segunda-feira, 23 de fevereiro de 2015

Opinião do dia - Raul Jungmann

O Brasil não pode e não deve abrir mão de sua liderança. O Brasil não pode e não deve renunciar à sua tradição democrática em nome de uma suposta aliança bolivariana que só nos ofende e ofende ao povo Venezuelano. É hora de dar um basta!

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Raul Jungmann (PPS-PE) é deputado federal e vice líder da Minoria na Câmara Federal

Novo centro de pesquisa teve propina de R$ 36 milhões

Preço duplicado

• Com aditivos e propinas, ampliação de centro de pesquisas custa r$ 1,5 bilhão a mais

Cleide Carvalho, Renato Onofre e Thiago Herdy – O Globo

SÃO PAULO - Instalado há 40 anos na Ilha do Fundão (RJ), o Centro de Pesquisas da Petrobras (Cenpes) foi duplicado para atender ao desafio de buscar novas tecnologias para retirar petróleo de águas ultraprofundas, o pré-sal. Orçado em R$ 1 bilhão em 2004, o projeto acabou custando R$ 2,5 bilhões, dos quais R$ 1,83 bilhão corresponde a pagamentos feitos a empreiteiras investigadas na Operação Lava-Jato. Segundo o ex-gerente da estatal Renato Barusco Filho, ex-braço direito do diretor Renato Duque, a propina paga pelos consórcios Novo Cenpes e Citi e pela UTC Engenharia alcançou pelo menos R$ 36,6 milhões - o correspondente a 2% do valor que elas receberam pelas obras.

Barusco, que assinou acordo de delação premiada, detalhou em planilhas como foi dividida a propina: 1% ficou para diretores e funcionários da Petrobras, sob a rubrica "Casa", e 1% foi destinado a "Part" - ou partido. Na diretoria de Serviços, comandada por Duque, o partido era o PT.

Funcionários atuaram como fornecedores
A escalada de preços foi embalada por aditivos. Juntos, os três principais contratos tiveram 55 aditivos. Documentos internos da Petrobras, aos quais o GLOBO teve acesso, mostram que Barusco e Duque analisaram e deram aval à maioria dos aumentos de preços pedidos pelas empreiteiras e tiveram a chancela da diretoria executiva da estatal.

O contrato do Consórcio Novo Cenpes, liderado pela OAS e integrado pelas construtoras Schahin, Construbase, Carioca Christiani-Nielsen e Construcap, teve o valor mais alto. Fechado por R$ 849,9 milhões, recebeu 17 aditivos e alcançou R$ 1.023.570.295,40. Segundo Barusco, o empresário Mário Goes foi o responsável, sozinho, por operar a distribuição da propina, de cerca de R$ 20 milhões. De acordo com depoimento de outro delator, o ex-diretor de Abastecimento Paulo Roberto Costa, o Cenpes, tocado integralmente por Duque, foi a principal obra da OAS para a Petrobras.

O pacote do consórcio Novo Cenpes incluiu até o fornecimento de móveis e mobiliário e também gerou benefícios ilícitos. De acordo com as investigações, uma das filhas de Costa, com a ajuda do pai, intermediou a venda de móveis para o consórcio. A propina correspondente foi depositada na conta da Costa Global, empresa criada pelo ex-diretor para gerenciar e receber propina.

Dono do segundo maior contrato, o Consórcio Citi (Andrade Gutierrez, Queiroz Galvão e Mendes Júnior) iniciou sua parte nas obras cobrando R$ 452,9 milhões, 17,83% acima do esperado pela estatal. No término dos serviços, o preço havia alcançado R$ 489.3 milhões. Segundo Barusco, também neste caso a propina de 2% foi distribuída e a tarefa coube a Goes e a Ildefonso Colares, presidente da Queiroz Galvão.

A UTC, acusada de usar sua sede como quartel-general do cartel, angariou o projeto executivo, a construção e a montagem da Central de Utilidades e do Centro Integrado de Processamento de Dados do Cenpes. A empresa fechou contrato por R$ 178,15 milhões, mas acabou recebendo R$ 318,069 milhões - 78,5% a mais. A entrega da propina, de acordo com Barusco, coube a Goes e ao presidente da UTC, Ricardo Pessoa.

Os valores da propina pelas obras do Cenpes podem estar subestimados, pois 2% era o percentual médio da "vantagem". Alguns aditivos, segundo os delatores, podiam gerar propinas de até 5%.

A festa de irregularidades no Cenpes foi tamanha que uma auditoria do Tribunal de Contas da União (TCU) constatou que até funcionários da Petrobras ou seus parentes atuaram como fornecedores do Cenpes em pequenos contratos. O decreto 7.203/2010 proíbe que órgãos da administração federal contratem empresas cujo administrador ou sócio seja parente até o terceiro grau de funcionários com cargo em comissão ou função de confiança no poder público.

Numa auditoria que incluiu três áreas da Petrobras, entre elas o Cenpes, o TCU identificou 81 contratos fechados com 25 empresas ligadas a 19 funcionários de alto escalão da Petrobras. Firmados entre 2009 e 2011, estes contratos somaram R$ 712 milhões.

Procuradas pelo GLOBO, as empreiteiras envolvidas negaram as acusações. Em nota, o Consórcio Novo Cenpes afirmou que "refuta veementemente tais alegações". A Queiroz Galvão informou que não comenta investigações em andamento e reitera que suas atividades e contratos seguem rigorosamente as leis. A Andrade Gutierrez afirmou que os contratos realizados no Cenpes "foram executados dentro do estabelecido nas diretrizes contratuais da Petrobras e as obras foram adequadamente concluídas e entregues". A UTC não se pronunciou.

Empreiteiras ligadas à Lava-Jato por um fio

Sob risco financeiro

• Empreiteiras ligadas à Lava-Jato enfrentam dificuldades e podem pedir recuperação judicial

João Sorima Neto, Ronaldo D"Ercole - O Globo

SÃO PAULO - Com dívidas vencendo no curto prazo, sem receber pelos projetos que estão tocando e com os bancos fechando a torneira do crédito, as empreiteiras investigadas no esquema de propinas da Petrobras estão numa encruzilhada financeira. Especialistas ouvidos pelo GLOBO avaliam que, sem liquidez, uma das alternativas para escapar da falência será entrar com pedidos de recuperação judicial (antiga concordata) e tentar chegar a acordo com seus credores. Mesmo assim, não descartam novos casos de calote, como aconteceu com a OAS, que deixou de pagar R$ 130 milhões em juros e dívidas. Outra alternativa, mais complicada segundo os analistas, seria a venda de ativos para fazer caixa.

Na última sexta-feira, as construtoras tiveram mais um revés com o pedido de ressarcimento de R$ 4,47 bilhões feito pelo Ministério Público Federal do Paraná, que também quer impedir novos contratos com a administração pública.

- Quanto mais se prolongar a Operação Lava-Jato, maior é a chance de que outras empresas fiquem em situação de default (calote) e entrem com pedidos de recuperação judicial - diz Ricardo Carvalho, diretor sênior da agência de classificação de risco Fitch Ratings, que rebaixou as notas de OAS, Galvão Engenharia, Queiroz Galvão e Mendes Júnior.

Calote com R$ 1 bi em caixa
A primeira a jogar a toalha foi a OAS. A empresa deu calote de R$ 130 milhões ao deixar de pagar juros e dívidas que venciam em janeiro. Sua classificação de risco foi rebaixada pela Fitch duas vezes em menos de uma semana. O que deixou o mercado intrigado é que a empresa não honrou compromissos mesmo com mais de R$ 1 bilhão em caixa. Segundo o diretor da Fitch, a OAS tem a situação mais complicada entre as empresas da Lava-Jato. A companhia tem dívidas de cerca de R$ 2 bilhões que vencem até 2016. É alto o risco de que esse caixa seja consumido rapidamente, já que a OAS não vem recebendo pelos projetos em parceria com a Petrobras. Linhas de crédito nos bancos ou emissões de dívida no mercado local e internacional também ficaram praticamente inviáveis diante do calote.

- A OAS tem uma alavancagem (endividamento) de mais de dez vezes em relação à sua geração de caixa. Um patamar saudável de alavancagem seria entre três e quatro vezes. Com a frustração de geração de caixa com os projetos da Petrobras, executivos presos e o mercado desconfortável em dar crédito, a situação da empresa fica difícil. A previsão era que a empresa se "desalavancasse" nos próximos cinco anos com recursos dos projetos em curso - explica Carvalho.

Procurada, a OAS informou através de e-mail que há um "plano de reestruturação" em curso, mas não revelou se inclui pedido de recuperação judicial, que dá mais tempo a companhias com problemas negociarem prazos para pagar seus compromissos. A empresa explicou que o pagamento de todas as dívidas que venciam desde 29 de dezembro foi suspenso até que este plano seja aprovado.

A OAS também afirmou que está conduzindo "um plano de desinvestimentos de ativos do seu portfólio da OAS Investimentos". Segundo a companhia, em setembro, a dívida bruta ajustada era de R$ 7,6 bilhões e o caixa, de R$ 1,4 bilhão. As informações de dezembro ainda não foram publicadas.

Também com problemas de poucos recursos em caixa, concentração de dívida com vencimento a curto prazo e dependentes do crédito dos bancos, estão a Mendes Júnior e a Galvão Engenharia, segundo a Fitch. Os contratos com a Petrobras eram bastante relevantes para a Mendes Júnior, o que deixa a empresa em situação também crítica. Antes do carnaval, a empresa demitiu 73 funcionários. Segundo fontes do mercado, a companhia estaria tentando vender a Companhia de Águas do Brasil (CAB Ambiental), sua subsidiária na área de saneamento.

