quarta-feira, 19 de junho de 2019

Opinião do dia: O Estado de S. Paulo (Editorial)*

O jornalismo que se deixa submeter à balbúrdia irracional das redes sociais não cumpre sua função, que é a de dar aos cidadãos condições de refletir de maneira efetiva sobre o mundo que os cerca e sobre os problemas que os afetam. Ao contrário, os formadores de opinião que tomam como legítima e digna de consideração a gritaria dos fanáticos, conferindo-lhe ares de autenticidade, estimulam a consolidação do facciosismo que, no limite, inviabiliza os consensos, sem os quais a democracia simplesmente não se realiza.

*O Estado de S. Paulo / Editorial: ‘Desinteligência generalizada’, 17/6/2019

Merval Pereira: Ameaça à democracia

O Globo (18/6/2019)

Bolsonaro defende o governo militar fruto de um golpe para dizer que quer armar o povo para impedir golpes

Não há projeto político maduro de governo, mas uma incontinência verbal de Bolsonaro que, não raras vezes, é incongruente. Como zagueiro que dá caneladas, na metáfora futebolística a seu gosto, às vezes Bolsonaro se arrepende, mas não perde a viagem. Fala o que lhe passa na cabeça, sem filtros, e, pior, escreve no twitter o que pensa, ampliando um ambiente de insegurança política.

A gravidade de suas palavras, como a de todo presidente da República, parece ser desconhecida por ele. Ou, como já disse o general Augusto Heleno, chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), faz tudo de modo pensado, como uma estratégia política. Nesse caso, seria mais grave do que simplesmente dizer besteiras.

Besteiras, a ex-presidente Dilma Rousseff também dizia. O perigo é executar as besteiras, como ela fez e perdeu o cargo. De tantas besteiras, a mais grave foi dita no sábado à noite em Santa Maria, interior do Rio Grande do Sul.

Durante evento em memória ao marechal Emilio Mallet, o patrono da Artilharia, Bolsonaro voltou a defender a ditadura militar, mas, desta vez, foi mais longe, e ligou a atuação dos militares na ocasião ao armamento dos cidadãos que propõe hoje.

Míriam Leitão: O novo BNDES e a crise da Odebrecht

O Globo ( 18/6/2019)

BNDES, o maior credor da Odebrecht, conheceu seu novo presidente no dia em que o grupo pediu recuperação judicial

Um dos dois nomes que o ministro Paulo Guedes sugeriu para Joaquim Levy nomear para a diretoria foi exatamente o de Gustavo Montezano. Levy não quis nomeá-lo e agora é ele que vai assumir a presidência. A expectativa na área econômica é que o futuro presidente do banco, por estar integrado à equipe desde a época da campanha, possa acelerar o programa de privatização e de venda de ativos. Montezano assumirá um banco em crise, que teve quatro presidentes em três anos e seu nome foi anunciado no dia da recuperação judicial da Odebrecht, a maior da história do país e um dos mamúticos problemas a enfrentar.

Só a Atvos deve ao BNDES R$ 4 bilhões. Na Odebrecht são outros R$ 7 bilhões, com poucas garantias. Além de R$ 3 bilhões que estão fora da recuperação judicial, na chamada dívida extraconcursal. O pedido atinge a holding, mas não a Braskem, nem a construtora. O BNDES é o maior credor da Odebrecht. Montezano, que já foi do BTG, terá também que superar o ambiente de crise interna no banco provocado pela maneira grosseira como o presidente Jair Bolsonaro detonou o processo que afastou Levy.

O caso Odebrecht mostra as diversas crises do Brasil dos últimos anos. A corrupção, e a perda da reputação provocada por ela, a diversificação sem controle da empresa estimulada por empréstimos do governo, as frustrações com a queda de consumo pela recessão brasileira. Tudo junto levou a Odebrecht a vergar sob o peso dos R$ 80 bilhões de dívida. Na recuperação judicial estão R$ 51 bilhões. Os maiores credores são bancos públicos: BNDES, Caixa e Banco do Brasil.

A história do dia de ontem, em que a holding da Odebrecht pediu recuperação judicial, começou há muito tempo. A maior empreiteira do Brasil se afundou num lamaçal sem fim, financiando políticos de diversos partidos, principalmente do PT, que estava no poder. O grupo, já na terceira geração da família, decidiu escalar a corrupção criando até um bizarro departamento de propinas. Os crimes foram investigados, confessados e punidos na Operação Lava-Jato.

