segunda-feira, 13 de maio de 2019

Greve da educação marca fim da 'lua de mel'

Por Thais Carrança | Valor Econômico

SÃO PAULO - Um dia de paralisação e protestos do setor de educação, marcado para esta quarta-feira (15), deverá ser o primeiro grande teste do governo Jair Bolsonaro nas ruas. Analistas avaliam que a greve marca o fim do período de "lua de mel" do novo governo após as eleições e poderá abrir as portas para mobilizações de outras categorias, em meio à fraqueza da economia e à perda de popularidade do presidente. A paralisação também deverá servir de termômetro para a greve geral contra a reforma da Previdência, convocada para 14 de junho.

"Com a euforia gerada pela eleição do Bolsonaro, depois do mandato bastante desgastado do [Michel] Temer, a expectativa era de que havia uma janela de oportunidade para o ambiente político ser marcado por um período de relativa estabilidade", diz Rafael Cortez, analista político da Tendências Consultoria, lembrando que o momento combinava um presidente com popularidade elevada, em início de mandato e com um Congresso alinhado do ponto de vista ideológico.

Segundo Cortez, isso se rompe com o acúmulo de agendas negativas do governo, reforçado pela ausência de uma coalizão majoritária no Congresso e pela comunicação errática. "Esse movimento agora é a resposta da sociedade a esse conjunto de fatores, até porque o governo não gerou nenhum fato novo positivo - a economia segue devagar e o governo traz agendas que mobilizam uma parte do seu eleitorado, mas faz ele perder parte do apoio conquistado nas eleições do eleitor mais de centro."

O consultor sindical João Guilherme Vargas Netto lembra que a greve foi convocada por duas confederações de trabalhadores da educação, a CNTE e a Contee, antes do corte de 30% da verba discricionária das instituições de ensino federais e da suspensão de bolsas de pós-graduação pela Capes. Originalmente, a paralisação tinha como motes a reforma da Previdência e a campanha salarial dos professores paulistas ligados à Apeoesp. "Os cortes deram um novo impulso ao movimento", avalia Vargas Netto.

Fernando Gabeira: Os vencedores levam tudo

- O Globo

Os tropeços de Bolsonaro e dos seus ardentes defensores abrem um espaço de poder, até agora percorrido pelo Congresso

Mas que briga é aquela que tem acolá? É o filho do homem com o seu general. Não pretendo analisar uma luta interna no governo, cheia de insultos escatológicos.

Pergunto apenas se vale a pena tantos militares no governo, com ataques permanentes contra eles e uma certa ambivalência de Bolsonaro. Se a ideia é apanhar pelo Brasil, talvez não seja a melhor aposta. O risco de desgaste das Forças Armadas é grande. E os resultados até agora, desanimadores.

Os termos que certos setores do bolsonarismo colocam são, na verdade, uma armadilha. Não respondê-los significa um silêncio constrangedor para quem participa do mesmo projeto de governo. Respondê-los é cair numa discussão de baixo nível, um filme onde todos morrem no final.

A única experiência que tive com Olavo de Carvalho foi um trecho de seu livro “O imbecil coletivo”. Nele, Olavo diz que não tenho competência nem para ser sargento do Exército de Uganda ou do Zimbábue, não me lembro.

Foi há muito tempo. Minha reação foi esperar que o Exército de Uganda, ou o do Zimbábue, protestasse. Como não disseram nada, também fiquei na minha.

Todo esse vespeiro no governo Bolsonaro é também resultado da fragilidade da oposição. Mas, observando as consequências, percebo que o Congresso vai preenchendo o vazio de poder não para oferecer uma alternativa mais sensata à sociedade, mas para garantir um retrocesso no aparato de controle da corrupção. Um dos pilares da Lava-Jato é a integração das instituições. O Congresso quer impedir que a Receita Federal e o Ministério Público compartilhem informações. Numa comissão da Câmara, tiraram o Coaf das mãos de Moro, um outro desmanche dos pressupostos da Operação Lava-Jato.

Ana Maria Machado: Viver sem lei

- O Globo

Parece que resolvemos revogar as leis da ciência

Estamos nos acostumando a ignorar leis. Nem por isso elas deixam de existir. Os níveis de corrupção, violência e os seguidos desastres atestam um processo que começa no desprezo aos deveres mais elementares e consagram o desrespeito aos direitos fundamentais e às determinações legais mais simples.

Parece que resolvemos também revogar as leis da ciência. Espalham-se atitudes calcadas na ignorância delas. Negar a evolução das espécies. Dizer que a Terra é plana. Que não há aquecimento global nem perigo crescente nas mudanças climáticas. Que vacina é desnecessária e não funciona. Que amianto não faz mal à saúde. Que plano diretor urbano é tolice. Que desmatar não tem problema. Que se pode invadir e construir em qualquer lugar sem respeitar limites. Que defender matas, lagoas, rios e mares ou combater uso descontrolado de plásticos é coisa de hippie tontinho. Que reassentar moradores de áreas de risco é pecado político.

Cacá Diegues: Para não ser um idiota

- O Globo

Não ouvi do general Villas Bôas nada malicioso ou agressivo

Sempre falta dinheiro para a cultura no Brasil, sempre faltou. Pouca gente desvinculada de sua militância acredita mesmo que a cultura seja formadora da nação e de seu espírito estrutural. Ou, ao menos, um elemento constitutivo de sua formação. Para grande parte dos brasileiros, a cultura é atividade de vagabundo que, não sabendo fazer mais nada, explora os recursos do Estado para essa espécie de férias eternas e remuneradas.

O sentimento se agrava, quando se lê no jornal que o diretor-presidente da Ancine, a Agência Nacional do Cinema, iria, com mais alguns dirigentes da instituição, para o Festival de Cannes, às custas da agência. Enquanto isso, os produtores que fabricam os filmes que, graça à sua qualidade, são selecionados por Cannes (este ano são cinco), não têm recursos para continuar a produzir. Não faltaria dinheiro para a viagem à Côte d’Azur; mas falta dinheiro para a atividade que serve de pretexto à viagem. Ouso dizer que tanto melhor que eles acabaram não indo viajar. Ficaram por aqui e vão ter que encarar a crise.

O Brasil sempre foi assim. Talvez, em outros tempos, tenha sido até pior. Vivemos de ilusões, às vezes para nos aliviar, às vezes simplesmente por cinismo. Ilusões sobre nossa natureza, de onde viemos e para onde queremos ir. Nunca pensamos em para onde merecemos ir. Como não estamos jamais satisfeitos com o que de fato somos, inventamos disfarces nos quais nós mesmos acabamos por acreditar.

De vez em quando, aparece alguém que, por meio de diferentes ideias e instrumentos, se esforça para nos afastar dessas ilusões, para ver se melhoramos de caráter. Como Joaquim Nabuco, em seu tempo e até hoje. Ou Machado de Assis, um pessimista do bem. Ou ainda Glauber Rocha, herdeiro assimétrico de Castro Alves e Euclides da Cunha, a nos jogar na cara nossa violência e nossa crueldade social.