- A Galvão Engenharia tem bons ativos que podem ser vendidos para fazer caixa. A empresa não está no mesmo nível de risco da Mendes Júnior. Mesmo assim, a Galvão tinha valor de aditivos de contratos a serem recebidos da Petrobras, que não está pagando, e tem 80% de seus negócios focados no Brasil. O problema é que ambas precisam de refinanciamento das dívidas de curto prazo neste cenário de restrição de crédito. Por isso, tiveram as notas rebaixadas - diz Carvalho.

No caso de Odebrecht, Camargo Corrêa, Queiroz Galvão e Andrade Gutierrez, há uma diversificação maior de suas atividades e parte da receita vem de projetos do exterior, diz a Fitch. No grupo Camargo Corrêa, especificamente, a construtora não é a principal geradora de caixa, a empresa tem liquidez e menos dívidas vencendo no curto prazo.

Procuradas, a Camargo Corrêa não quis se pronunciar e a Queiroz Galvão afirmou que "apresenta resultados financeiros sólidos com situação de caixa que supera em muito sua dívida de curto e médio prazos e todos seus projetos e obras seguem o cronograma previsto".

O advogado Valdo Cestari, do escritório Lobo & de Rizzo, observa que com a entrada em vigor da Lei Anticorrupção as empresas também podem ser punidas criminalmente e não apenas seus executivos, o que representará "um baque financeiro". Foi nessa legislação que o MPF do Paraná se baseou para pedir o ressarcimento de R$ 4,47 bilhões. Como as multas são pesadas - chegam a 20% do faturamento - o caixa dessas empresas será ainda mais afetado.

Desde que o esquema de propinas na Petrobras começou a ser desbaratado, apenas uma empresa entrou com pedido de recuperação judicial, que foi aceito pela Justiça. A Alumini Engenharia, que presta serviços para a Petrobras em obras como a do Complexo Petroquímico do Rio (Comperj).

Para o advogado Fernando Zilveti, especializado em Direito Tributário e professor da Fundação Getulio Vargas (FGV) em São Paulo, a maior parte das empresas com o caixa afetado após a Lava-Jato deve entrar com pedido de recuperação judicial.

- Será a alternativa mais viável para ganhar tempo e negociar com credores e fornecedores. Dificilmente, conseguirão vender seus ativos a preços competitivos para fazer caixa - explica Zilveti, para quem as ameaças de venda de ativos, demissões em massa e paralisações de obras têm um componente de "chantagem" da parte das empresas para que o governo intervenha nos processos judiciais.

A Engevix foi a única até agora a vender ativos. A companhia vendeu sua participação de 36,85% na Desenvix, empresa de energias renováveis, para a Statkraft Investimentos, que já detinha 44,5% do capital social da Desenvix. Segundo fontes do mercado, no entanto, a transação já era negociada há mais de um ano, e o valor ficou dentro do esperado.

Para Ricardo Carvalho, da Fitch, alguns ativos das construtoras são bastante valiosos e há interessados, mas haverá desconto no preço por causa do cenário negativo para as empreiteiras. O diretor da Fitch considera a participação da OAS na Invepar um bom ativo (que o mercado avalia em R$ 2,5 bilhões), por exemplo. Ele cita também a participação da OAS no Metrô do Rio e em estradas.

A questão, ressalva Cláudia Bonelli, sócia da área de infraestrutura do escritório Tozzini Freire Advogados, é que existe uma série de restrições à venda de ativos relacionados a concessões, como a participação da OAS no consórcio que administra o Aeroporto Internacional de São Paulo, em Guarulhos.

- Há travas e amarras que tornam essa venda um processo complicado, que dependerá da anuência de órgãos federais, como a Anac (Agência Nacional de Aviação Civil), e também de mudanças nos termos do edital da concessão, que proíbe a troca de sócios nos cinco primeiros anos - observa a advogada.

Sem crédito junto aos bancos privados e com notas de risco elevadas, a expectativa é pela conduta do BNDES em relação às empresas envolvidas na Lava-Jato, com projetos de concessões federais estratégicos para o governo. A Galvão Engenharia venceu no ano passado o leilão de concessão da BR-153, trecho de 700 quilômetros entre Goiás e Tocantins cuja duplicação exigirá investimentos de R$ 4,3 bilhões, com a promessa de que o BNDES bancaria a maior parte dos recursos. Já a Odebrecht venceu a licitação de um trecho de 850 quilômetros da BR-163, entre Mato Grosso do Sul e Mato Grosso, considerado estratégico para o escoamento da safra de grãos e cuja concessão prevê R$ 3,6 bilhões de investimentos em melhorias. Outro trecho de 847 quilômetros da mesma BR-163 foi arrematado pela CCR, que tem a Andrade Gutierrez e Camargo Corrêa como sócios, com investimentos previstos de R$ 5,69 bilhões.

- Tem que ver agora como o BNDES vai fazer - diz um empresário do setor.

Fundos têm r$ 7 bi em papéis de empresas citadas

• Valor representa 0,36% dos R$ 2 trilhões aplicados nesse tipo de investimento no país

João Sorima e Ronaldo D"Ercole – O Globo

SÃO PAULO - Levantamento feito pela consultoria Economatica mostra que fundos de investimento têm papéis no valor de R$ 7,3 bilhões de empresas citadas na Operação Lava-Jato. São ações de empresas como Odebrecht Utilities e Mendes Júnior e debêntures da Camargo Corrêa e da Andrade Gutierrez Participações. O estudo da Economatica foi feito com base em informações enviadas por gestores destes fundos à Comissão de Valores Mobiliários (CVM). O montante representa 0,36% da indústria de fundos do país, que tem R$ 2 trilhões aplicados.

Quase metade dos recursos (R$ 3,7 bilhões) está em fundos geridos pela Caixa Econômica Federal, o maior valor entre 30 bancos e gestoras de investimento que aplicam nos ativos. O vice-presidente da Caixa, Marcos Vasconcelos, explicou que a maioria tem como cotistas as próprias emissoras dos papéis, como Odebrecht e OAS. São fundos fechados a investidores pessoa física, observa ele. Há um fundo, por exemplo, em que as debêntures servem de lastro para operações compromissadas com um banco de primeira linha. O risco, portanto, é do banco.

- Não temos preocupação com estes papéis, pois os cotistas dos maiores fundos são as próprias empresas emissoras - afirmou Vasconcelos, destacando que há apenas R$ 48 milhões em fundos da Caixa abertos a pessoas físicas, com debêntures da Andrade Gutierrez. - São papéis de emissões públicas. O rating da empresa não foi rebaixado e há as Covenants , garantias que asseguram a capacidade de pagamento da empresa emissora.

O diretor sênior da Fitch Ratings, Ricardo Carvalho, não vê cenário de default generalizado das debêntures das construtoras envolvidas, como ocorreu com a OAS.

- Não enxergo um cenário de default total desses papéis. A Odebrecht, por exemplo, tem boa liquidez e geração de caixa - diz Carvalho, lembrando que a OAS decidiu não pagar os juros aos investidores, mesmo tendo um caixa de mais de R$ 1 bilhão.

Presidente da UTC ainda tenta delação premiada

• Proposta de acordo do empreiteiro já foi rejeitada duas vezes por procuradores

Jailton de Carvalho – O Globo

BRASÍLIA - O advogado Alberto Toron afirma que ainda existe possibilidade de acordo de delação premiada entre o presidente da UTC, Ricardo Pessoa, e a força-tarefa responsável pelas investigações sobre fraudes em contratos entre empreiteiras e a Petrobras. Toron disse que outras duas tentativas de acordo anteriores fracassaram, mas isso não inviabiliza a busca de um entendimento entre as duas partes. Toron está à frente da defesa de Pessoa nos inquéritos relacionados à Operação Lava-Jato.

- Houve uma primeira reunião infrutífera. O Ministério Público considerou insuficiente. Depois houve uma segunda rodada. Também consideraram insuficientes (as promessas do empresário). Mas abriu-se um novo horizonte - diz Toron.

Negociações começaram em janeiro
O advogado não explica o que teria aberto "novo horizonte" nas negociações. Ele argumenta que as tratativas com vistas ao acordo são sigilosas. A primeira rodada de negociação teria acontecido em janeiro, mas os procuradores entenderam que o empresário queria contar apenas o que já foi descoberto na investigação.

Um procurador chegou a dizer que Pessoa não queria acordo e que a proposta teria sido apenas manobra da defesa. Dias depois, as negociações foram reabertas. Mais uma vez, a delação oferecida foi considerada bem abaixo da expectativa. Procuradores esperam que, além da confissão dos crimes cometidos contra a Petrobras, empreiteiros revelem também práticas ilícitas em contratos e obras em outras áreas da administração pública.

Ricardo Pessoa foi preso na sétima fase da Operação Lava-Jato e está preso desde 14 de novembro numa cela da Superintendência da Polícia Federal em Curitiba. Ele é apontado como o "presidente do Clube", cartel criado pelas empreiteiras para controlar as licitações de grandes obras da Petrobras. Na condição de chefe do cartel, teria mantido estreitas ligações com executivos das grandes empreiteiras sob investigação.

