No programa de governo que apresentou durante a campanha eleitoral, o agora presidente eleito Jair Bolsonaro não só prometeu fazer a reforma da Previdência, como adiantou que “a grande novidade será a introdução de um sistema com contas individuais de capitalização”, cujos optantes “merecerão o benefício da redução de encargos trabalhistas”. Agora, passada a eleição, Bolsonaro declarou que vê com “desconfiança” a prometida mudança do atual modelo de repartição para o de capitalização e que ainda “não está batido o martelo” sobre o assunto com seu futuro ministro da Economia, Paulo Guedes - principal formulador das propostas econômicas de Bolsonaro, entre as quais a da reforma da Previdência.
Não é incomum que propostas feitas no calor da campanha eleitoral sejam abandonadas quando o eleito se depara com a crua realidade dos dados econômicos, mas a fala de Bolsonaro em relação à Previdência revela uma hesitação própria de quem não sabe bem o que pretende fazer - e isso, em se tratando da reforma da Previdência, crucial para a solvência do Estado, é particularmente preocupante.
Não se trata de defender este ou aquele modelo específico para adequar o sistema previdenciário à realidade econômica e demográfica do País, e sim de esperar que o próximo governo demonstre que tem a exata noção do tamanho do problema e exiba disposição para enfrentá-lo sem tergiversações. Não parece ser o caso da futura administração Bolsonaro.
O presidente eleito disse que tem “desconfiança” sobre a proposta de Paulo Guedes para a Previdência. “Sou obrigado a desconfiar para buscar uma maneira de apresentar o projeto. Tenho responsabilidade no tocante a isso aí. Quem vai garantir que essa nova Previdência dará certo? Quem vai pagar? Hoje em dia, mal ou bem, tem o Tesouro, que tem responsabilidade. Você fazendo acertos de forma gradual, atinge o mesmo objetivo sem levar pânico à sociedade”, disse Bolsonaro à TV Bandeirantes.
Bolsonaro prometeu “alguma reforma”, mas deixou claro que não pretende se indispor com seu eleitor. “Não pode mudar (a Previdência) sem levar em conta que tem um ser humano que vai ter a vida modificada”, disse o presidente eleito, para, em seguida, criticar seus assessores econômicos: “Eu tenho falado isso à equipe econômica, às vezes um colega só pensa em números”. Segundo ele, o novo governo não quer “salvar o Estado quebrando o cidadão brasileiro”.
De fato, é preciso ter consciência de que qualquer política pública, especialmente aquelas que integram a rede de proteção social dos cidadãos mais pobres, não pode ser modificada sem que se levem em conta os efeitos negativos sobre essa parcela da população. No entanto, o que Bolsonaro dá a entender é que seu plano de reforma da Previdência - quando tiver um - será muito menos rigoroso do que a realidade impõe.
Bolsonaro fala em reforma “gradual”. De fato, o projeto que está na Câmara, encaminhado pelo governo Temer, propõe uma mudança por etapas, mais fácil de ser aceita pelos legisladores. E o presidente eleito oscila entre esse modelo e outros que estão à sua disposição. Ele parece pouco propenso a encarar a dura realidade da crise fiscal, preferindo permanecer no confortável mundo da campanha eleitoral - que, todavia, já acabou.
Em artigo publicado ontem no Estado, o economista Fabio Giambiagi lembrou que a hesitação do presidente Mauricio Macri em promover reformas na Argentina até livrou o governo de desgaste político num primeiro momento, mas foi determinante para o desastre que ora se abate sobre o país, obrigado a adotar um ajuste muito mais doloroso. Até agora, Bolsonaro também vem sinalizando que não está com ânimo de contrariar o Congresso nem seu eleitor, e isso explica suas reticências a respeito das reformas.
No entanto, se Bolsonaro está realmente disposto a impedir que o cidadão comum “quebre” para “salvar o Estado”, é preciso evitar a quebra do Estado, porque, quando isso acontece, todos pagam - especialmente os mais pobres. A reforma da Previdência é só o primeiro passo para evitar o pior.
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