*Bruno Carazza: Na terceira temporada, o fim?

- Valor Econômico

Revezes ameaçam combate ao 'mecanismo'

Acaba de estrear a segunda temporada de "O Mecanismo", a série da Netflix dirigida por José Padilha que romanceia a história da Operação Lava-Jato. Nos novos episódios, a equipe comandada pelo agente Ruffo tenta fechar o cerco contra os donos da maior empreiteira do país, a Miller & Brecht, inviabilizando o governo da presidenta Janete e envolvendo seu padrinho político, o ex-presidente Gino.

A Netflix ainda não anunciou se a série brasileira terá continuidade, mas no Brasil real os novos capítulos prenunciam um final melancólico. Na última semana o combate à corrupção no Brasil sofreu duros golpes - e o mais grave é que eles foram desferidos pelos três Poderes da República.

No Supremo Tribunal Federal, uma mudança de posicionamento do seu presidente, o ministro Dias Toffoli, derrubou uma liminar pedida pela Associação dos Magistrados Brasileiros contra normas que protegem deputados estaduais de prisões preventivas e permitem a suspensão de ações por crimes praticados em seus mandatos. Não custa lembrar que em novembro passado a Lava-Jato prendeu dez deputados cariocas, incluindo o poderoso Jorge Picciani, eterno presidente da Assembleia.

No dia seguinte, o STF considerou constitucional o indulto natalino concedido pelo ex-presidente Michel Temer. Por ser muito abrangente, o Ministério Público alertou que ele beneficiaria condenados por crimes de corrupção passiva e ativa, tráfico de influência e lavagem de dinheiro. Por 7 votos a 4, o plenário do STF afirmou que não cabe ao Judiciário impor limites à discricionariedade do chefe do Poder Executivo nesse assunto.

Sergio Lamucci: O desanimador cenário econômico de 2019

- Valor Econômico

Condições financeiras pioraram, outra má notícia para a atividade

A economia brasileira está empacada. O desempenho no primeiro trimestre foi muito decepcionante, levando a uma onda de reduções nas estimativas de crescimento para 2019 - hoje, vários analistas projetam uma expansão em torno de 1%. Para complicar, as condições financeiras voltaram a piorar nos últimos meses, dado o comportamento de indicadores como o câmbio, a curva de juros e os preços das ações. É mais uma notícia ruim para a atividade econômica, num quadro de insuficiência crônica de demanda, apesar do nível baixo dos juros básicos, pelo menos para padrões brasileiros.

O mercado de trabalho mostra um quadro especialmente preocupante, com 25% da força de trabalho subutilizada, uma medida que inclui desempregados, quem trabalha menos horas do que gostaria e quem estaria disponível para trabalhar, mas não procura emprego. Esses três grupos somam 28,3 milhões de pessoas. Além disso, a falta de gás da economia afeta as contas públicas, prejudicando a arrecadação de impostos e, com isso, obrigando o governo a segurar ainda mais os gastos.

Depois de melhorar entre o fim do ano passado e o começo deste ano, o índice de condições financeiras da MCM Consultores Associados voltou a piorar entre fevereiro e abril. O indicador ficou mais próximo da neutralidade, ou seja, do nível que não exerce um efeito de estímulo ou de contração sobre a economia. "Esse movimento foi impulsionado pela depreciação da taxa de câmbio, pelo aumento da inclinação da curva de juros e pela maior volatilidade dos preços das ações", diz, em estudo, o economista Alexandre Teixeira, da MCM. O índice da MCM inclui uma medida de risco-país, a inclinação da curva de juros, o câmbio, o nível e a volatilidade da bolsa e os depósitos compulsórios. O objetivo é avaliar de forma ampla o ambiente financeiro e, consequentemente, as condições mais gerais para o crescimento, explica Teixeira.

O economista esperava uma melhora gradual do indicador neste ano, "apoiada na avaliação de avanço relativamente rápido da agenda econômica do governo na Câmara dos Deputados". Mas não foi o que se viu, dada a "falta de articulação política do Executivo e a extraordinária capacidade do governo de criar crises para si mesmo". Nesse cenário, "o desânimo tomou conta dos agentes de mercado, e o risco de atraso no cronograma de tramitação da PEC [proposta de emenda à Constituição] e de redução ainda maior da potência fiscal da reforma foi incorporado aos preços dos ativos", diz Teixeira.

Entrevista: ‘Crise econômica e corrupção contribuem para insatisfação com a democracia’

Entrevista com Steven Levitsky, professor de Ciência Política da Universidade Harvard (EUA)

Professor de Harvard cita caso brasileiro ao analisar desalento da população com a democracia: ‘Tempestade perfeita’

Paulo Beraldo e Vítor Marques / O Estado de S.Paulo


Para o cientista político e professor de Harvard (EUA) Steven Levitsky, um dos autores de Como as Democracias Morrem, a combinação de crise econômica e escândalos de corrupção explica, em parte, a descrença em regimes democráticos. “O Brasil é muito fácil de explicar. O País vivenciou a tempestade perfeita nos últimos cinco anos”, disse ele ao Estado.

Levitsky falou ainda sobre o surgimento de líderes autoritários e como é possível consertar o problema, já que o descontentamento com o funcionamento da democraciae o crescimento do radicalismo político se tornaram fenômenos globais, conforme apontaram pesquisas divulgadas no mês passado pelo Pew Research Center e pelo Instituto Ipsos.

• Uma pesquisa do Pew Research Center feita com mais de 30 mil pessoas de 27 países entre maio e agosto de 2018 mostra que 51% dos entrevistados se dizem insatisfeitos com o funcionamento da democracia em seu país. No Brasil, a taxa é de 83%. O que explica esses números?

São muitos motivos. O principal é que há um sério declínio na satisfação com a democracia quando ela não está indo bem. E um dos principais fatores que influenciam essa percepção é a economia. Na América Latina, sempre que um país entra em crise econômica, como a Argentina no início dos anos 2000 ou o Brasil depois de 2014, quase sempre a satisfação com a democracia cai. O outro grande fator é a corrupção. Quando há percepção de que, governo após governo, a classe política é corrupta, isso contribui para a baixa satisfação com a democracia. Então, as pessoas acreditam que os governos que estão elegendo não são responsáveis por elas como deveriam, que estão roubando dinheiro público, e isso tudo reduz a satisfação. O Brasil é muito fácil de explicar. O País vivenciou a tempestade perfeita nos últimos cinco anos: uma crise econômica terrível combinada com escândalos massivos de corrupção e altos níveis de violência e criminalidade.