Além disso, o grupo fez algumas apostas que pareciam certas para quem acreditava que o Brasil continuaria a crescer. De 2010 a 2015, investiu fortemente no setor de etanol. Houve cinco anos de congelamento dos preços da gasolina, abatendo as empresas do setor. Comprou o aeroporto do Galeão, pagando um enorme prêmio, e o número de passageiros caiu. Investiu em concessão de estradas, e deu errado. Investiu em estaleiro para sondas para a Sete Brasil e fracassou. Nos últimos anos ela fez um enorme esforço para se ajustar, reduziu de 180 mil para 48 mil o número de funcionários. Mudou a conduta e as formas de controle. É a única empresa, das envolvidas na Lava-Jato, que aceitou ser auditada por procuradores americanos durante três anos. Tentava organizar suas dívidas, mas a Caixa a executou, depois que a LyondellBasell decidiu não comprar mais a Braskem. Ficou sem saída e ontem ajuizou o pedido de proteção judicial. No comunicado ao mercado, ela culpa a crise econômica que frustrou investimentos, e o “impacto reputacional dos erros cometidos”.

Num país em crise, com uma empresa dessa dimensão entrando em recuperação judicial, o BNDES, seu maior credor, passa a ter um novo e jovem presidente. Esse é apenas um dos muitos desafios que aguardam Gustavo Montezano. Na época da campanha, ele se ofereceu para trabalhar na preparação do programa. Depois de não ter sido aceito por Levy para a diretoria de privatização, foi trabalhar com o secretário de Desestatização Salim Mattar. Outro indicado por Paulo Guedes para Levy foi Fábio Abrão, para a diretoria de infraestrutura. Levy não quis, ficou com Mattar. Mas nada aconteceu na Secretaria de Desestatização. No governo, culpa-se a falta de integração do BNDES no processo, porque sem o banco a secretaria estaria sem a ferramenta mais importante. No BNDES, a informação é que não há lentidão, mas sim prudência, e que tudo tem sido preparado em negociação com o TCU. Na equipe econômica, o que se diz é que o BNDES não caminhava no ritmo adequado, e que agora tudo será acelerado. Na economia brasileira não há dia sem emoção.

Eliane Cantanhêde: O poder sobe à cabeça

- O Estado de S.Paulo (18/6/2019)

Como Trump, Bolsonaro demite subordinados até pela imprensa, mas Moro é Moro

O poder está subindo à cabeça de Jair Bolsonaro, que foi um militar atípico, polêmico, e um político apagado, inexpressivo, mas se torna um presidente cada vez mais audacioso, capaz de demitir três importantes quadros do governo pela imprensa. Essa é uma atitude arrogante e humilhante, ou “uma covardia sem precedentes”, segundo o deputado Rodrigo Maia.

Gustavo Bebianno, da linha de frente da campanha presidencial, quase foi ministro da Justiça, ganhou cargo e sala no Planalto e acabou virtualmente demitido por um tuíte do “02”, Carlos Bolsonaro.

Juarez de Paula, general da reserva, soube da sua demissão da presidência dos Correios após um café do presidente da República com jornalistas. Foi, aliás, um dos três generais demitidos numa única semana, na qual a principal vítima foi Santos Cruz, um dos oficiais de elite do Exército.

Joaquim Levy, economista escolhido pelo superministro Paulo Guedes para a presidência do BNDES, foi demitido com requintes de crueldade: em pleno sábado, numa rápida entrevista de Bolsonaro para jornalistas, com termos indelicados e uma menção desrespeitosa ao próprio Guedes, dizendo que nem consultaria o ministro para demitir o seu subordinado.

É um jeito atrapalhado de fazer as coisas. Ninguém nega o direito ao presidente de nomear ou demitir ministros e auxiliares, mas para tudo há regras, jeito, protocolo. Tal como seu ídolo Donald Trump, Bolsonaro está exagerando ao jogar homens ao mar.

