quarta-feira, 7 de novembro de 2018

Fábio Alves: Dessincronização

- O Estado de S.Paulo

Em tempos de incertezas, a tendência é de os investidores irem para o refúgio do dólar

Um risco crescente passou a figurar entre as maiores preocupações dos investidores nos últimos dias: de que o crescimento da economia mundial fique cada vez mais dependente do desempenho dos Estados Unidos e mais vulnerável a fraquezas na zona do euro e na Ásia.

Os números do Produto Interno Bruto (PIB) do terceiro trimestre deste ano deflagraram esse temor de dessincronização do crescimento da economia mundial. Uma diferença nas taxas de expansão do PIB entre Estados Unidos e outros países pode levar o dólar a se valorizar mais diante do euro, do yuan chinês, do iene japonês e de outras moedas.

Isso porque, entre outras razões, uma economia mais forte nos Estados Unidos significa a continuidade do ciclo de alta de juros pelo Federal Reserve (Fed), enquanto um desempenho econômico mais fraco levaria os bancos centrais na zona do euro e na China a manterem uma política de estímulos monetários e não de aperto.

Um mercado de trabalho robusto e os estímulos fiscais adotados pelo presidente Donald Trump estão impulsionando a economia americana. Já a China sofre o impacto da guerra comercial, com a adoção de bilhões de dólares em tarifas de importação pelos Estados Unidos. A guerra comercial deflagrada por Trump também pesa sobre o sentimento de empresários e consumidores na zona do euro, que passou ainda a lidar com os efeitos negativos da crise orçamentária na Itália e do Brexit – a saída do Reino Unido da União Europeia.

Entre julho e setembro deste ano, o PIB americano registrou uma expansão de 3,5%, enquanto os analistas esperavam uma taxa de 3,4%. Já o PIB da zona do euro cresceu 1,7% na taxa anualizada, enquanto os analistas projetavam crescimento de 2,5%. Em relação ao segundo trimestre, a expansão foi de 0,2% ante a estimativa do mercado de alta de 0,5%. A economia italiana, por exemplo, ficou estagnada ante a expectativa de crescimento de 0,5%.

Na China, a economia avançou 6,5% no terceiro trimestre comparado a igual período de 2017, abaixo da expectativa de uma expansão de 6,6% e também da taxa de 6,7% registrada no segundo trimestre.

Os primeiros indicadores de atividade do quarto trimestre deixaram os analistas cautelosos em relação à desaceleração da economia chinesa: o índice de gerentes de compras do setor industrial da China caiu de 50,8 em setembro para 50,2 em outubro, menor nível desde julho de 2016.

A pergunta que fica é: poderá a força da economia americana estimular uma recuperação de outras regiões do globo ou a fraqueza na zona do euro e a desaceleração chinesa acabarão por puxar para baixo o desempenho dos Estados Unidos, deflagrando o risco de uma recessão mundial?

“Um ambiente global mais fraco vai servir como um obstáculo à atividade econômica dos Estados Unidos com o decorrer do tempo”, diz o economista-chefe internacional do banco holandês ING, James Knightley. “Esse é um cenário mais provável do que um desempenho forte dos Estados Unidos levantando a economia global dado que o presidente Trump segue com sua posição agressiva no comércio, prejudicando seus principais parceiros.”

Com as autoridades chinesas prometendo injetar grande volume de estímulo monetário e o Japão mantendo um desempenho econômico razoável, Knightley se diz mais preocupado com a zona do euro, uma vez que, além do impacto do Brexit e da crise italiana, as incertezas devem aumentar com a saída de Angela Merkel do comando do governo alemão e de Mario Draghi da presidência do BCE, o BC da zona do euro.

Na opinião do estrategista-chefe de câmbio e de mercados emergentes do banco alemão Commerzbank, Ulrich Leuchtmann, a guerra comercial entre Estados Unidos e China é um dos maiores fatores de risco para a economia global, mas ele diz ver sinais de disposição de Trump em reduzir essas tensões. Quanto ao crescimento do PIB chinês, outro motor da economia mundial, ele prevê desacelaração adicional. “Mas ainda vejo esse processo como gradual”, diz.

A dessincronização do desempenho do PIB entre os países desenvolvidos, em meio à guerra comercial, ao Brexit e às tensões geopolíticas, como as sanções impostas ao Irã, não é uma tendência favorável para a economia mundial. Em tempos de incertezas e de turbulência econômica, a tendência é de os investidores correrem para o refúgio do dólar.

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