Ao manifestar o desejo de se eliminar a política externa dos governos do PT, o presidente eleito Jair Bolsonaro, ao mostrar mal formuladas preferências, está se metendo em encrencas diversas. É previsível que o novo governo, em estágio preliminar de formação, não tenha formado convicções nesta área e muito menos uma política. Mas as entrevistas de Bolsonaro causaram mal-estar nas chancelarias dos países do Mercosul, dos países árabes, além de provocar uma dura advertência semi-oficial de um jornal do PC chinês. Bolsonaro parece ter desistido, felizmente, de deixar a ONU e o Acordo de Paris.
O PT privilegiou o eixo Sul-Sul e, na política regional, fracassou em sua suposta intenção de trazer a Venezuela para o Mercosul como forma de conter genes autoritários do governo bolivariano. Fez isso da pior maneira possível, ao usar o afastamento formalmente legal do então presidente Fernando Lugo, para suspender o Paraguai do bloco e trazer para ele os chavistas. Além disso, o presidente Lula fez mesuras a vários ditadores africanos, enquanto semeava representações diplomáticas no continente. Uma de suas principais ambições era obter para o Brasil um lugar permanente no Conselho de Segurança da ONU.
Na política comercial, os governos do PT concentraram forças na rodada Doha da OMC mas, após rejeitar negociações sobre uma zona de livre comércio das Américas com os EUA, eximiram-se de buscar acordos comerciais com outros grandes parceiros econômicos. Restou o Mercosul, e seu maior sócio regional, a Argentina, com quem teve atitudes paternalistas diante do protecionismo de seus aliados ideológicos, Néstor e Cristina Kirchner.
O futuro ministro da Economia, Paulo Guedes, disse que Mercosul "não é prioridade" para o Brasil e trouxe dissabores ao governo argentino. É estranho que as primeiras palavras da equipe de Bolsonaro não tenham sido dirigidas à aproximação com o governo de Mauricio Macri, de centro-direita e cujo programa econômico é liberal - um perfil de aliado, não de rival.
Guedes voltou atrás no que disse, mas em suas declarações havia pistas de uma política externa em gestação, que poderá ou não se confirmar com o tempo. Jair Bolsonaro anunciou seu primeiro itinerário fora do país como presidente eleito e ele se desvia da tradição diplomática. O primeiro país a ser visitado é o Chile, não a Argentina, como tem sido a praxe. Em seguida, os EUA e Israel. Guedes disse que o Brasil quer "comerciar com todo o mundo" e emitiu sinais de que o novo governo defenderá mudanças no Mercosul que abram caminho para realizar sozinho outros acordos com quem julgar conveniente.
Após um primeiro diálogo amigável com o presidente Donald Trump, o alinhamento com o Chile da Aliança para o Pacífico, também próxima dos EUA, sugere que os próximos passos serão de aproximação comercial com os americanos, um anátema nos governos petistas.
O caso de Israel, terceiro país ainda mais alinhado com os EUA, indica uma inflexão grave, de radical afastamento das posições da diplomacia brasileira para a região. A posição brasileira desde 1947 foi defender a paz nos dois Estados no conflito de Israel com os palestinos, o que permitiu ao Brasil ser um interlocutor especial com todos os lados no Oriente Médio. Bolsonaro disse que o Brasil vai deslocar sua embaixada para Jerusalém, reconhecendo o seu status de capital do Estado israelense, deixando em segundo plano os palestinos. Os exportadores brasileiros de frango estão apreensivos diante de possíveis represálias das nações árabes, que consomem 40% do frango vendido no exterior pelo Brasil.
Passos em falso com a China, seu maior parceiro comercial, poderão trazer prejuízos econômicos mais relevantes. Bolsonaro insinuou que quer limitar o avanço das aquisições chinesas no Brasil. Emular os EUA quando as duas maiores economias do mundo travam uma guerra comercial pode soar como apoio a um dos lados. Há margem de manobra para mitigar danos, uma vez que, importando basicamente alimentos e minério de ferro, a China não pode prescindir ao mesmo tempo dos fornecedores americanos e brasileiros. Por outro lado, a restrição de Bolsonaro, para não ser discriminatória, teria de ser extensiva a investimentos de outros países.
Os caminhos perigosos em que pode se meter o novo governo podem ser evitados com conhecimento histórico e prático. A equipe de Bolsonaro até agora carece de orientadores experientes em uma área em que o amadorismo produz desastres. Na diplomacia, silêncio é ouro.
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