• Outra pesquisa, realizada pelo Ipsos, identificou que a polarização no Brasil atingiu nível de intolerância superior à média internacional de 27 países. Segundo o instituto, 32% acreditam que não vale a pena conversar com pessoas de diferentes visões políticas. Como isso pode afetar a democracia brasileira?

A democracia requer que as pessoas com diferentes crenças e visões políticas possam conviver e dialogar em outras esferas da vida, apesar das diferenças. Quando os níveis de polarização são muito altos, a democracia está em perigo. Sempre que olhamos para um político rival e não o vemos como alguém para discordar, mas como um inimigo, uma ameaça para a nação, um criminoso, quando deixamos de tolerá-lo, começamos a contemplar a possibilidade de ações extraordinárias. Quanto mais polarizado um lado é, mais propensos estamos a tolerar ou aceitar abusos contra ele. Mais dispostos estamos a aceitar que o líder do outro partido seja preso, exilado, ou que um jornal de oposição seja fechado. Esse nível de polarização está muito evidente no Brasil e nos Estados Unidos, e é o prenúncio de uma crise democrática.

Frei Betto: Escalada contra a democracia

Prefiro guardar o pessimismo para dias melhores; contudo, prevejo tempos difíceis para o Brasil

Não faço parte do time das pitonisas. Prefiro guardar o pessimismo para dias melhores. Contudo, prevejo tempos difíceis para o Brasil, a menos que a nossa indignação se transforme em mobilização. Pelo andar da carruagem, nossa frágil democracia se encontra ameaçada, e nossa liberdade de expressão, amordaçada.

Os sinais não são promissores. Nada indica que a economia brasileira sairá em breve do atoleiro em que se encontra. O número de desempregados passa de 13 milhões. As previsões do PIB de 2019 encolhem a cada novo balanço. No início do atual governo, acreditava-se que cresceria 2,2%. Agora, se prevê 1,7%. O Brasil retrocede.

Ainda que alguma reforma da Previdência seja aprovada (sem afetar os privilégios do andar de cima, é claro), nada indica que virão do exterior investimentos substanciais. Nosso país está desacreditado. Quem se aventura a embarcar em um navio avariado? E há outras opções mundo afora para os investidores. Preferem multiplicar seu capital em economias robustas e confiáveis.

*Fernando Limongi: Poderes em desarmonia

- Folha de S. Paulo / Ilustríssima

Modelo brasileiro tornou presidente o maior legislador do país, escreve cientista político

Escrita por congressistas, a Constituição de 1988 reforçou os poderes do Executivo e do Judiciário em detrimento do Legislativo. Prevaleceu, como sintetizou o ministro do Supremo Tribunal Federal Luís Roberto Barroso, a falta de confiança no legislador ordinário.

Os efeitos dessa desconfiança para as relações Executivo-Legislativo são conhecidos. O temor da possível inoperância do Legislativo levou à reorganização do processo decisório e à concentração dos poderes de agenda nas mãos do presidente da República. O resultado prático desse modelo foi tornar o chefe do Executivo o principal legislador do país.

O redesenho do Poder Judiciário e as novas atribuições que recebeu foram produtos do mesmo espírito. Para além de seu papel de árbitro, o Judiciário foi dotado de uma gama de prerrogativas para ir muito além de mero intérprete do texto constitucional.

Juristas sem conta saíram a campo para defender suas versões particulares do alcance do novo modelo. Principal referência desta geração, escrevendo em 2010, Luís Roberto Barroso deu a sustentação teórica à nova postura: “O ativismo judicial é uma atitude, a escolha de um modo específico e proativo de interpretar a Constituição, expandindo o seu sentido e alcance. Normalmente ele se instala em situações de retração do Poder Legislativo, de um certo descolamento entre a classe política e a sociedade civil, impedindo que as demandas sociais sejam atendidas de maneira efetiva”.

A desconfiança nos demais Poderes é inversamente proporcional a que se deposita no Judiciário.
Na lida diária do STF, os primeiros salvos vieram com censuras ao recurso à edição de medidas provisórias, tido como abusivo.

Contudo, até o final do mandato de Fernando Henrique Cardoso, a despeito dos inúmeros apelos da oposição, o STF optou por não se imiscuir nas relações entre o Executivo e o Legislativo e, muito menos, nas questões internas ao próprio Legislativo, como o questionamento à interpretação do regimento interno e abertura de CPIs.

*Adrian Gurza Lavalle: Sem ativismo, sem balbúrdia, sem o outro

- Folha de S. Paulo / Ilustríssima

Bolsonaro quer tornar condições para mobilização ainda mais hostis

Nas democracias, a relação amiúde conflituosa entre mobilização social e instituições governamentais e administrativas não apenas é normal como também exprime dinâmicas básicas que constituem o cerne da própria democracia.

Políticos, independentemente de sua posição no espectro, normalmente compreendem com sabedoria prática essas dinâmicas, mesmo quando lhes são desfavoráveis ou desgostam de seus resultados.

Nas democracias, a mobilização e o ativismo social dirigidos a contestar as decisões das autoridades políticas são legítimos porque, embora o governo em turno possa definir e implementar as políticas que julgar adequadas —pois para tanto passou pelo crivo das urnas—, os cidadãos não são obrigados a concordar com as decisões tomadas em seu nome, nem os grupos sociais a aguardar a próxima eleição para exprimir sua insatisfação.

Mais: a mobilização social e o ativismo são em princípio valiosos porque alertam a sociedade sobre interesses e problemas correta ou incorretamente preteridos pelo jogo e pela inércia da política.

O Brasil é inóspito ao ativismo social. Relatórios comparativos internacionais das entidades Global Witness e Anistia Internacional, publicados em 2018, situam o país entre aqueles com maior número de assassinatos de ativistas dedicados à defesa dos direitos humanos e do meio ambiente.

O governo do presidente Jair Bolsonaro tem se mostrado determinado a tornar ainda mais hostis as condições para a mobilização social.

Não apenas reiterou, durante a campanha, que iria acabar com o ativismo como, após eleito, continuou a incentivar o ódio e a violência pelas redes sociais. Mantém firme o compromisso de alargar os excludentes de ilicitude, conforme pode ser constatado não apenas nas alusões constantes ao assunto mas no pacote anticrime do ministro Sergio Moro.

*Timothy Garton Ash: Em defesa da Europa

- O Estado de S.Paulo

Sete décadas após o fim da 2.ª Guerra em solo europeu, a Europa que construímos desde então está sob ataque da extrema-direita

Enquanto a Catedral de Notre Dame queimava, o partido de Marine Le Pen empatava nas pesquisas com o movimento de Emmanuel Macron pelo que ele chama de “renascimento europeu”. Na Espanha, um partido de extrema-direita chamado Vox, que promove ideias nacionalistas reacionárias contra as quais a democracia pós-franquista da Espanha fora supostamente imunizada, ganhou a preferência de um em cada dez eleitores em uma eleição nacional.