Governo quer mudar cálculo da aposentadoria

‘Fórmula 85/95 é a melhor para aposentados’, diz ministro da Previdência

Entrevista. Carlos Gabas

• Ministro da Previdência Social defende que ‘fator previdenciário é ruim, mas trabalhador deve se aposentar com regra que leve em conta contribuição e idade’

João Villaverde – O Estado de S. Paulo

BRASÍLIA - Depois de negociar as medidas de restrição em benefícios previdenciários, como pensões por morte e auxílio-doença no Congresso Nacional, o governo Dilma Rousseff vai iniciar uma discussão com os movimentos sindicais para acabar com o fator previdenciário. A informação é do ministro da Previdência Social, Carlos Gabas, que concedeu ao Estado sua primeira entrevista após assumir o cargo.

A ideia, diz ele, é substituir o fator, criado em 1999, por uma fórmula que retarde as aposentadorias no Brasil. “O fator previdenciário é ruim porque não cumpre o papel de retardar as aposentadorias. Agora nós precisamos pensar numa fórmula que faça isso e defendo o conceito do 85/95 como base de partida. As centrais concordam com isso”, defende. A fórmula 85/95 soma a idade com o tempo de serviço - 85 para mulheres e 95 para homens.

Além de ser um dos ministros mais próximos da presidente Dilma Rousseff, Gabas está escalado para discutir com as centrais e os parlamentares o pacote de aperto aos benefícios sociais, incluindo seguro-desemprego e abono salarial. Só com pensões por morte e auxílio-doença, o governo gastou quase R$ 120 bilhões em 2014. A seguir, a entrevista:

O governo anunciou o aperto na concessão dos benefícios sociais, inclusive as pensões por morte e auxílio-doença. Apesar do protesto dos sindicalistas, o governo vai insistir no pacote?
Primeiro, precisamos separar o conceito de ajuste fiscal do ajuste nos benefícios da Previdência. Essas medidas têm, obviamente, efeito fiscal e financeiro, mas já vinham sendo discutidas com representações de trabalhadores e empregadores. Não são medidas inventadas agora, não são novidade. As centrais sindicais sabem da necessidade de se manter uma Previdência equilibrada. Tem muitas forças políticas no Brasil que entendem que esse nosso sistema é falido, que não funciona, e dizem que precisamos fazer uma grande reforma da Previdência.

E não precisa?
Eu sou contrário. O regime atual, se bem administrado, tem sustentabilidade no tempo. Esse é nosso objetivo, por isso as mudanças necessárias em pensão por morte e no auxílio doença. Precisamos desses ajustes, não de grandes reformas. Como a sociedade é dinâmica, precisamos acompanhar com pequenas evoluções.

Como assim?
Nos últimos dez anos, a expectativa de sobrevida no Brasil subiu 4,6 anos. Em média, a expectativa de vida chega a 84 anos e a idade média de aposentadoria por tempo de contribuição é de 54 anos. Então, o cidadão fica 30 anos, em média, recebendo aposentadoria. Não há sistema que aguente. Para que nosso sistema previdenciário seja preservado temos que estender um pouquinho essa idade média de aposentadoria, que é uma discussão diferente, que ainda não entrou na pauta.

Seria a instituição de uma idade mínima para se aposentar, como boa parte dos países desenvolvidos faz?
Não, não defendo isso. Existem outras fórmulas que protegem o trabalhador mais pobre.

Mas isso passa pelo fim do fator previdenciário, não?
Eu briguei muito contra o fator previdenciário quando ele foi instituído. Eu era sindicalista. Se hoje eu estivesse no movimento sindical, eu teria outra postura, faria uma proposta, não ficaria apenas contrário ao fator. Qualquer cidadão tem que pensar que não é razoável que uma pessoa vivendo 84 anos se aposente aos 49 anos. Com o fator previdenciário, ao se aposentar cedo, a pessoa recebe um benefício menor, mas esse benefício serve como complemento de renda. Daí quando a pessoa para mesmo de trabalhar, ela fica apenas com aquela aposentadoria pequena. Previdência não é complemento de renda, ela é substituta da renda.

Então, qual é a fórmula?
O fator é ruim porque não cumpre o papel de retardar as aposentadorias. Agora nós precisamos pensar numa fórmula que cumpra esse papel de retardar. Seria a 85/95, como regra de acesso. As centrais chegaram a concordar isso.

Por que a 85/95 é melhor que idade mínima?
Porque o trabalhador mais pobre começa muito cedo a trabalhar. Se coloca 65 anos como idade mínima para se aposentar, ele terá que trabalhar quase 50 anos ou mais. Já um trabalhador de família mais rica, que ingressa mais tarde no mercado de trabalho, teria outra realidade. Nós defendemos aqui, quando essa discussão chegar, uma soma de idade com tempo de contribuição, para defender o trabalhador mais pobre. Seria 85 para mulher e 95 para homens, mas tem fórmulas dentro disso. O 85/95 é um conceito, um pacote político, para iniciar as discussões. Essa é a próxima para discutir depois do pacote das pensões por morte e auxílio doença. O foco do ministério é fazer as medidas.

Que são gastos estratosféricos, não?
Sim. Em 2014, gastamos R$ 94,8 bilhões com pensões por morte e esse dinheiro todo foi para 7,4 milhões de pensionistas. Com o auxílio doença gastamos R$ 25,6 bilhões para 1,7 milhão de beneficiados. Em relação as pensões, as mudanças foram propostas porque essa transição que vivemos no Brasil, onde as pessoas estão vivendo mais, exige uma administração diferente da Previdência. Essa expectativa de vida de 84 anos é para quem tem hoje 50 anos. Quem nasceu agora terá uma expectativa de vida de quase 100 anos.

Daí a restrição?
Isso. A pensão por morte é uma extensão da aposentadoria. O cidadão se aposentou, recebeu do INSS por 30 anos e quando morre, deixa uma pensão para outra pessoa, que depois também terá sua própria aposentadoria. Agora estamos nessa transição demográfica e precisamos encontrar novas formas. Quem está recebendo continuará recebendo. A mudança é para frente. Viúvas muito jovens e sem filhos vão receber pensão por um período, apenas.

Então o impacto nas contas para 2015 não foi pensado?
Essa não é uma medida para fechar as contas deste ano. Restringir pensão por morte e auxílio doença são medidas de médio e longo prazo. Mas é claro que o cenário atual, de complicação fiscal, favoreceu o anúncio dessas medidas.

O sr., e o ministro Nelson Barbosa, vão negociar diretamente com o Congresso. O que é possível esperar?
Temos agendados encontros com vários segmentos dentro do Congresso, vamos aos deputados e explicar as medidas. Elas são importantes, têm o papel de manter a sustentabilidade da sociedade.

E Eduardo Cunha pode ser um complicador?
Acho que o Eduardo Cunha tem a oportunidade de usar isso para provar a grandeza dele como presidente da Câmara, não usando as medidas como instrumento de barganha.
No ano passado, o déficit da Previdência foi de R$ 51 bilhões. Neste ano deve subir mais, se aproximando de R$ 60 bilhões.

Essa trajetória preocupa?
A arrecadação tem surpreendido negativamente, e de fato, as desonerações da folha de pagamento impactaram muito. Mas essa história do déficit precisa ser tratada com uma visão mais contábil. Nós temos um modelo de previdência urbana e rural. Tivemos no ano passado cerca de R$ 35 bilhões de superávit na previdência urbana. No rural, a política não foi pensada com premissa de ter superávit, porque é uma política com objetivo de proteger o homem do campo, aqueles que trabalham a terra em regime de agricultura familiar. Esse trabalhador rural é quem produz 73% dos alimentos que nós comemos. Não vemos latifúndio de dez mil hectares produzindo tomate, feijão, legumes, apenas commodities.

Então, se separar, contabilmente, o modelo rural do urbano, o problema estaria resolvido?
Veja bem, falamos de 8,4 milhões de aposentados rurais que ganham um salário mínimo. Neste segmento a despesa cresceu bastante porque o salário mínimo cresceu muito. Essa política não tem objetivo de ter superávit, a conta não foi feita para fechar, tanto que a Constituição prevê a Cofins e a CSLL para servirem de fonte de renda para custear a previdência rural. Contabilmente nosso regime é equilibrado, mas a conta, depois que houve a unificação dos caixas no Tesouro, se misturou tudo. Tivemos uma arrecadação de R$ 5 bilhões com o rural e gastos de R$ 80 bilhões. A arrecadação da Cofins e CSLL é muito superior a essa diferença, mas isso não fica claro. Temos só que nos colocar de acordo com o pessoal do Ministério da Fazenda para ver como se transferem esses recursos. Não pode pensar em “vamos cobrir o rombo”. Não tem rombo, entende?

Para entender. O Fator Previdenciário foi criado pelo governo Fernando Henrique Cardoso, em 1999,como uma forma de adiar aposentadorias. Na época, a idade média de aposentadoria era de quase 51 anos. É uma fórmula baseada na expectativa de vida, no tempo de contribuição e na idade ao se aposentar. Não conseguiu desestimular os precoces: hoje, 16 anos depois, a idade média de aposentadoria é de 54 anos. Na prática, reduziu o valor do benefício e, por isso, é combatido pelas centrais sindicais.

