- Folha de S. Paulo
Boatos de campanha e falas desastradas de Bolsonaro causam medo em poupador
Conhecidos perguntam se Jair Bolsonaro "mexeria nas aplicações", "nos investimentos" ou "no Tesouro Direto". Essa conversa reapareceu nesta semana, graças a declarações entre desastradas e disparatadas do presidente eleito.
A resposta-piada é: se Nero existiu, sempre pode reaparecer alguém que toque fogo no seu império e peça que deem cabo da sua vida.
No mais, a sério, a resposta é "não". Não faz sentido algum confisco de ativos financeiros ou calote da dívida pública, nem isso está em discussão, se por mais não fosse porque provocaria colapso instantâneo da economia, o CAOS.
No entanto, o assunto ocupava o noticiário desta terça-feira (6). O futuro ministro da Economia, Paulo Guedes, teve de negar em entrevista que o governo vá renegociar a dívida pública, como dissera Bolsonaro, sem saber do que falava.
O medo em parte tem história, a lembrança do confisco do primeiro dia do governo de Fernando Collor, em 1990. De resto, houve boatos virais de calote durante a campanha, um economista do PT publicou tal coisa em rede social depois de finda a eleição e, enfim, houve a algaravia de Bolsonaro.
O que pode significar "renegociar a dívida pública"?
O governo federal toma empréstimos por meio da venda de títulos. O cidadão compra por, digamos, 100 dinheiros, a promessa (o título) de receber 110 dinheiros em uma data determinada.
"Renegociar" significa pagar rentabilidade menor do que a prometida ("baixar os juros" na marra), pagar mais tarde do que o prometido (variantes de moratória) ou confiscar (pagar menos ou nada do que foi investido).
E daí? Além de ilegal, seria o CAOS.
Cerca de 72% do dinheiro investido em fundos de investimento está aplicado em títulos da dívida pública; nos fundos de renda fixa, esses "fundos de banco" que muita gente tem, mais de 90%. Um fundo é uma espécie de associação em que os cotistas entregam dinheiro a um administrador, que faz investimentos variados a fim de dar rentabilidade ao capital do poupador, que na maioria dos casos empresta dinheiro ao governo, sem saber.
"Renegociar" significa calote. Bancos, também credores do governo, perderiam dinheiro. Ficariam impedidos de emprestar, por falta de capital, ou mesmo quebrariam, com o que evaporariam outros depósitos e poupanças. Seguradoras e a previdência privada aplicam parte do dinheiro de segurados em dívida pública.
Um governo caloteiro não teria como pedir emprestado ou pagaria juros lunáticos. Atualmente, por ano, o governo pede emprestado 1,4% do PIB para cobrir o excesso de gastos (R$ 95 bilhões), 4,9% para pagar juros (R$ 331 bilhões) e mais 8,8% do PIB (R$ 597 bilhões) para refinanciar ("rolar") a dívida que vence.
Sem crédito, não pagaria a conta de luz. A alternativa seria "imprimir" dinheiro, criando uma hiperinflação.
Um calote provocaria fuga de capitais do país, com o dólar viajando à órbita de Júpiter. De resto, quem investiria em qualquer negócio de um país em que o governo rouba a propriedade? Haveria recessão horrenda.
Em suma, "renegociação" significa criar de imediato uma crise argentina das grandes, com propensão a virar no momento seguinte um desastre venezuelano.
Em suas declarações, Bolsonaro mostra desconhecimento absoluto sobre Banco Central, política de câmbio ou dívida pública. Por ora, ninguém leva a sério os disparates. No governo quebrado de um país arruinado, essa falação pode causar acidentes graves.
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