Os populistas nacionalistas governam a Itália, onde um bisneto de Benito Mussolini concorre ao Parlamento Europeu na lista dos chamados Irmãos da Itália. Na Grã-Bretanha, as eleições europeias de 23 de maio podem ser vistas como um outro referendo sobre o Brexit, mas a luta subjacente é a mesma de nossos colegas europeus. Nigel Farage é um Le Pen em uma icônica jaqueta Barbour.

Enquanto isso, para marcar o 30.º aniversário da Revolução de Veludo de 1989, o partido governista Lei e Justiça da Polônia denunciou uma carta dos direitos LGBT + como um ataque às crianças. Na Alemanha, a Alternative für Deutschland (AfD) adota com sucesso uma retórica ‘völkisch’ (movimento popular) que acreditávamos ter sido derrotado para sempre, embora agora use muçulmanos como bodes expiatórios em vez de judeus. Lembre-se do aviso de Bertolt Brecht: “O útero do qual isso rastejou permanece fértil”.

Viktor Orbán, o jovem herói revolucionário de 1989 tornou-se o buldogue neo autoritário, efetivamente demoliu a democracia liberal na Hungria, usando ataques antissemitas contra o bilionário George Soros e generosos subsídios da UE. Ele também desfrutou de proteção política de Manfred Weber, o político bávaro que o Partido do Povo Europeu, o poderoso agrupamento de centro-direita da Europa, sugere que seja o próximo presidente da Comissão Europeia. Orbán resumiu a situação da seguinte forma: “Havia 30 anos, achávamos que a Europa era o nosso futuro. Hoje acreditamos que somos o futuro da Europa.”

O italiano Matteo Salvini concorda, a ponto de ser anfitrião de um comício eleitoral dos partidos populistas de direita da Europa, uma internacional de nacionalistas, em Milão no final deste mês.

Certamente, o espetáculo de um país outrora grandioso, reduzido a um ridículo global, numa farsa trágica chamada Brexit, silencia toda a conversa sobre Hungexit, Polexit ou Italexit. Mas o que Orbán e companhia pretendem é mais perigoso. Farage apenas quer sair da UE; eles propõem desmantelá-la de dentro, retornando a uma mal definida “Europa das nações”, obviamente muito mais desunida.

Para onde quer que se olhe, velhas e novas fendas aparecem, entre o norte e o sul da Europa, catalisadas pela crise da zona euro, entre o Ocidente e o Oriente, revivendo os antigos estereótipos do orientalismo intraeuropeu (Ocidente civilizado, Oriente bárbaro), entre duas metades de cada sociedade europeia, e mesmo entre a França e a Alemanha.Para qualquer um que tenha uma visão mais ampla, esses crescentes sinais de desintegração europeia não devem ser uma surpresa. Não é este um padrão familiar da história europeia? 

*Denis Lerrer Rosenfield: O homem da cadeira de rodas

- O Estado de S.Paulo

Que o Brasil tenha mais pessoas com a visão do general Villas Bôas!

O homem da cadeira de rodas fez o Brasil caminhar para a frente em momentos delicados da História recente. Soube enfrentar várias crises, sempre preocupado com o destino do País, enquanto bem maior a ser preservado. Nos últimos anos, o general Eduardo Villas Bôas foi acometido de doença degenerativa que o destinou a uma cadeira de rodas, sem que por isso tenha perdido sua mente de estrategista nem sua dignidade moral.

Já o vi, numa ocasião, falando em sua casa com o ex-presidente da República acerca da sucessão no Ministério da Defesa, defendendo com fidalguia a posição do Exército e das Forças Armadas em geral, com toda a sua dificuldade de locomoção. Nada disso afetava sua capacidade analítica. A janta transcorria normalmente, com sua mulher, dona Cida, dando-lhe de comer na boca. Fui tomado por um sentimento intenso de beleza moral, se posso utilizar tal expressão. A doença desaparecia pelo ato de amor dela e de sua filha. A conversa transcorria normalmente, como se isso fosse – como foi – um mero acidente.

Trago aqui o testemunho da amizade para melhor expressar a minha indignação com os ataques de que Villas Bôas foi objeto, vindos do ideólogo do presidente e de sua família. Recorrer à condição física do general como meio de insulto é abjeto. Que o digam outros deficientes físicos do País. E isso porque ousou tomar posição contra ataques que as Forças Armadas, e o Exército em particular, têm sofrido.

A situação é propriamente surrealista: um ideólogo que mora por decisão própria nos EUA tutela o grupo ideológico presidencial, criando conflitos intermináveis, enquanto o governo não consegue enfrentar os problemas mais básicos do País, como crescimento econômico, desemprego, investimentos e distribuição de renda. O Brasil tornou-se refém de posições ideológicas que nos impedem de andar para a frente. Sentado, em sua cadeira de rodas, o general caminha melhor do que aqueles que o atacam.

Cida Damasco: Sinal de alerta

- O Estado de S. Paulo

Desmonte em áreas sociais, como educação, ameaça o futuro da economia

Não é mais questão de paciência. Passou o “período de experiência” de 100 dias e não há sinais claros do que virá pela frente. Pode até parecer, à primeira vista, que o governo está parado. Mas, na verdade, o presidente e pelo menos parte de sua equipe – incluindo o guru Olavo de Carvalho – movem-se alucinadamente, ora para um lado ora para outro, e só fazem ampliar o buraco em que se afundou o País. Parada mesmo está a economia, que deve fechar o terceiro ano consecutivo com um “pibinho” próximo de 1%.

São exatos 133 dias de uma desastrada articulação política, de retrocessos e desmontes nas áreas sociais e de metas comprometidas ou abandonadas. Mais um pouco e chegamos ao fim do semestre. Com vários índices de crescimento, todos indesejáveis: mais desemprego, mais desalento, mais desigualdade. Quem examina apenas os números de desempenho dos mercados, pode até imaginar que estamos falando de um outro País. E de uma outra economia.

A Bolsa de Valores de São Paulo opera na faixa dos 95 mil pontos, o número de investidores ativos já supera 1 milhão. E o dólar, apesar dos sustos constantes com Trump, mantém-se abaixo dos R$ 4. Mais: pesquisa recente do BTG Pactual/FSB mostra que o governo Bolsonaro ainda tem um razoável crédito de confiança entre o público preferencial formado por empresários e executivos, com 59% de aprovação – 17 pontos abaixo da registrada pela CNI/Ibope, que mede a avaliação do governo pela população em geral. Especialmente nos mercados, os observadores parecem mirar diretamente um futuro quase utópico. Como se fosse possível ignorar a dura realidade do presente.