Fundos têm R$ 9 bi em papéis ligados à crise da Petrobras

• Aplicações são dívidas de empreiteira, valores a receber de fornecedores e aluguéis da estatal

• Dificuldade de caixa das empresas afetadas pela Lava Jato e rebaixamento de notas fazem crescer riscos

Renata Agostini, Toni Sciarretta – Folha de S. Paulo

SÃO PAULO - Os fundos de investimento tinham pelo menos R$ 9 bilhões em papéis diretamente ligados à Petrobras e aos seus fornecedores, incluindo empresas citadas na Lava Jato, no final de janeiro.

São aplicações que surgiram no período de pujança financeira da Petrobras, mas que agora tornaram-se sensíveis a eventuais atrasos nos pagamentos tanto da Petrobras quanto de sua cadeia de fornecedores.

Também têm sofrido com os recentes rebaixamentos de avaliação das agências de risco. Quando isso ocorre, o valor de um título deve ser revisto para baixo, implicando em perdas para os cotistas.

O levantamento, baseado em dados da consultoria Economatica, considerou quanto os fundos possuem em debêntures (dívidas de longo prazo) e participações das empreiteiras, além do adiantamento de recursos que os fornecedores receberão da estatal (chamados recebíveis) e de papéis baseados em imóveis que a estatal aluga.

O montante dobra se incluir também os recebíveis que não foram para os fundos, mas ficaram nos bancos. A Petrobras coordena um programa chamado Progredir, que viabilizou o adiantamento de R$ 9,4 bilhões em recebíveis desses fornecedores.

A situação mais delicada é a de 217 fundos que somam R$ 7,3 bilhões em dívida e participações em empreiteiras acusadas de pagar propina para conseguir contratos na Petrobras.

Elas foram banidas da lista de fornecedores da estatal e várias enfrentam problemas de caixa. Em dezembro, esses fundos tinham mais: R$ 7,8 bilhões. O recuo deve-se tanto a resgates quanto à desvalorização nas cotas.

A maioria desses fundos é voltada a grandes investidores, como outros fundos de investimento ou de pensão, e muitos têm como cotista o próprio banco gestor.

O maior temor dos cotistas é que essas empresas peçam recuperação judicial. Uma vez aceito o pedido, os pagamentos são suspensos e o fundo entra na fila como credor para receber da empresa.

Só a Caixa Econômica Federal tem sob gestão R$ 3,8 bilhões, espalhados em 15 fundos. A Caixa afirma que esses fundos não são oferecidos a clientes, sendo que dois deles concentram R$ 3 bilhões e têm como cotista a empresa emissora da dívida.

Há ainda no mercado cerca de R$ 1,2 bilhão em papéis cujo risco está ligado a imóveis alugados pela Petrobras --os CRI (Certificados de Recebíveis Imobiliários).

Com a piora da situação financeira da empresa, aumentou a chance de que haja calote nestes pagamentos. No final de janeiro, a Moody´s rebaixou algumas séries desses títulos emitidos pela RB Capital e avisou que outros rebaixamentos podem vir.

Os fundos formados para reunir os recebíveis de fornecedores da Petrobras --FIDCs (Fundos de Investimento em Diretos Creditórios)-- reúnem hoje R$ 38 milhões, mas o valor já foi muito maior.

As aplicações encolheram diante do temor de gestores de que os fornecedores não finalizassem as obras.

Nesse caso, as perdas iniciais são da Petrobras (que também é cotista) e depois dos demais aplicadores.

A Plural Capital, que lançou um fundo de R$ 300 milhões há cerca de quatro anos, é uma das que decidiu devolver o dinheiro dos cotistas e irá encerrar o fundo.

"Uma coisa é fomentar um mercado sadio. Se o clima não está bom para o fornecedor, não está para o produto", diz Humberto Tupinambá, gestor de fundos do setor de óleo e gás da instituição.

Acordos de leniência feitos com CGU podem livrar empresas de punição, dizem auditores e procuradores

• Auditores de controle externo e procuradores de contas divulgaram nota para rebater advogado-geral da União

Vinicius Sassine – O Globo

BRASÍLIA - Acordos de leniência na esfera administrativa, a serem celebrados pela Controladoria Geral da União (CGU), podem livrar as empresas envolvidas na operação Lava-Jato de punições na esfera penal, como acusações na Justiça por crime de cartel, cobranças judiciais da multa de até 20% do faturamento bruto do empreendimento e proibições – também na esfera judicial – de novos financiamentos com dinheiro público. O alerta é de auditores de controle externo e de procuradores de contas, em nota divulgada neste domingo para rebater a defesa dos acordos feita pelo advogado-geral da União, ministro Luís Inácio Adams.

O ministro divulgou no site da Advocacia Geral da União (AGU), no sábado, um vídeo em que sustenta que a leniência na esfera administrativa, a cargo da CGU, não provoca qualquer reflexo na esfera penal. "O acordo de leniência é uma solução para uma penalização administrativa, não tem nenhuma função na área penal, não isenta o criminoso, não impede a produção de provas. É um instrumento que na verdade potencializa a investigação", ressaltou Adams.

Para auditores e procuradores de contas, o argumento do advogado-geral da União está equivocado. "O acordo tem, sim, considerável repercussão penal, com a extinção da punibilidade do crime de cartel por ato administrativo, o que impede o Ministério Público de oferecer denúncia na esfera penal", citam as entidades na nota à imprensa. "No âmbito da Lei Anticorrupção, uma vez celebrado o acordo antes da ação do Ministério Público, fica o juiz impedido de aplicar multa de 0,1% a 20% do faturamento bruto das empresas, assim como de proibi-las de receber benefícios fiscais e creditícios com dinheiro público", completa.

Assinam a nota os presidentes da Associação da Auditoria de Controle Externo do Tribunal de Contas da União (AUD-TCU), da Associação Nacional dos Auditores de Controle Externo dos Tribunais de Contas do Brasil (ANTC), da Associação Nacional do Ministério Público de Contas (AMPCON) e da Associação Contas Abertas. Foi a partir de uma provocação dessas entidades que o procurador do Ministério Público junto ao TCU Júlio Marcelo de Oliveira pediu a suspensão cautelar da celebração de acordos de leniência pela CGU.

A representação do procurador foi enviada ao presidente do TCU, ministro Aroldo Cedraz, na sexta. Ele concordou que os acordos na esfera administrativa podem atrapalhar as investigações do MPF e defendeu que a CGU só assine acordos depois de o MPF já ter assinado.

No dia seguinte à representação, o advogado-geral da União fez a defesa enfática do instrumento de leniência, que passou a ser previsto na Lei Anticorrupção, em vigor desde janeiro de 2014. Pela lei, a empresa passa a colaborar com as investigações, em troca de um alívio em sanções como multas e impedimento de novos contratos públicos e de novos financiamentos por bancos oficiais.

Os auditores e procuradores dizem ainda que o acordo de leniência não deve ser usado como instrumento para "salvar" empresas acusadas de atos ilícitos. "O órgão de controle interno do Poder Executivo da União não pode funcionar como 'enfermaria' de empresas acusadas de fraudar o Estado, pois, se assim o for, abre-se caminho para a formação de verdadeiro 'cartel de leniência'", afirmam as entidades na nota.

Duas empresas investigadas na Operação Lava-Jato já pediram formalmente a celebração de acordos de leniência na CGU. Uma delas é a Setal Óleo e Gás, que já assinou acordo junto ao MPF. A outra é uma das oito empreiteiras que passaram a responder a processos administrativos no órgão, vinculado à Presidência da República. A presidente Dilma Rousseff defendeu por duas vezes que se punam os executivos, e não as empresas.

Nas ações de improbidade administrativa protocoladas na Justiça na sexta, o MPF pediu o ressarcimento de danos e o impedimento de as empreiteiras firmarem novos contratos públicos. A proibição, porém, depende de uma decisão definitiva da Justiça, o que pode levar anos para ocorrer.

Financiamento de campanhas eleitorais, o pomo da discórdia

• Sistema misto, com dinheiro público e doações de empresas, agrada à maioria do Congresso

Nonato Viegas – O Dia – 22/02/2015

RIO - O financiamento das hoje milionárias campanhas eleitorais promete se transformar no centro das discussões da reforma política em gestação na Câmara dos Deputados. Apontada pela presidenta Dilma Rousseff como a ‘reforma das reformas’, a mudança no sistema eleitoral brasileiro corre o risco, no entanto, de ficar bem distante dos anseios do Palácio do Planalto.

Motivo: hoje, a proposta com mais chances de ser bem sucedida é a capitaneada pela maioria dos partidos e, em especial, pelo PMDB do presidente da Câmara, Eduardo Cunha (RJ), que prevê o financiamento misto — público, com recursos do Fundo Partidário; e privado, com doações de empresas e pessoas físicas.

A proposta enfrenta resistências do PT. O partido da presidenta encampou projeto de iniciativa popular — idealizado pela OAB, CNBB e outras cem entidades civis —, que defende o financiamento público puro das campanhas eleitorais. A avaliação é que a possibilidade de doação por empresas privadas é a origem dos crimes investigados hoje pela Operação Lava Jato.

Sem maioria para aprovar o financiamento público na Câmara, o PT conta também com o “apoio” dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF). Por 6 a um, o Supremo votou pela proibição de doações de empresas a campanhas eleitorais e a partidos políticos. A votação ainda terá de ser concluída para que a nova regra entre em vigor.

Por isso, os favoráveis ao financiamento misto correm contra o tempo para aprovar a nova forma de bancar as campanhas eleitorais na Câmara, antes da decisão final do Supremo.

