segunda-feira, 13 de maio de 2019

Cida Damasco: Sinal de alerta

- O Estado de S. Paulo

Desmonte em áreas sociais, como educação, ameaça o futuro da economia

Não é mais questão de paciência. Passou o “período de experiência” de 100 dias e não há sinais claros do que virá pela frente. Pode até parecer, à primeira vista, que o governo está parado. Mas, na verdade, o presidente e pelo menos parte de sua equipe – incluindo o guru Olavo de Carvalho – movem-se alucinadamente, ora para um lado ora para outro, e só fazem ampliar o buraco em que se afundou o País. Parada mesmo está a economia, que deve fechar o terceiro ano consecutivo com um “pibinho” próximo de 1%.

São exatos 133 dias de uma desastrada articulação política, de retrocessos e desmontes nas áreas sociais e de metas comprometidas ou abandonadas. Mais um pouco e chegamos ao fim do semestre. Com vários índices de crescimento, todos indesejáveis: mais desemprego, mais desalento, mais desigualdade. Quem examina apenas os números de desempenho dos mercados, pode até imaginar que estamos falando de um outro País. E de uma outra economia.

A Bolsa de Valores de São Paulo opera na faixa dos 95 mil pontos, o número de investidores ativos já supera 1 milhão. E o dólar, apesar dos sustos constantes com Trump, mantém-se abaixo dos R$ 4. Mais: pesquisa recente do BTG Pactual/FSB mostra que o governo Bolsonaro ainda tem um razoável crédito de confiança entre o público preferencial formado por empresários e executivos, com 59% de aprovação – 17 pontos abaixo da registrada pela CNI/Ibope, que mede a avaliação do governo pela população em geral. Especialmente nos mercados, os observadores parecem mirar diretamente um futuro quase utópico. Como se fosse possível ignorar a dura realidade do presente.

À vista dessas contradições, a pergunta que surge é uma só. Faz sentido imaginar que a economia é uma ilha isolada e pode escapar de um tsunami? Antes de mais nada, a agenda da economia depende do aval do Congresso – e é justamente nessa agenda que investidores, empresários e executivos põem fé, como se ela fosse capaz de, rapidamente, resgatar a economia dessa paradeira.

É difícil aceitar que analistas qualificados fechem os olhos para a surra que o governo está levando no Congresso, como aconteceu com o projeto de enxugamento e remodelação dos ministérios, e se iludam com uma trajetória tranquila da reforma da Previdência. Mesmo que, no final das negociações o resultado seja ajustado, é inegável que o Congresso tenderá a “cobrar” um preço mais elevado para não impor uma derrota do governo. A disposição do governo de fazer concessões, além de “envergonhada”, não parece acompanhada de uma ação eficiente de suas lideranças.

É preciso considerar ainda que as barreiras ao bom desempenho da economia não estão erguidas apenas nesse terreno específico. Abrangem os desmandos na educação, no meio ambiente e nas relações exteriores, só para citar os casos mais agudos. Se há uma unanimidade em termos de prioridade, essa sem dúvida é a educação. Com alunos que saem do ensino fundamental sem noções de português e matemática, jovens que abandonam o ensino médio para engrossar a legião dos “nem nem” (nem estudam, nem trabalham) e completam o ensino universitário sem preparo para o novo mundo do trabalho, a educação brasileira inegavelmente precisa de recursos. E de gestão correta da aplicação desse dinheiro. Mas, sob impacto da crise fiscal, o governo corta um terço das verbas de universidades e até da educação básica, ameaça as instituições que formam “militantes” e as ciências humanas.

No meio ambiente, conseguiu-se praticamente uma unanimidade: todos os ex-ministros contra o atual comando da pasta, ao qual acusam de desmontar o que foi feito até agora. Que, por sinal, já era insuficiente. Estão em andamento a flexibilização do licenciamento ambiental, a extinção de praticamente toda a verba destinada a enfrentar as mudanças climáticas e a “revisão” das 334 unidades de conservação espalhadas pelo País. Nas relações exteriores, um perigo parecido: ideologia acima de tudo, contrariando a tradição de pragmatismo e não-intervenção da política externa brasileira.

Junte-se tudo isso e o resultado pode ser dramático, inclusive para a economia. Mão de obra sem qualificação, produtos e empresas sem inserção nos mercados internacionais e planos de investimento na gaveta completam o quadro de uma nova década perdida. Não há reforma da Previdência que aguente o tranco de tirar a economia brasileira da rota de um tsunami.

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