*André Lara Resende: Liberalismo e dogmatismo

- Valor Econômico

Neste início de século, o dogmatismo ameaça derrotar também nossa frágil democracia liberal

No início da década, a Grécia se viu obrigada a fazer um extraordinário ajuste fiscal. Tendo sido beneficiada pela condição de membro da União Europeia, o que lhe permitiu financiar sua dívida a juros baixos, a Grécia tinha sido fiscalmente irresponsável. Com a crise financeira de 2008, a realidade bateu à porta. Os mercados, sempre dispostos a absorver mais dívida quando a maré está alta, com o refluxo, secaram. O aumento do prêmio de risco cobrado pelos bancos tornou a dívida, além de muito alta, também muito onerosa.

Yanis Varoufakis, à época um professor visitante na Universidade do Texas-Austin, foi o primeiro a afirmar o que qualquer pessoa com uma noção básica de aritmética poderia constatar: a dívida grega era impagável. A Comissão Europeia, o Banco Central Europeu e o FMI, a Troica, preocupados com o impacto sobre o sistema bancário, decidiram entender que não, que a Grécia deveria fazer um drástico ajuste fiscal e refinanciar a dívida. O ajuste foi feito. O déficit, de mais de 10% do PIB em 2010, foi revertido. Em 2017 a Grécia, a Alemanha, a Dinamarca e a Suécia, eram os únicos países da União Europeia com superávit fiscal.

O resultado pode ser avaliado por alguns números. O desemprego, que já era alto antes do início do ajuste, quase de 10%, três anos depois chegou a 28% da força de trabalho e a mais de 60% entre os jovens. No ano passado o desemprego ainda estava perto de 20% e o PIB tinha caído mais de 30% em relação a 2010. A dívida, que era equivalente a 150% do PIB em 2010, depois de quase uma década de ajuste, chegou a 180% do PIB. Mas os números, por mais impressionantes que sejam, não podem exprimir a dimensão da verdadeira tragédia que se abateu sobre a Grécia. O país foi destroçado.

Em 2015, depois de três anos de ajuste fiscal, a população exprimiu sua rejeição ao estrangulamento econômico a que o país estava sendo submetido. Um novo partido de esquerda, o Syriza e seu jovem lider, Alex Tsipras, venceram as eleições. Varoufakis foi convocado para ser o ministro da fazenda e renegociar a dívida. Condicionou a sua aceitação a ser eleito para o congresso. Sem jamais ter exercido qualquer cargo público, em menos de três meses de campanha, foi eleito o deputado mais votado da história. Ministro, enfrentou a tecnocracia europeia e o FMI, procurando demonstrar a inviabilidade do ajuste como exigido pela Troica. Convocou um referendo para avalizar a sua proposta alternativa. Saiu vitorioso das urnas, mas foi derrotado pela tecnocracia. O governo cedeu à Troica e Varoufakis voltou à academia e ao ativismo político. O seu livro, Adults in the Room, publicado em 2017, que resenhei para a revista Quatro Cinco Um, é uma fascinante incursão pelos bastidores das forças políticas do mundo contemporâneo.

Entrevista: 'Democracia requer que políticos vejam opositores como legítimos'

Entrevista com Sheri Berman, professora da Universidade Columbia (EUA)

Professora de Columbia critica a polarização e diz que o regime democrático exige ‘acordo e negociação’

Paulo Beraldo e Vítor Marques / O Estado de S.Paulo

No Brasil, a imensa maioria (83%) se diz insatisfeita com o funcionamento da democracia, segundo o Pew Research Center, e a polarização no País é recorde: 32% dos brasileiros acreditam que não vale a pena tentar conversar com pessoas que tenham visões políticas diferentes das suas, de acordo com o Ipsos.

Para a professora da Universidade Columbia (EUA) Sheri Berman, essa insatisfação "reflete um sentimento de que políticos, partidos e governos não estão 'ouvindo' as pessoas nem resolvendo seus problemas". "Democracia requer acordo e negociação. Também exige que os cidadãos e os políticos vejam a oposição como legítima", afirmou Sheri ao Estado.

• Uma pesquisa do Pew Research Center feita com mais de 30 mil pessoas de 27 países entre maio e agosto de 2018 mostra que 51% dos entrevistados se dizem insatisfeitos com o funcionamento da democracia em seu país. No Brasil, a taxa é de 83%. O que explica esses números?

Há uma diferença entre estar insatisfeito com o funcionamento da democracia e estar insatisfeito com a democracia. Estar insatisfeito com o funcionamento da democracia não é fatal, mas altos níveis de insatisfação com a democracia em geral podem ser. A insatisfação com o funcionamento da democracia reflete um sentimento de que políticos, partidos e governos não estão “ouvindo” as pessoas nem resolvendo seus problemas. Em grande medida, este sentido não é infundado. No Brasil, os cidadãos têm todo o direito de estar com raiva com corrupção, crime, pobreza e muito mais. E os cidadãos nos EUA e na Europa também têm muitas razões para se frustrarem. Mas reconhecer que políticos, partidos e governos não fizeram um bom trabalho não é desculpa para apoiar aqueles que ameaçam a própria existência da democracia.

Entrevista: Historiador vê o Brasil ‘se distanciando de ser um país viável’

Para José Murilo de Carvalho, riscos de fragmentação política são reais e Bolsonaro pode ir “pelo mesmo caminho” dos governos breves de Jânio e Collor.

Sonia Racy / O Estado de S. Paulo

O desafio central da democracia brasileira, hoje, é “incorporar à sociedade e ao mercado as massas incluídas na política via governos republicanos”. E essa é uma tarefa urgente porque, até aqui , o sistema “não tem sido capaz de absorver a invasão de povo que se deu após a década de 1930”.

É com esse olhar panorâmico de historiador que José Murilo de Carvalho faz suas contas sobre os 100 dias de governo Bolsonaro. O País, diz ele, tem um presidente “com precário suporte partidário, visão estreita do mundo e um governo errático”. As incertezas de hoje lhe trazem à memória os curtos períodos dos presidentes Jânio Quadros (janeiro a agosto de 1961) e Fernando Collor (1990 a 92). O cientista político da UFRJ vê Jair Bolsonaro indo “pelo caminho desses antecessores”. E aonde isso vai dar? “Os problemas tendem a se acumular e vamos nos distanciar da meta de um país viável”.

Nesta entrevista a Gabriel Manzano, o autor – com mais de 20 livros publicados –, que integra a Academia Brasileira de Letras e também a de Ciências, afirma que “o tsunami das redes sociais aumentará a fragmentação política”. Mas pondera, também, que “há sempre espaço para as recomposições políticas, dependendo da criatividade e da qualidade das lideranças”. A seguir, os principais trechos da conversa.

• De que modo definiria a experiência política que o País viveu nestes 100 dias sob o governo Bolsonaro?

Já passamos por Jânio Quadros e Fernando Collor, os breves. Ambos foram impulsionados por eleitorado, em boa parte de classe média, insatisfeito com os padrões éticos vigentes na política, o primeiro brandindo uma vassoura, o segundo atacando marajás. Descuidados, ambos, do apoio parlamentar e partidário. Jânio governou por bilhetinhos, proibiu brigas de galo e biquínis, tentou um autogolpe, falhou e renunciou. Collor congelou a poupança dos outros, rivalizou com os marajás no trato com a coisa pública e renunciou sob a ameaça de impeachment.