O financiamento público e privado das campanhas eleitorais está em duas propostas em tramitação no Congresso _ uma delas é Emenda à Constituição, que precisa de 308 votos do total de 513 para ser aprovada, em dois turnos de votação. Os projetos serão analisados pela recém-criada comissão da Reforma Política, que tem como presidente o deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ).

A expectativa do presidente Eduardo Cunha é que a proposta vencedora seja aprovada até setembro, prazo legal para que possa ser aplicada nas eleições de 2016.

A questão do financiamento de campanha, entretanto, não é a única capaz de gerar contendas. Entre as principais alterações na atual legislação, está a adoção do voto em lista fechada. Defendido pelo vice-presidente da República, Michel Temer, o chamado “distritão” prevê a eleição apenas dos deputados e vereadores mais votados. Hoje, funciona assim para senadores, prefeitos, governadores e presidente _ cargos majoritários.

Para os defensores do “distritão”, a medida evitará que os que têm votações expressivas, como o palhaço Tiririca (PP-SP), levem para o Congresso outros candidatos, com poucos votos, a seu reboque. “Acho que alguém que não recebe voto para ser eleito não representa ninguém”, diz Rodrigo Maia.

Não é como pensam as organizações da sociedade civil. “Se juntar financiamento privado com “distritão” só serão eleitos os candidatos que representam o dinheiro”, rebate o advogado Aldo Arantes, secretário da Comissão Especial para Mobilização da OAB.

Reforma política em discussão

  • Fim do voto obrigatório e adoção do voto facultativo
  • Fim da reeleição com mandato de cinco anos para presidente, governadores e prefeitos
  • Fim das coligações nas eleições proporcionais (de deputados federais, estaduais e vereadores)
  • Financiamento privado e público
  • Unificação da data das eleições para presidente, governador e prefeito
  • Adoção do “distritão”, onde são eleitos os deputados e vereadores mais votados


Rodrigo Maia: ‘A experiência mostrou que a reeleição é ruim’

Quais pontos são prioritários para comissão da reforma política?
— A mudança do sistema eleitoral para a escolha de deputados e vereadores, para o chamado 'distritão'; o financiamento de campanha, que eu acho que estabeleceremos alguma restrição, para impedir empresas que tenham contrato com o governo; o fim da reeleição; e o limite de gastos no período eleitoral.

Sobre o fim da reeleição: a ideia é aumentar um ano de mandato?
—Pode ser que sim ou não. Pessoalmente acho que em quatro anos dá pra fazer bom governo. Nem sempre houve reeleição e nem sempre os mandatos eram de cinco anos. O que tem de ser pensado é que hoje os partidos vencem já preocupados com a reeleição.

O antigo PFL, hoje DEM, esteve com o Fernando Henrique Cardoso,na PEC da reeleição.
—Sim, apoiamos, mas a experiência mostrou que é ruim.

O projeto de iniciativa popular, proposto pela OAB, CNBB e outras cem entidades da sociedade civil, estabelece o financiamento público. A comissão de reforma política, porém, quer garantir o financiamento privado. Não é ir contra a vontade popular?
—Acredito que não. Acho que a restrição de empresas que têm contrato com o governo já atende ao desejo da sociedade civil. A participação do setor privado deixará de estar atrelada ao interesse de retorno financeiro e passará a ser ideológico. Não há maioria para aprovar financiamento público.

Outro ponto de discordância é o 'distritão' (em que são eleitos para o Legislativo os mais votados).
—A OAB não entende mais de política do que a gente. Nem foi eleita para representar a vontade popular. Eles podem contribuir, mas não serão os únicos. Pessoalmente, defendo o voto distrital, mas creio que não passe. De qualquer forma, o ‘distritão’ será um passo a frente. Embora nada seja perfeito, será um avanço. Repito: o Legislativo foi eleito pela população para representá-la. Do contrário, viramos uma Venezuela e acabamos com a representatividade.

Um Legislativo onde só entrarão os mais votados não excluirá as minorias do Congresso?
—Não acredito nisso. O Lindberg, por exemplo, foi eleito pelo PSTU com 50 mil votos. Nunca mais o PSTU elegeu alguém.Não sei se uma pessoa que receba poucos votos seja de fato representante de alguém. Acho que o distritão garantirá a representação de todos, desde que se tenha voto.

Haverá referendo da população sobre o que for decidido?
— Ainda não há nada fechado. Isso é para a comissão de reforma política e o plenário decidirem depois.

A história de uma linda amizade

• Como Gilberto Kassab se aproximou de Lula e do PT, tornou-se um aliado estratégico no Congresso - e agora quer se tornar o candidato a vice dos petistas em 2018.

Alberto Bombig e Leopoldo Mateus - Época

Fora! Fora! Uuuuuuuuuuuuuü!" O relacionamento entre Luiz Inácio Lula da Silva e Gilberto Kassab começou com uma vaia barulhenta. Em 10 de fevereiro de 2012, num centro de convenções em Brasília, comemoravam-se os 32 anos do PT. Kassab era prefeito de São Paulo e sofria forte oposição dos petistas na política municipal. Viam nele, além de um preposto do tucano José Serra no cargo, a síntese de todos os adversários do petismo no Estado. Kassab era egresso do DEM, tinha começado na política pela Associação Comercial e Industrial e sempre frequentara a alta sociedade. Era o exemplar perfeito, no entendimento dos petistas, da "elite conservadora paulistana". Daí os apupos. O constrangimento foi geral. Até líderes mais experientes, como o ex-ministro José Dirceu, ficaram incomodados. A justificativa oficial para a visita desastrada: Kassab estava lá como presidente do PSD, partido que ele fundara no ano anterior e que negociava apoio ao governo Dilma Rousseff. A verdade: o prefeito havia sido despachado ao evento por Lula.

O ex-presidente queria testar uma ideia entre os petistas: o apoio de Kassab a Fernando Haddad, o candidato de Lula e do PT a prefeito de São Paulo naquele ano. (Não deu certo. Kassab acabaria apoiando o tucano José Serra.) Na plateia, deputados, vereadores, senadores, prefeitos e militantes petistas se esgoelavam: "Fora, fora!" No palco, Kassab não movia músculo, como se não fosse o alvo das vaias. Recuperando-se do tratamento de um câncer, Lula havia permanecido em São Paulo e não viu a cena de perto. Informou-se do ocorrido pela imprensa e por alguns observadores fiéis. Dias depois, ele se reuniu com dirigentes do PT paulista contrários à aliança entre Kassab e Haddad. Esses dirigentes haviam deixado o centro de convenções convictos de que as vaias haviam sido fortes o bastante para mostrar a Lula o desastre da operação. Ouviram, com espanto, elogios de Lula a Kassab. "Que frieza, hein? Que disciplina! O Kassab resistiu de maneira brilhante", disse Lula.


Três anos depois do episódio das vaias, Gilberto Kassab é hoje o ministro das Cidades do segundo mandato de Dilma Rousseff. Virou uma das esperanças do governo do PT para superar suas crônicas dificuldades políticas. Kassab articula a ressurreição do Partido Liberal, o PL, que existiu na política brasileira até 2006. A ideia de Kassab, ao recriá-lo, é abrir uma janela para que parlamentares dispostos a aderir ao governo possam mudar de partido, sem perder seus mandatos. Estão na mira políticos do baixo clero, dependentes de cargos e de verbas públicas para se manter fortes em seus redutos.

É uma oportunidade para Kassab e para Dilma. Se der certo, o novo PL pode ajudar o governo a diminuir a dependência em relação ao PMDB, hoje o principal problema de Dilma no Congresso. E, se der muito certo mesmo, o que falta combinar com as águias do PMDB, Kassab projeta, mais à frente, fundir o PL com o PSD — e se tornar o candidato a vice na chapa presidencial do PT em 2018, principalmente se o candidato for seu novo amigo Lula.

A aproximação política entre Kassab e Lula começou por intermédio de Henrique Meirelles, presidente do Banco Central nos governos de Lula. Filiado ao PSD, Meirelles sugeriu a Kassab que visitasse Lula enquanto o ex-presidente se tratava do câncer. No dia 4 de janeiro de 2012, Kassab apareceu no Hospital Sírio-Libanês, em São Paulo. Falaram animadamente sobre futebol. Quando a conversa derivou para as enchentes de verão em São Paulo naquele ano, Lula aproveitou a deixa para perguntar: "Você podia me ajudar a eleger o Haddad prefeito, né?". Em abril, mesmo com o fracasso da aliança em torno da candidatura de Haddad, Kassab voltou ao Sírio-Libanês para ver Lula. Os dois sorriram e posaram para fotos abraçados para mostrar que o desenlace não deixara mágoas. Um petista que acompanhou de perto as negociações naquele período define assim a afinidade entre Kassab e Lula: "São dois animais políticos, que fazem política 24 horas por dia e são muito sedutores no trato com aliados e até com adversários".

Depois de conquistar Lula, Kassab foi à luta para seduzir Dilma, conforme o combinado com Lula. Ainda em 2012, anunciou que o PSD não faria oposição a Dilma no Congresso. Tão logo saiu da prefeitura, em março de 2013, Kassab declarou apoio à reeleição de Dilma. Em junho, quando a onda de manifestações de rua derrubou a popularidade de Dilma, Kassab reiterou o compromisso. Desde então, não retrocedeu um milímetro, e Dilma passou a ver em Kassab um político leal, que entrega o que promete.

