segunda-feira, 13 de maio de 2019

*Bruno Carazza: Na terceira temporada, o fim?

- Valor Econômico

Revezes ameaçam combate ao 'mecanismo'

Acaba de estrear a segunda temporada de "O Mecanismo", a série da Netflix dirigida por José Padilha que romanceia a história da Operação Lava-Jato. Nos novos episódios, a equipe comandada pelo agente Ruffo tenta fechar o cerco contra os donos da maior empreiteira do país, a Miller & Brecht, inviabilizando o governo da presidenta Janete e envolvendo seu padrinho político, o ex-presidente Gino.

A Netflix ainda não anunciou se a série brasileira terá continuidade, mas no Brasil real os novos capítulos prenunciam um final melancólico. Na última semana o combate à corrupção no Brasil sofreu duros golpes - e o mais grave é que eles foram desferidos pelos três Poderes da República.

No Supremo Tribunal Federal, uma mudança de posicionamento do seu presidente, o ministro Dias Toffoli, derrubou uma liminar pedida pela Associação dos Magistrados Brasileiros contra normas que protegem deputados estaduais de prisões preventivas e permitem a suspensão de ações por crimes praticados em seus mandatos. Não custa lembrar que em novembro passado a Lava-Jato prendeu dez deputados cariocas, incluindo o poderoso Jorge Picciani, eterno presidente da Assembleia.

No dia seguinte, o STF considerou constitucional o indulto natalino concedido pelo ex-presidente Michel Temer. Por ser muito abrangente, o Ministério Público alertou que ele beneficiaria condenados por crimes de corrupção passiva e ativa, tráfico de influência e lavagem de dinheiro. Por 7 votos a 4, o plenário do STF afirmou que não cabe ao Judiciário impor limites à discricionariedade do chefe do Poder Executivo nesse assunto.

É bom lembrar que essas decisões não são fatos isolados. Em março o mesmo STF reviu seu entendimento e determinou que somente a Justiça Eleitoral tem competência para julgar crimes relacionados às eleições, entre eles o pagamento de propinas e a lavagem de dinheiro com recursos de campanha. Com juízes eleitorais "emprestados" da Justiça comum, além de ter que contar com servidores cedidos por outros órgãos para dar conta de organizar eleições em todo território nacional e julgar as contas de centenas de milhares de candidatos a cada dois anos, não é difícil imaginar quem se beneficia com essa decisão do Supremo.

Atravessando a rua, a tramitação da medida provisória que estruturou o novo governo serviu para a bancada anti-Lava-Jato no Congresso engatilhar mais dois retrocessos: a retirada do Coaf do âmbito do Ministério da Justiça e a inclusão de um suspeitíssimo jabuti que impedirá auditores da Receita Federal de investigarem crimes não tributários. Patrocinadas por parlamentares do PT ao MDB e PSDB, passando pelo Centrão, as duas medidas atacam gravemente duas áreas da inteligência do Estado que alimentam com dados e evidências as operações de combate à corrupção, lavagem de dinheiro e evasão de divisas.

Do outro lado da Praça dos Três Poderes, o governo parece lavar as mãos, enquanto Moro assiste ao esvaziamento de seus poderes de modo impassível, como se estivesse conduzindo um interrogatório na 13ª Vara Criminal em Curitiba. A grande diferença é que, agora no Palácio da Justiça, a caneta em suas mãos não tem mais o poder do "cumpra-se". A cada dia fica mais claro que o ex-juiz emprestou seu prestígio ao novo governo, mas não recebeu os poderes de superministro que lhe prometeram. Sua proposta que pretendia criminalizar o caixa dois (PL 881/2019) foi apensada a um projeto (PL 9171/2017) que está paralisado desde o fim de 2017 na Comissão de Finanças e Tributação - passados quase três meses, não tem sequer relator. Situação pior vive seu pacote anticrime (PL 882/2019), que está desde fevereiro aguardando a Mesa Diretora da Câmara instituir a comissão especial que deverá analisá-lo.

Olhando para frente, as perspectivas continuam sombrias: o STF pode recuar novamente e declarar inconstitucional o início de cumprimento da pena após a condenação em segunda instância. No Congresso, ressurgiram as conversas para dar andamento ao projeto de lei contra o abuso de autoridades, o plano Jucá-Calheiros de encurralar o Ministério Público, Justiça Federal e os demais órgãos de controle. Enquanto isso, Bolsonaro mantém um ministro no cargo mesmo diante de fortes evidências de desvio de recursos públicos durante a campanha eleitoral.

Em "Crime.gov: quando corrupção e governo se misturam", os delegados da Polícia Federal Jorge Pontes e Márcio Anselmo relatam como o poder institucionalizado nos três Poderes da República atua para enfraquecer o combate à corrupção no Brasil. Por meio de manobras legislativas, troca de favores junto a ministros nas Cortes superiores e até atos mais rasteiros como a substituição dos responsáveis por conduzir investigações ou o contingenciamento de recursos para as ações, o "sistema" leva muita vantagem. Segundo os autores, a despeito do sucesso da Operação Lava-Jato em condenar políticos e empresários graúdos, o crime institucionalizado precisa ser combatido com medidas igualmente institucionais.

O grande problema é que vivemos um momento paradoxal. Por um lado, a Operação Lava-Jato contribuiu para disseminar na sociedade o entendimento de que a corrupção no Brasil não é fruto de desvios éticos individuais, mas um processo endêmico derivado do funcionamento do sistema político. Mas, de outro, os excessos cometidos durante as várias fases da investigação colocaram em dúvida a credibilidade da força-tarefa e do próprio Moro.

Numa sociedade extremamente polarizada e sem lideranças políticas ou cívicas, não conseguimos canalizar nossa energia para construir uma agenda mínima de reformas para desativar o mecanismo. Sem mudanças estruturantes, a próxima temporada pode ser um incrível giro de 360 graus rumo ao país corrupto que sempre fomos.

*Bruno Carazza é mestre em economia, doutor em direito e autor de "Dinheiro, Eleições e Poder: as engrenagens do sistema político brasileiro".

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