• Qual a comparação entre os dois e atual presidente?

Bolsonaro também surfou na onda anticorrupção – no caso, levantada pela Operação Lava Jato. Como seus dois antecessores, ele tem precário suporte partidário, postura autocrática na política, uma visão em preto e branco do Brasil e governo errático. Vai pelo caminho dos dois antecessores.

• A nova equipe no Planalto revela falta de projeto nacional e uma escassa familiaridade com os processos do poder. Acredita que a força da ideologia – alardeada pela direita agora no poder – basta para garantir sua solidez no governo? Ou ele se desgasta aí pela frente?

Desgasta-se e se enfraquece. É um capitão cercado de generais (ainda bem) e por uma prole turbulenta, com visão estreita do mundo, sem plano geral de governo, com algumas propostas que podem ser desastrosas para o País, como as que se referem à política externa, à educação, ao meio ambiente, aos direitos humanos. Ele parece esquecer-se de que boa parte dos votos que o elegeram não foi a seu favor, mas contra o partido de seu adversário. Com pouco tempo na Presidência, já viu o apoio a seu governo cair a níveis mais baixos que os de seus antecessores. Seus dois ministros mais respeitados, o da Fazenda e o da Justiça, veem-se com frequência desautorizados e podem desembarcar do governo.

• Como a esquerda sumiu do mapa, pode-se dizer que o País vive um novo momento? Como compara a atual “virada política”, que foi pelo voto, a rupturas como as de 1930, 1946, 1964?

Como sugeri acima, comparo a eleição do atual presidente com as de Jânio e de Collor. Todas as três democráticas e legítimas – ponto que nunca se deve esquecer, sob pena de se cometerem sérios erros de diagnóstico provocados pela ênfase excessiva em personalidades. Nenhuma dessas eleições configurou propriamente virada política. Foram antes sintomas de problemas com nosso sistema representativo, que não tem sido capaz de absorver a invasão de povo que se deu após a década de 1930.

*Marcus André Melo: O 'shutdown' do governo

- Folha de S. Paulo

Governo mira a reforma da previdência quando anuncia cortes

O que explica os anúncios com fanfarra pelo governo federal de "cortes" orçamentários, considerando que tais ações há décadas são corriqueiramente feitas através de decretos de contingenciamento de baixa visibilidade?

Entendidos como ataques políticos a setores que têm se mostrado hostis ao bolsonarismo, os cortes anunciados parecem ter tido um claro propósito estratégico: aumentar a visibilidade do déficit fiscal que é o leitmotiv da reforma da Previdência. Em outras palavras, o que se busca é o efeito de "priming" sobre a questão fiscal.

A truculência dos anúncios —cortes muito elevados (30%) em setores variados— não é gratuita: há método na loucura. Não há emergência federal —e.g. hiperinflação, crise cambial— que os justifique.

A reação exacerbada aos cortes —de manifestações de reitores a protestos de discentes— foi consistente com a lógica política que os informou. Tais eventos levaram o núcleo duro do bolsonarismo a uma ampla contrarreação nas redes sociais publicizando fatos bizarros ocorridos nas universidades públicas. Nessas arenas e sobre esses temas o bolsonarismo tem vantagem comparativa.

*Celso Rocha de Barros: O Olavo é o Jair

- Folha de S. Paulo

O olavismo é o partido autoritário que falta ao bolsonarismo

O prestígio de Olavo de Carvalho junto a Bolsonaro, mesmo diante do caos que os olavistas instauraram no governo, é um mistério absoluto para quem imagina que Bolsonaro está tentando fazer um governo normal. Mas já passou da hora de abandonar essa premissa.

Jair Bolsonaro não tem nada para fazer em um governo normal. Não entende de nenhum assunto, não sabe fazer articulação política, nunca demonstrou interesse em um único problema brasileiro.

Seu interesse ao ganhar a Presidência era repetir o roteiro que os novos autoritários vêm seguindo na Hungria, na Polônia, na Turquia, e, sim, na Venezuela: destruir as instituições da liberdade pouco a pouco, de linchamento em linchamento, de fraude em fraude, tudo isso embrulhado na indignação pós-Lava Jato que soa tão mal na boca de um filho do centrão como Bolsonaro.

Se não o deixarem destruir a democracia, o Jair, repito, não tem nada para fazer.

Os militares têm. Como bem disse Demétrio Magnoli na Folha de sábado (11), os militares queriam fazer parte de um governo normal.

Mas como bem disse Reinaldo Azevedo na Folha de sexta-feira (10), dos militares Bolsonaro só quis a honorabilidade, não as opiniões.

É errado dizer que Olavo ofende os militares a despeito de Bolsonaro. Bolsonaro apoia Olavo exatamente porque ele ofende e desmoraliza os militares, assim como ofende e desmoraliza qualquer um que pretenda manter Bolsonaro dentro dos limites da normalidade institucional.

Luiz Weber: Moro em impedimento

- Folha de S. Paulo

Presidente Bolsonaro furou o balão do superministro da Justiça

O presidente Bolsonaro furou o balão de Moro. Sobra agora apenas aquele barulho agudo, do ar escapando fino, desinflando aos poucos a figura do superministro da Justiça.

A indicação de Moro para a próxima vaga no STF (salvo o acaso, que só ocorrerá daqui a 18 meses, com a aposentadoria de Celso de Mello), submete-o desde já ao ritual do beija-mão.

De presidenciável em 2022, passa a refém da política miúda. A regra explica. Cabe ao Senado, em sessão secreta e por 41 votos, aprovar o indicado do presidente ao Supremo.

No passado, outros ministros da Justiça foram nomeados para o STF e todos os candidatos se submetem ao périplo dos gabinetes. Mas nunca com tanta antecedência. No jargão da velha política, exposição prematura leva o nome de fritura.

Moro se referiu ao STF como uma "loteria". Quando se quer muito algo, o pedágio imposto pelo Congresso é maior. Para tirar seu bilhete premiado, o ministro vai insistir na aprovação do projeto anticrime que afetará o status quo político?

Vinicius Mota: Não cresce por que?

- Folha de S. Paulo

Enredo de rupturas, intromissões e abusos joga país em um estado de incertezas

Há ampla capacidade ociosa nas empresas brasileiras, 13,4 milhões de desempregados dispõem-se a trabalhar, os juros básicos são os mais baixos em 25 anos e predomina a expectativa de que a reforma previdenciária será aprovada.

O Brasil, porém, não se move. A economia embica de volta para a recessão antes de ter-se recuperado da depressão de 2014-16. Por quê?

Porque, abraçadas à segunda gestão Lula da Silva, a elite empresarial e a política patrocinaram a ruptura do programa reformista implantado na administração Itamar Franco.