No final de novembro, Dilma chamou Kassab para conversar no Palácio do Planalto. Ela já havia sido informada de que Kassab queria ser ministro das Cidades, pasta que tem obras e verbas para atender às demandas de prefeitos, vereadores e associações de moradores. Pode ajudar no projeto de fortalecimento do PSD e de recriação do PL. No encontro, Dilma disse que adoraria contar com Kassab no governo, mas lamentava informar que o Ministério das Cidades

já estava prometido ao PMDB. Kassab fez questão de se mostrar lisonjeado com o convite. Respondeu que o PSD tinha muitos quadros bons para oferecer a Dilma, mas que ele, pessoalmente, só aceitaria se fosse para a pasta das Cidades. A presidente, conhecida pela intransigência, acabou cedendo. Lula a convencera da importância de ter Kassab na Esplanada, como forma de enfraquecer o PMDB. Os peemedebistas perceberam naquele instante que tinham arrumado um adversário no governo.

Logo no primeiro mês do novo mandato, Kassab pôde demonstrar a lealdade que jurara a Dilma. Na vitória de Eduardo Cunha, do PMDB, na disputa pelo comando da Câmara, Kassab e o PSD saíram derrotados porque apoiaram o petista Arlindo Chinaglia, o candidato de Dilma. Mesmo sabendo que o Planalto seria derrotado, Kassab decidiu permanecer firme ao lado de Chinaglia, como um "superdilmista, o aluno número um da escolinha", nas palavras de um petista.

Na falta de bons articuladores no PT, o aluno número um é visto como um dos poucos ministros com habilidade para lidar com o baixo clero do Congresso, hoje liderado por Cunha. O projeto de Kassab é que o PL seja criado em dois ou três meses, de modo que ele possa disputar as eleições municipais em 2016. Na criação do novo partido, Kassab se aproveita da experiência que adquiriu durante a formação do PSD. Ele está recolhendo assinaturas em todo o Brasil e tem como meta atrair 56 deputados. Ele terá, no entanto, de vencer um embate direto com Cunha. Diante da ameaça de Kassab vir a liderar uma grande banda do Congresso, Cunha aprovou o regime de urgência para a votação de um projeto de lei que impõe barreiras ao plano do ministro das Cidades. Pelo projeto, somente será permitida a fusão de partidos políticos que tenham obtido o registro no Tribunal Superior Eleitoral há pelo menos cinco anos. Se o contra-ataque de Cunha funcionar, Kassab até poderá criar seu novo partido, mas não aglutiná-lo ao PSD.

Embora controle, nos bastidores, todo o processo de formação do PL, Kassab não quer aparecer envolvido publicamente no processo. Teme que o desgaste com a criação do PSD no momento em que estava à frente da prefeitura de São Paulo se repita agora - ele saiu mal avaliado do cargo. Se o projeto do novo PL der certo, Kassab crescerá novamente na política sem precisar dos votos dos brasileiros. Sua última - e maior - vitória nas urnas ocorreu no já longínquo ano de 2008, quando se elegeu prefeito num pleito apertado contra Marta Suplicy. Na ocasião, impôs uma derrota dura ao PT, que disputava a reeleição. Hoje, muitos consideram Kassab mais petista que Marta.

Tempestade perfeita ameaça o governo Dilma

Entrevista da 2ª Marcus Melo

• Para cientista político, economia em queda, escândalo na petrobras e manifestações vão minar governabilidade

Fernando Canzian – Folha de S. Paulo

SÃO PAULO - "Tempestade política perfeita" é como o cientista político Marcus Melo, professor da Universidade Federal de Pernambuco, define o atual momento para o governo Dilma Rousseff (PT).

Os ingredientes são políticas de austeridade que devem gerar desemprego, os grandes escândalos envolvendo o PT e, daqui para frente, manifestações de rua.

"Estamos falando de um enfraquecimento do Poder Executivo como nunca se viu no Brasil", afirma. Melo também é co-autor de livro sobre o multipartidarismo no Brasil e seu funcionamento no sistema presidencialista.

Folha - Temos um cenário de inflação elevada e a iminência de um retrocesso econômico importante, com um grande descontentamento popular com o governo Dilma, agora cercado de casos de corrupção. Como o sr. vê o impacto disso na governabilidade?

Marcus Melo - O cenário é esse mesmo. De tendência progressiva de desgaste ainda maior, pois os efeitos mais importantes desta crise ainda estão por vir. Os aumentos nas tarifas vão se manifestar na prática apenas nos próximos meses, assim como o efeito no bolso do aumento da taxa de juros.
Mas o mais importante é a área do emprego, onde ainda temos um paradoxo. Ainda é comum as pessoas repetirem que o desemprego é baixo. Mas o que se espera é que a partir de meados do ano esse único indicador positivo entre em parafuso. Pela escala dos problemas, principalmente fiscal, é possível esperar uma reversão somente a partir de 2017.

O PT e a presidente estão identificados com o atual cenário de deterioração econômica e escândalos de corrupção. Qual o desdobramento disso, com a expectativa de piora nos dois campos?

Essa conjunção de economia em queda e escândalo é explosiva. E há três elementos fundamentais em curso: políticas de austeridade, as pessoas indignadas com escândalos e um possível desdobramento disso nas ruas, como nas manifestações pró impeachment marcadas para o próximo dia 15 pelo país.

No caso de Dilma, isso deve se manifestar de forma muito intensa. Vai haver um descontentamento difuso colossal, mas sem um espaço institucional, as eleições, para a demonstração desse descontentamento. Mas existem as ruas.

Haverá manifestações, e se elas podem ou não levar ao impeachment, isso vai depender de surgir evidências mais duras de implicação pessoal da presidente nos escândalos. Devem ocorrer manifestações das mais diversas. E a opinião pública será fundamental para dar respaldo e suporte ao Judiciário nessa tarefa de investigação que está em curso.

Como assim?

Não é apenas o envolvimento de atores políticos muito poderosos o que está em jogo, mas também de uma parcela importante da elite econômica brasileira, com implicações macroeconômicas brutais. Só o setor de óleo e gás representa cerca de 13% do PIB, e algo entre 10% a 15% dos investimentos totais do país. A escala do problema é um desafio muito importante para o Judiciário, e a opinião pública poderá estar ancorando esse trabalho.

Como o sr. vê os desdobramentos políticos disso?

É um cenário de tempestade política perfeita, com políticas de austeridade ceifando empregos, escândalos enormes e gente na rua.

Em cima disso, agora o governo perdeu o controle político das duas casas no Congresso, na Câmara e no Senado. O partido de sustentação do governo, o PMDB, agora é quase um adversário.

Para construir maiorias estáveis, os presidentes têm de alocar ministérios aos seus parceiros da coalizão e atender interesses parlamentares individuais, frequentemente corruptos, mas democráticos, por meio de emendas. Isso é moeda de troca. O terceiro elemento são cargos na burocracia, dividindo o governo. Esses três elementos garantiram estabilidade ao governo FHC (1995-2002).

Já o governo Lula (2003-2010) tinha 25% das cadeiras da coalização e 60% dos ministérios. Essa proporção no governo FHC era de 25% dos assentos e só 25% dos ministérios. Obviamente, o governo do PT teve de compensar essa não partilha de poder de forma heterodoxa, e o mensalão foi nada mais nada menos do que isso. Uma transferência de recursos a parlamentares mais ideologicamente afastados do governo.

O governo Dilma seguiu o mesmo padrão, certo?

Sim, Dilma continuou com essa prática, que é monopolista. Mas isso chegou ao extremo no caso da presidente, pois individualmente ela também não opera a sua coalizão. E tem dificuldades em partilhar e delegar decisões. E o governo estimulou a criação de novos partidos, fragmentando ainda mais o sistema partidário. O objetivo de tentar substituir o PMDB como sustentáculo deu com os burros n`agua, pois o PMDB é muito mais disciplinado.

Na situação atual, o governo Dilma não tem mais o poder de agenda. Não controla Câmara e Senado e, com o orçamento impositivo, perdeu também uma importante moeda de troca que tinha com os parlamentares. Isso tudo mina muito do poder presidencial. Some-se a isso um nível histórico de popularidade em baixa. Estamos falando de um enfraquecimento do Poder Executivo como nunca ocorreu no Brasil.

Isso com menos de dois meses do início do segundo mandato.

Exato, e o que preocupa é que o PMDB agora tem muito poder de agenda, mas ele não internaliza para si os custos de um desequilíbrio fiscal, por exemplo. O cidadão comum não sabe nem que é Eduardo Cunha (PMDB-RJ, presidente da Câmara). A individualização da responsabilidade política na cultura brasileira é do presidente.

O PMDB é um ator que não acabará sendo responsabilizado. E, do ponto de vista fiscal, isso é importante. O partido pode simplesmente agora não aprovar nenhuma das medidas provisórias do ministro Joaquim Levy (Fazenda). O que o PMDB perde com isso, se for instaurado o caos fiscal? Ele perde um pouco, pois é parceiro, mas quem perde mesmo é a presidente da República e o seu partido.

O ajuste está ameaçado?

O risco agora é esse problema fiscal não ser considerado pelos deputados. Isso deixa a presidente da República completamente refém de lideranças que não podem ser responsabilizadas politicamente, e que não têm incentivo para se comportar de maneira disciplinada, a despeito do custo que isso trará para o país como um todo.

Do ponto de vista da política econômica, creio que essa seja a maior preocupação. Temos uma presidente da República, que é quem fundamentalmente está interessada no ajuste, refém desse Congresso dominado por outras forças políticas que não serão necessariamente responsabilizadas se o ajuste não for feito. A culpa recairá sobre a presidente.

