É ilusão concentrar energias na liberação do comércio de armas em promoção da ‘autodefesa’
Um dos fatores determinantes para a eleição de Jair Bolsonaro foi a sua atenção e compromisso com mudanças estruturais na segurança pública. O futuro governo, com certeza, será cobrado cotidianamente por resultados na contenção da epidemia de crimes, com recorde global de mais de 62 mil mortes violentas por ano.
O desafio só é proporcional à expectativa criada pelo eleito.
De um lado, percebe-se em todas as regiões uma guerra aberta entre facções militarizadas, bem armadas, coordenadas a partir dos presídios superlotados e transformados em autênticos conglomerados do crime organizado.
De outro, observa-se a falência do Estado fomentada por décadas de políticas descoordenadas, executadas por um aparato de segurança desestruturado e que opera de forma compartimentada, em conflito burocrático permanente, com fortes indícios de corrupção sistêmica.
A história recente demonstra que sucessivos governos erraram, porque foram lenientes na segurança. As razões podem e devem ser analisadas, mas é preciso não perder de vista o horizonte: o tom de cobrança da sociedade sobre uma nova perspectiva para o problema permeou toda a campanha eleitoral.
O caminho está dado pela Constituição. Faltam planejamento e ação governamental. Assim, é bom sinal a escolha do juiz Sergio Moro para um ministério que deve unir áreas de Justiça e Segurança. Sua experiência na repressão a organizações criminosas e aos negócios para lavagem de dinheiro já foi atestada, com êxito, no caso Banestado (2004) e na Operação Lava-Jato (2014).
Mostrou em um acervo de processos a sintonia entre os submundos da corrupção política e o da lavagem de lucros obtidos no narcotráfico, contrabando de armas e jogos ilícitos, entre outros. Pouco variam os personagens, os meios e as rotas.
O poder da indústria de drogas é essencialmente econômico, e esta, também, é a sua vulnerabilidade. A abordagem militarista adotada a partir dos anos 80 levou a uma guerra frontal das polícias com o narcotráfico nas ruas das maiores cidades. O resultado está aí, no quadro geral de insegurança pública.
É hora de revisão da estratégia, com uso efetivo de instrumentos de inteligência, principalmente financeira, disponíveis no governo, mas operados de maneira desconexa. Podem estar na base da reestruturação das polícias, combinados ao fortalecimento das corregedorias e perícia científica. Complemento vital é o saneamento do sistema prisional, ponto central da recente expansão da indústria do crime.
Esse deveria ser o eixo da reversão do estado atual de insegurança pública. O futuro governo se arrisca à perda de tempo numa ilusão política se optar pela concentração de energias na liberação da posse de armas em promoção da “autodefesa”. O custo social, certamente, será muito maior.
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