Porque o Supremo Tribunal Federal pôs-se a meter-se onde não devia e a reformar os regramentos da política ao sabor dos palpites de seus integrantes. Ministros tornaram-se pequenos czares inebriados com o poder, incontrastável na República, de fazer trovejar sobre as instituições e a vida das pessoas e das empresas.

Ricardo Noblat: Suprema maldade com Moro

- Blog do Noblat / Veja

De mãos abanando
Deputados e senadores ferozmente contrários à aprovação do pacote de combate ao crime e à corrupção enviado pelo governo ao Congresso cogitam uma suprema maldade para atingir diretamente o ministro Sérgio Moro, da Justiça e da Segurança Pública, a quem temem e querem ver pelas costas.

Moro foi o autor do pacote. E uma das medidas ali propostas proíbe a indicação para o Supremo Tribunal Federal de quem tenha, nos quatro anos anteriores, “ocupado mandato eletivo federal ou cargo de procurador-geral da República, advogado-geral da União ou ministro de Estado”.

A maldade em estudo: aprovar só parte do pacote, desidratado das medidas mais duras contra a corrupção e de outras que, segundo eles, demonizam a política. Mas manter entre as medidas aprovadas a que impediria Moro de ser indicado a ministro do Supremo como o presidente Bolsonaro promete fazer.

Pela primeira vez em público, Bolsonaro confessou que garantiu a Moro fazê-lo ministro do Supremo, condição para que ele afinal aceitasse ser ministro do seu governo. Sua entrevista à rádio Bandeirantes foi uma maneira de afagar o ex-juiz no momento em que Moro só colhe dissabores.

O mais recente deles foi a aprovação por Comissão Especial do Congresso da devolução ao Ministério da Economia do Controle de Atividades Financeiras (COAF), órgão que na Medida Provisória que deu nova configuração administrativa ao governo foi transferido para o ministério ocupado por Moro.

Dissabor tão recente quanto foi também a assinatura por Bolsonaro do decreto que ampliou o porte de armas. Moro teve apenas 24 horas para examinar o decreto e dar sua opinião. Foi contra ampliação tão ambiciosa. Fez uma série de reparos. Não foi atendido por Bolsonaro.

Daí o afago que ganhou ontem do presidente. “Eu fiz um compromisso com ele porque ele abriu mão de 22 anos de magistratura. Eu falei: a primeira vaga que tiver lá, vai estar a sua disposição”, declarou Bolsonaro, a propósito da futura indicação de Moro para uma vaga de ministro no Supremo.

Tradução do recado de Bolsonaro para Moro: fique comigo até o fim do próximo ano que cumprirei o que combinamos. É claro que a nomeação depende da aprovação do seu nome pelo Senado, e aí é com você. (Moro entrou numa fria por excesso de vaidade.)

Para que Bolsonaro tenha renovado seu compromisso com Moro, expondo o ex-juiz a críticas dos seus desafetos, só parece haver uma explicação razoável: Moro, como alguns dos seus assessores admitiram, ameaçou largar o ministério por já ter sido obrigado a engolir muitos sapos.

É possível fazer boa política: Editorial / O Estado de S. Paulo

Muito se tem falado da velha e da nova política. Esta seria a grande solução dos problemas nacionais, enquanto aquela é apontada como o grande conluio que atrasa o País. No entanto, mais do que uma questão de novidade ou ineditismo, o que o Brasil precisa urgentemente é da boa política, seja ela nova ou velha, capaz de construir consensos e articular apoios sempre em favor do interesse público, numa atuação que supere questões meramente eleitoreiras ou ideológicas.

A boa política não é um desejo utópico. Há exemplos já ocorrendo, em número maior do que às vezes se costuma admitir. Recentemente, uma jovem parlamentar foi protagonista de um desses casos. A deputada federal Tabata Amaral (PDT-SP) criou rebuliço ao defender publicamente a necessidade de uma reforma da Previdência. Como se sabe, seu partido fechou questão contra a mudança das regras previdenciárias. “São tantos fatores contribuindo (para a necessidade de uma reforma da Previdência) que não deveria ser uma coisa de esquerda ou de direita”, disse Tabata Amaral ao Broadcast.

Na entrevista, ela mostrou as contradições de uma atuação política baseada em estereótipos. “Eu não consigo entender. Quem é progressista, quem tem a luta social como algo do sangue mesmo, como que essas pessoas não se posicionam contra a desigualdade que é perpetuada pela Previdência?”, indagou a parlamentar. Os partidos de esquerda no Brasil têm sido sistematicamente contrários à reforma da Previdência. Batalham, assim, pela manutenção dos privilégios e o agravamento das desigualdades sociais.

Populistas no Brasil: Editorial / O Estado de S. Paulo

Estudo realizado pelo Instituto para Políticas Públicas da Universidade de Cambridge, em parceria com o jornal The Guardian, mostrou que, entre os 19 países pesquisados, o Brasil é o que tem a população mais inclinada ao populismo. A pesquisa define populismo como “uma ideologia estreita - ou seja que, se dirige só a uma parte da agenda política - que separa a sociedade em dois grupos antagônicos”, isto é, “o povo puro” contra “a elite corrupta”, e sustenta que a política deve ser “a expressão da vontade geral do povo”.

Os entrevistados identificados como inclinados ao populismo responderam que concordavam “fortemente” com as seguintes afirmações: “Meu país está dividido entre pessoas comuns e as elites corruptas que as exploram” e “A vontade do povo deveria ser o princípio mais alto na política de um país”. Na média, os populistas correspondem a 22% do eleitorado global; no Brasil, são 42%, o mais alto porcentual do ranking, seguido da África do Sul. A explicação, segundo os pesquisadores, é que ambos os países foram “devastados por anos de corrupção que deterioraram a fé não somente na classe política, como também nas instituições democráticas”. Entre os brasileiros, 84% concordam “fortemente” ou “tendem a concordar” que o seu Estado “é totalmente governado por uns poucos figurões que buscam seu próprio interesse”, índice similar para homens e mulheres, pessoas de todas as idades e eleitores dos maiores partidos.

Desemprego e subemprego: Editorial / O Estado de S. Paulo

É possível identificar várias tendências positivas nos dados do mercado de trabalho mostrados pela Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (Pnad) Contínua relativa ao trimestre móvel janeiro-março de 2019. Números relevantes, como os relativos a total de pessoas empregadas, qualidade do emprego e renda, mostram avanço em relação aos dados de um ano antes. São indicações de que o mercado de trabalho melhorou em relação à situação de 2018. Mas a melhora tem sido lenta e não há, por enquanto, sinais de que ela possa se acelerar nos próximos meses, pois a abertura de postos de trabalho, especialmente os de melhor qualidade e que oferecem remuneração mais alta, está condicionada à retomada dos investimentos e do crescimento, mudança por sua vez condicionada à confiança dos investidores e das famílias. Quando não o agrava, essa lentidão retarda a superação de um quadro socialmente dramático decorrente da falta de emprego e que, sob alguns aspectos, vem se deteriorando. Se há motivos para algum otimismo, há outros que causam preocupação. O fato de faltar trabalho para 28,3 milhões de pessoas é apenas um deles.

