis, mais confiáveis são — e
o contrário é igualmente verdadeiro.
Um código de conduta para os juízes do
Supremo Tribunal Federal, como o proposto pelo ministro Edson Fachin, poderia
contribuir para elevar os subterrâneos níveis da confiança nacional. Não é a
panaceia aos muitos males que afligem o Judiciário, mas ao menos prestaria o
serviço de tornar o comportamento de Suas Excelências mais previsível e
verificável. Num país de desconfiados, é pouco, mas convém começar – o Zimbábue
pode não querer segurar a lanterna por muito tempo.
Obs.: A escalada de revelações pela imprensa
nos últimos dias a respeito da conduta do ministro do Supremo Tribunal Federal
Alexandre de Moraes em relação ao Banco Master torna imperativa a investigação
do magistrado. Que os responsáveis pela tarefa não brindem os brasileiros em
2026 com novos bons motivos para desconfiar.

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