Por outro lado, não existe a menor hipótese de acontecer qualquer tipo de reforma macro ou microeconômica. Haverá simplesmente a gestão da austeridade, algo politicamente conturbado.
Esta é uma recessão que veio para ficar, em um cenário de muita insatisfação. Nesse contexto, Dilma pode abdicar de seu poder presidencial. Pendura as chuteiras e faz uma política econômica de ajustes aqui e ali, se mantendo em uma espécie de pântano.

Crise política obriga Dilma a negociar ajuste fiscal com presidente da Câmara

• Para tentar aprovar as medidas e pressionada por 'pauta negativa' no Congresso, presidente vai chamar Eduardo Cunha (PMDB) para conversar; petista pretende também iniciar reaproximação com Temer, que vive isolamento no governo

Vera Rosa - O Estado de S. Paulo

BRASÍLIA - A presidente Dilma Rousseff entrará pessoalmente na articulação para tentar aprovar as medidas de ajuste fiscal no Congresso. Pressionada por dificuldades na política, à espera da CPI da Petrobrás e com a economia em apuros, Dilma decidiu abrir diálogo com o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), e vai chamá-lo para uma conversa, nos próximos dias.

O aceno para a trégua com Cunha, desafeto do Planalto, também será a senha para Dilma se reaproximar do vice-presidente Michel Temer, afastado das decisões do núcleo político.
A cruzada para salvar o governo de outro vexame no Congresso inclui o titular da Fazenda, Joaquim Levy, e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que chegará a Brasília na quarta-feira, além de vários outros ministros.

Levy participará hoje de jantar com Temer, Cunha, o presidente do Senado, Renan Calheiros, ministros do PMDB e a cúpula do partido, no Palácio do Jaburu.

O ministro explicará ao PMDB a necessidade de medidas impopulares, como corte de subsídios, redução de incentivos e mudanças nos benefícios previdenciários e trabalhistas, para a economia voltar a crescer. O PMDB ameaça, por exemplo, derrubar o veto da presidente à correção de 6,5% na tabela do Imposto de Renda, que entrará amanhã na pauta de votações.

Dilma enviará outra medida provisória ao Congresso, propondo reajuste de 4,5%. "Queremos saber do ministro da Fazenda o tamanho dessa crise econômica e verificar se há margem de negociação", disse o líder do PMDB no Senado, Eunício Oliveira (CE).

Foi Lula quem aconselhou Dilma a ouvir o PMDB, negociar com Cunha e a matar "dois coelhos com uma só cajadada", fazendo com que o armistício seja pelas mãos de Temer.

O vice-presidente está isolado e não participa das reuniões do chamado G-6, grupo composto por seis ministros do PT que semanalmente se reúne com Dilma para avaliar as estratégias do governo. A presidente quer fazer um gesto pedindo ajuda de Temer para enfrentar a crise.

Lista de Janot. Na semana em que o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, promete enviar ao Supremo Tribunal Federal pedido de investigação de políticos citados pela Operação Lava Jato no esquema de corrupção na Petrobrás, Lula desembarcará em Brasília disposto a articular a defesa do governo e do PT. Na quarta-feira, véspera da instalação da CPI da Petrobrás, Lula jantará com senadores petistas. Além disso, pretende se reunir com Temer, Renan e Eunício.

O governo está preocupado com a "lista de Janot", que deve atingir deputados e senadores de partidos da base aliada, como PT, PMDB e PP, mas tenta desviar o foco, apontando o dedo para a oposição. Na sexta-feira, Dilma seguiu a estratégia combinada com seu núcleo duro e disse que a corrupção na estatal foi ignorada no governo Fernando Henrique Cardoso, do PSDB. O ex-presidente reagiu, afirmando que ela lançara mão de uma tática "infamante".

"Nós vamos entrar na guerra contra os que tentam nos empurrar para o corner", disse Jorge Viana (PT-AC), vice-presidente do Senado que será anfitrião do jantar com Lula.

Na tentativa de criar uma "agenda positiva", Dilma anunciará, na quinta-feira, novas regras para o regime Simples. Depois virão o pacote anticorrupção, o Plano Brasil Exportador, a terceira etapa do Minha Casa Minha Vida e o Mais Especialidades. Tudo acompanhado por mais viagens e entrevistas. No diagnóstico de Lula, Dilma só vai superar a turbulência com a tática "olho no olho".

Eduardo Cunha cobra posição do governo brasileiro sobre prisões na Venezuela

• Presidente da Câmara afirma que 'não dá para países democráticos assistirem de braços cruzados, como se fosse normal prender oposicionista'; governo venezuelano prendeu na última quinta o prefeito de Caracas, acusado de planejar golpe de Estado

Fernanda Guimarães - O Estado de S. Paulo

O presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB-RJ) cobrou neste domingo, pelo twitter, um posicionamento do governo brasileiro em relação à prisão de oposicionistas ao governo da Venezuela, do presidente Nicolás Maduro. "Não dá para os países democráticos assistirem isso de braços cruzados, como se fosse normal prender oposicionista, ainda mais detentor mandato", disse Cunha em sua conta do microblog. Cunha questionou, ainda, "até quando o Brasil ficará calado sem reagir a isso".

O prefeito de Caracas, Antonio Ledezma, foi preso na quinta-feira da semana passada por agentes do Serviço Bolivariano de Informação (Sebin), o serviço de inteligência da Venezuela. Ledezma é um forte opositor ao governo chavista e é acusado pelo presidente Nicolás Maduro de planejar um golpe de Estado.

Ele foi detido em seu escritório e, momentos antes, escreveu em sua conta no Twitter: "meu escritório está prestes a ser invadido por agentes do regime". Em discurso, o presidente Maduro disse que Ledezma "será responsabilizado por todos os seus crimes". O prefeito nega todas as acusações.

Depois do ocorrido, o governo brasileiro evitou fazer qualquer comentário sobre a prisão do prefeito de Caracas. A presidente Dilma Roussef recebeu na sexta as credenciais da nova embaixadora venezuelana, María Lourdes Urbaneja, e disse que não poderia comentar "questões internas" da Venezuela.

Também na sexta-feira, o Itamaraty divulgou nota sobre o assunto, dizendo que o governo brasileiro "acompanha com grande preocupação a evolução da situação na Venezuela e insta todos os atores envolvidos a trabalhar pela paz e pela manutenção da democracia". A nota dizia ainda que o Brasil "reitera seu compromisso em contribuir, sempre que solicitado, para a retomada do diálogo político amplo e construtivo na Venezuela".

Suposta delação contra prefeito de Caracas foi sob tortura, diz defesa

• Segundo advogado de Antonio Ledezma, detento o incriminou para sair de prisão temida por abusos

• Apontado como delator, José Arocha Pérez nem conheceria Ledezma; opositor deve entrar com recurso nesta terça

Samy Adghirni – Folha de S. Paulo

CARACAS - A Justiça da Venezuela usou informações obtidas sob tortura para prender o prefeito metropolitano de Caracas, Antonio Ledezma, acusado de conspirar contra o presidente Nicolás Maduro.

Foi o que disse à Folha, por telefone, o advogado de Ledezma, Omar Estacio.

Para Estacio, quem forneceu as informações falsas foi o militar aposentado José Arocha Pérez, preso pela mesma razão que Ledezma: envolvimento nos protestos que deixaram 43 mortos em 2014.

Maduro diz que protestos são parte de uma conspiração para derrubá-lo. No domingo, acusou líderes da oposição de guardar um "silêncio cheio de cumplicidade" diante dos supostos planos golpistas.

Abaixo, os principais trechos da entrevista.

José Arocha Pérez
A acusação se baseia no depoimento de José Gustavo Arocha Pérez, um coronel da reserva preso em maio de 2014 por vínculos com uma empresa que teria financiado os protestos daquele ano.

Ele passou cinco meses na "Tumba", uma prisão do Sebin [Serviço Bolivariano de Inteligência Nacional] situada vários andares abaixo da terra. O frio ali é terrível e a comida, intragável. Presos são obrigados a ouvir música a todo volume. Estar na tumba é sinônimo de tortura.

Para aliviar sua pena, Arocha Pérez declarou-se culpado e denunciou políticos, entre os quais Ledezma e [a deputada cassada] María Corina Machado. Isso saiu na imprensa à época.

Desde então, Arocha Pérez foi transferido da "tumba" para outro presídio. Está claro que a confissão foi obtida sob tortura. Arocha Pérez e Ledezma nem se conhecem.

Manipulação
Os indícios contidos na denúncia são descabidos, como, por exemplo, a tentativa de vincular Ledezma com Lorent Saleh [estudante preso sob acusação de semear o caos nos protestos de 2014 para criar condições a um golpe].

A agenda de Saleh continha o telefone de Ledezma, mas e daí? Ledezma é uma pessoa pública, muitos têm seu celular.

Também mostram como prova fotos em que aparecem juntos. Ora, Saleh esteve numa reunião do partido Acción Democrática e alguém tirou fotos em que, por acaso, também estava Ledezma.

A gravação de Skype na qual Saleh fala de Ledezma é pura obra de edição.

Também dizem que o prefeito era vinculado a Ronny Navarro [estudante também preso pelos protestos]. Navarro era funcionário da prefeitura, é óbvio que conhece Ledezma.

Tudo isso é manipulação. Por acaso o presidente da República é responsável por todos os crimes cometidos pelos servidores?