A taxa de desocupação no País ficou em 12,7% no trimestre encerrado em março, de acordo com a Pnad Contínua, elaborada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Esse resultado é melhor do que o de um ano antes, quando a taxa de desemprego atingiu 13,1%, mas pior do que o do último trimestre de 2018, de 11,6%. A taxa do trimestre janeiro-março indica que havia 13,4 milhões de pessoas desempregadas no período.

Corte de despesas atende ao cumprimento da LRF: Editorial / Valor Econômico

Muitos ficaram chocados com o bloqueio de dotações orçamentárias do Ministério da Educação e reagiram como se estivessem vendo um raio em dia de céu azul e o corte fosse algo extemporâneo. Sem entrar no mérito da questão - se a área de educação deveria ser atingida por cortes -, o que surpreende é a "surpresa" dos críticos. Será que se esqueceram de que as finanças públicas, no conceito consolidado (União, Estados e municípios), estão no vermelho desde 2014 e que o Tesouro só consegue cobrir as despesas por meio do aumento da dívida pública, que, em março, chegou a 78,4% do PIB?

A educação não foi a única área afetada. Todos os órgãos, com exceção do Ministério da Saúde, sofreram bloqueio de verbas. A medida, decorrente de determinação legal, transformou-se numa trapalhada, produzida pela própria comunicação oficial. Inicialmente, o governo informou que puniria universidades federais onde houvesse "balbúrdia" - foram citadas a UnB (Brasília), a UFBA (Bahia) e a UFF (Federal Fluminense). Depois, anunciou-se a aplicação de corte linear de 30% no conjunto das universidades.

A informação estava errada: o tamanho do corte variou de acordo com a situação de cada universidade, uma decisão acertada, uma vez que cortes lineares põem em risco a execução de programas bem-sucedidos, enquanto outros, sem mérito algum, são mantidos.

Crise da Venezuela expõe fragilidades militares do Brasil: Editorial / O Globo

Organizações narcoterroristas, como o ELN, já controlam cidades venezuelanas perto da fronteira

O colapso institucional da Venezuela, provocado pela cleptocracia liderada por Nicolás Maduro, era previsto pelas Forças Armadas brasileiras. Imprevista na Defesa externa foi a velocidade da convulsão no país vizinho do Norte. Daí a surpresa e o improviso que permeiam ações de contingência em zonas fronteiriças dos estados de Amazonas e Roraima.

A falha teve origem na qualidade das avaliações sobre a fragmentação da Venezuela realizadas pelos comandos do Exército, da Marinha e da Aeronáutica no último quinquênio. A corrosão institucional foi, em geral, tratada de forma tópica, com relativa superficialidade, até em documentos ostensivos. Somou-se a ambiguidade de uma diplomacia impulsionada pelo ativismo interesseiro de governos do PT que apoiaram explicitamente a ditadura chavista.

O processo de desmoronamento do Estado venezuelano impõe às Forças Armadas brasileiras uma reflexão, autocrítica mesmo, sobre a atual forma de organização, informação, análise, disponibilidade de meios adequados e agilidade na mobilização preventiva para defesa do território. O cenário nos 2,1 mil km da fronteira Norte requer atualizações urgentes no planejamento.

Mãos à obra: Editorial / Folha de S. Paulo

Governo Bolsonaro pode contribuir para reanimar a economia com projetos em infraestrutura, área em que ao menos dá sinais de caminhar bem

A esta altura parece difícil evitar que 2019 se converta em mais um período de desempenho econômico frustrante, mesmo que o Congresso venha a aprovar uma reforma satisfatória da Previdência. Entretanto resta muito a fazer, desde já, para que se obtenham resultados melhores nos próximos anos.

Da parte do governo Jair Bolsonaro (PSL), além de pôr fim à barafunda interna que mina a confiança do setor produtivo, cumpre contribuir ativamente para o crescimento com a viabilização de investimentos em infraestrutura. Esse setor do Executivo federal, ao menos, dá sinais de caminhar bem.

Houve uma rodada bem-sucedida de leilões no mês passado, em que foram passados para a iniciativa privada aeroportos, terminais portuários e até o trecho final da Ferrovia Norte-Sul —lista herdada de Michel Temer (MDB). Agora, a gestão atual dá seu primeiro passo.

Em reunião realizada na quarta-feira (8), incluíram-se 59 novos projetos no Programa de Parcerias em Investimentos (PPI), com desembolsos estimados em R$ 1,6 trilhão nos próximos 30 anos. O setor de óleo e gás deve responder por quase 90% desse valor.

No restante estão rodovias, linhas de transmissão, mais aeroportos, portos e até o término da usina nuclear de Angra 3.

Ainda não entraram na lista vendas de estatais, cuja modelagem está sendo estudada. Além das 134 empresas federais, boa parte delas na prática sem valor de mercado, há expressivas participações acionárias detidas pela União em companhias privadas. De todo modo, o governo indica que tratará da privatização da Eletrobras.

Castro Alves: A canção do africano

Lá na úmida senzala,
Sentado na estreita sala,
Junto ao braseiro, no chão,
Entoa o escravo o seu canto,
E ao cantar correm-lhe em pranto
Saudades do seu torrão ...
De um lado, uma negra escrava
Os olhos no filho crava,
Que tem no colo a embalar...
E à meia voz lá responde
Ao canto, e o filhinho esconde,
Talvez pra não o escutar!

"Minha terra é lá bem longe,
Das bandas de onde o sol vem;
Esta terra é mais bonita,
Mas à outra eu quero bem!

"O sol faz lá tudo em fogo,
Faz em brasa toda a areia;
Ninguém sabe como é belo
Ver de tarde a papa-ceia!
"Aquelas terras tão grandes,
Tão compridas como o mar,
Com suas poucas palmeiras
Dão vontade de pensar ...
"Lá todos vivem felizes,
Todos dançam no terreiro;
A gente lá não se vende
Como aqui, só por dinheiro".
O escravo calou a fala,
Porque na úmida sala
O fogo estava a apagar;
E a escrava acabou seu canto,
Pra não acordar com o pranto
O seu filhinho a sonhar!

O escravo então foi deitar-se,
Pois tinha de levantar-se
Bem antes do sol nascer,
E se tardasse, coitado,
Teria de ser surrado,
Pois bastava escravo ser.
E a cativa desgraçada
Deita seu filho, calada,
E põe-se triste a beijá-lo,
Talvez temendo que o dono
Não viesse, em meio do sono,
De seus braços arrancá-lo!

Moacyr Luz: Atravessado