'Governo de transição'
Não quero entrar no mérito do [recente] comunicado em que Ledezma, Machado e Leopoldo López [preso há um ano pela participação nos protestos] defendem uma 'transição' no país. Este é um tema político e eu me atenho a questões jurídicas. Mas que conspirador é burro a ponto de sair por aí contando seu plano para todo mundo?

Recurso
Até terça (24) apresentarei recurso contra as duas acusações, que não resistem a qualquer análise jurídica séria.

Primeiro, a associação para delinquir é estabelecida pela Convenção de Palermo (2000) para combater atividades ilícitas com fins econômicos. É, basicamente, uma lei antimáfia. Onde está o benefício econômico de Ledezma?

Já a conspiração, pela lei, só existe quando há tentativa de atentar contra a "forma republicana" da nação. A acusação contra Ledezma não fala que ele tentou mudar a forma republicana. Fala em golpe de Estado, que é bem diferente. Isso basta para derrubar a acusação.

Sem falar nas irregularidades, como ter sido levado sem mandado de prisão e não informarem ao prefeito que ele era investigado desde 2014, violando seu direito a defesa.

PSDB repudia escalada antidemocrática do regime Maduro na Venezuela

É com indignação e crescente preocupação que assistimos à escalada de violência praticada pelo governo da Venezuela contra aqueles que divergem democraticamente do regime do presidente Nicolás Maduro.

Sob pretextos vagos, opositores têm sido detidos ou mesmo sequestrados, como aconteceu ontem com o prefeito da área metropolitana de Caracas, Antonio Ledezma – preso mediante coação e sem qualquer ordem judicial. Abusos já vitimaram antes Leopoldo López e a deputada María Corina Machado.

Percebe-se evidente a radicalização do regime bolivariano, em confronto com os valores democráticos professados pelo povo venezuelano, amigo do Brasil. Multiplicam-se os excessos e as arbitrariedades; fenecem as liberdades e os direitos.

Consideramos inconcebível que um país-membro do Mercosul continue a desrespeitar as cláusulas democráticas que regem o bloco sem que os demais integrantes, como é o caso do Brasil, sequer se pronunciem a respeito.

O Partido da Social Democracia Brasileira manifesta sua solidariedade aos venezuelanos perseguidos pelo governo de Nicolás Maduro, repudia o ataque perpetrado às liberdades civis e políticas e cobra do governo do Brasil a imediata condenação às atitudes antidemocráticas cometidas pelo regime bolivariano.

Senador Aécio Neves – presidente nacional do PSDB
Senador Cássio Cunha Lima – líder do PSDB no Senado
Deputado Carlos Sampaio – líder do PSDB na Câmara dos Deputados

Prefeitos denunciam perseguição na Venezuela

• Quase metade dos opositores eleitos em 2013 enfrenta processos

- O Globo

CARACAS - Prefeitos de oposição ao governo de Nicolás Maduro denunciaram ontem que 33 dos 77 antichavistas eleitos em dezembro de 2013 (43%) enfrentam processos judiciais - o que é visto como sinal de uma perseguição política do chavismo à oposição. Na quinta-feira, o principal prefeito opositor do país, Antonio Ledezma, de Caracas, foi detido sob acusação de tramar um golpe contra Maduro. Outros dois prefeitos da oposição foram destituídos e presos no ano passado por não cumprirem decisão judicial de reprimir protestos nas cidades de San Diego e San Cristóbal.

- Parece parte da política oficial contra quem pensa diferente. Todos temos uma arma apontada para a cabeça - afirmou Carlos Ocáriz, presidente da Associação de Prefeitos da Venezuela.

A perseguição aos opositores, porém, não se limita aos prefeitos. Desde o início do ano, 151 venezuelanos foram detidos por participar de protestos contra o governo, registrar jornalisticamente os protestos ou prestar assistência aos manifestantes, segundo levantamento divulgado ontem pela ONG Foro Penal Venezuelano. Destes, dois permanecem presos e 87 foram colocados sob liberdade condicional, sob obrigação de se apresentarem periodicamente a um juiz.

Vice-líder da oposição na Câmara diz que prisão de prefeito venezuelano é arbitrária

- Assessoria de Imprensa do PPS

Em nota, o vice-líder da oposição na Câmara, deputado Raul Jungmann (PPS-PE), disse hoje (20) que a prisão do prefeito de Caracas, capital venezuelana, Antonio Ledezma, é arbitrária e exige do Brasil posicionamento político.

Leia abaixo a íntegra do documento:

"A detenção do prefeito de Caracas é ato de violência injustificada e merece o repúdio de todos os defensores da democracia

A comunidade internacional foi surpreendida com a arbitrária detenção do prefeito de Caracas, Antonio Ledezma, ordenada por Nicolas Maduro sem qualquer amparo legal ou legitimidade. Trata-se de mais um movimento que aprofunda no país irmão e vizinho um odioso regime autoritário.

Neste momento unimos nossa voz ao repúdio generalizado de intelectuais, políticos, ativistas sociais e outras pessoas que entendem a luta democrática como a única via legítima da política.

Surpreende e entristece a nós como brasileiros a atitude passiva do governo Dilma que já deveria ter se manifestado contra esta nova arbitrariedade, desrespeitando toda uma tradição histórica de política externa.

O Brasil não pode e não deve abrir mão de sua liderança. O Brasil não pode e não deve renunciar à sua tradição democrática em nome de uma suposta aliança bolivariana que só nos ofende e ofende ao povo Venezuelano. É hora de dar um basta!

Deputado Raul Jungmann (PPS-PE)
Vice-Líder da Minoria na Câmara Federal"

Ricardo Noblat - Anão diplomático

- O Globo

"Não tocamos em política. Mostramos a cultura do povo da Guiné Equatorial" - Fran-Sérgio, carnavalesco da Beija-Flor

Que alma corajosa se oferece para aconselhar a presidente Dilma a renovar seu vocabulário, começando por descartar lugares comuns do tipo "Não ficará pedra sobre pedra" e "Doa em quem doer"? Lugares comuns arranham os ouvidos. E com frequência se voltam contra os que gostam de usá-los. Um exemplo? "Não ficará pedra sobre pedra" da política externa brasileira depois da passagem de Dilma pelo poder.

FORCEI A BARRA ? Tentarei ser mais justo: não ficará pedra sobre pedra da política externa brasileira depois da passagem de Lula e Dilma pelo poder . Este gigante econômico e cultural, chamado de "anão diplomático " em julho do ano passado pelo porta-voz do Ministério das Relações Exteriores de Israel, sempre contou com uma das diplomacias mais respeitadas e bem-sucedidas do mundo.

HÁ FARTO conhecimento adquirido com aplicação e afinco. Relativa grandeza. E coerência política secular . Tamanho patrimônio, infelizmente, repousa, hoje, quase esquecido nos subterrâneos do Itamaraty. O retrato de José Maria da Silva Paranhos Júnior , o Barão do Rio Branco, patrono da diplomacia brasileira, ainda enfeita paredes de gabinetes acarpetados. Mas como dói observá-lo.

NA SEMANA passada, com muitos quilos a menos, mas sem ter perdido um grama de arrogância, Dilma emergiu do carnaval disposta a ocupar por todos os meios o espaço que a mídia costuma lhe oferecer com generosidade. E assim foi. Sem pejo, remeteu ao governo Fernando Henrique Cardoso a origem da roubalheira na Petrobras, que só se tornou sistêmica a partir de 2003.

E COMO SE não bastasse tal agressão à verdade, resolveu brigar com um país situado do outro lado do mundo — a República da Indonésia, um arquipélago com mais de 17 mil ilhas. No momento, a Indonésia deveria ser o último país com quem o Brasil almejasse arranjar briga. Ali, em 17 de janeiro último, o brasileiro Marcos Archer , um traficante de drogas, foi executado a tiros.

ARCHER HAVIA sido preso há 10 anos , ju lgado e condenado à morte . A legislação da Indonésia contra a droga é uma mais rígidas do mundo. Dilma empenhou-se em salvar a vida de Archer . Reagiu à sua morte chamando de volta o embaixador do Brasil por lá . Era tudo o que não deveria ter feito — afinal, há outro brasileiro na Indonésia condenado à morte por tráfico de droga.

SE HAVIA uma tênue esperança de que à diplomacia fosse possível evitar um segundo fuzilamento , ela se dissipou com outra decisão desastrosa tomada por Dilma na última sexta-feira. Novos embaixadores de outros países estavam reunidos no Palácio do Planalto para apresentar suas credenciais a Dilma. Por ordem, o primeiro deles seria o embaixador da Indonésia.

UMA VEZ cumprido o rito, o embaixador desceria a rampa do palácio, entraria no seu carro e iria embora. Não foi o que aconteceu. O ministro das Relações Exteriores do Brasil chamou o embaixador para uma conversa a sós. Comunicou que Dilma não receberia mais suas credenciais. O embaixador saiu humilhado pelos fundos. A Indonésia é quem foi humilhada na figura dele. E para quê?

SACA O ESTADO Islâmico — aqueles loucos que degolam e incineram pessoas? Dilma já recomendou que se dialogasse com eles. A Venezuela deixou de ser uma democracia. Mas Dilma faz de conta que ali ainda existe uma. Os in ter esses superiores do país deixaram de orientar nossa política externa. Cederam a vez à ideologia pessoal do governante da ocasião . Pobre barão do Rio Branco . Pobres de nós.