Com uma curiosidade: antes de cair, eles se tornam zumbis. A demissão de Vélez Rodríguez demorou 12 dias para ser anunciada, a de Santos Cruz, mais de um mês, a de Levy, sabe-se lá quanto tempo, e a do general dos Correios, anunciada na sexta, ainda não tem data para ser formalizada. Ontem mesmo, ele falou aos funcionários dos Correios num tom pouco usual, na base do “daqui não saio, daqui ninguém me tira”. E deitou falação sobre a privatização da empresa, justamente o foco da crise com o presidente.

Joel Pinheiro da Fonseca: Limpar para destruir

- Folha de S. Paulo (18/6/2019)

Um BNDES disfuncional talvez seja a real intenção do governo

Joaquim Levy cometeu um crime imperdoável para o governo Bolsonaro: nomeou funções pela qualidade técnica dos quadros e não pelo alinhamento ideológico-partidário com o discurso oficial do governo. E é mais um caso que vem ilustrar a tônica dominante até aqui: quando o discurso ideológico —que move a militância radicalizada— e a qualidade técnica entram em conflito, a ideologia leva a melhor.

Joaquim Levy é um economista de excelência técnica e que ao longo de sua carreira trabalhou para diversos governos: FHC, Lula, Dilma. Em qualquer democracia, isso é uma qualidade, uma virtude de um homem público: saber trabalhar com pessoas de todos os partidos, colocando os pés da ideologia no chão da realidade. No momento atual, tornou-se um vício, posto que toda divergência política é vista não como uma discordância legítima mas como crime de lesa-pátria.

A política de campeões nacionais que definiu o BNDES dos anos Dilma, o que inclui os projetos megalomaníacos no exterior, foi um imenso fracasso e parcialmente responsável pela crise que vivemos até hoje. O plano de Levy era reorientar o BNDES para aquilo em que o papel do Estado é imprescindível: investimentos sociais e tecnologia sem retorno de mercado imediato, suas funções legítimas. Não duvido que tenha havido corrupção lá dentro sim, embora não esteja claro que o montante desviado se compare às somas bilionárias que foram esbanjadas dentro da lei. Transformar o banco em mais um espetáculo midiático de combate à corrupção provavelmente impediria seu funcionamento, que será essencial para uma retomada futura do crescimento.

Andrea Jubé: Fogos de inquietação

- Valor Econômico (18/6/2019)

"Tem que ter noção de consequência", alerta Santos Cruz

Cinco dias após deixar o governo, o general de divisão Carlos Alberto dos Santos Cruz mantém a agenda cheia. É palestrante convidado do congresso da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) no dia 27. Nos dias 10 e 11 de julho, participa de evento sobre missões de paz na sede das Organizações das Nações Unidas (ONU) em Nova York.

Dispensado pelo presidente Jair Bolsonaro na última quinta-feira, após sucessivos ataques do escritor Olavo de Carvalho e de seus sequazes, Santos Cruz é um quadro concorrido na esfera internacional: depois de chefiar as missões de paz no Haiti (de 2007 a 2009) e no Congo (de 2013 a 2015), tornou-se consultor da ONU. Fluente em inglês, francês e espanhol, e conhecedor de russo, proferiu cursos e palestras em dezenas de países. Quando foi convidado para ser ministro, estava em Bangladesh, ministrando um curso para comandantes militares.

Apesar do bombardeio do grupo de Olavo, Santos Cruz nega que tenha sido uma "guerra" trabalhar no governo. "A política tem uma conotação às vezes não muito boa, mas eu não saio desiludido com a política", disse à coluna. "Encontrei muitas pessoas boas interessadas em trabalhar. A política é um jogo de interesses, mas não precisa ser desonesto por causa disso".

Ricardo Noblat: Bolsonaro toma posse outra vez

Blog do Noblat / Veja (18/6/2019)

Governo de morte
Sem mais essa de que o governo é uma zorra, dividido em grupos que disputam o título de quem manda no presidente Jair Bolsonaro e no final acabará por tutelá-lo.

O título já tem dono: Bolsonaro. A zorra parece próxima do fim. Mas como ninguém governa sozinho, ele decidiu compartilhar o poder com um grupo restrito de pessoas de sua inteira confiança.

A saber: seus filhos, o autoproclamado filósofo Olavo de Carvalho e, vá lá, talvez por enquanto o ministro Paulo Guedes, da Economia, a quem no passado Bolsonaro chamava de “Posto Ipiranga”.

Ainda chama por força do hábito. E porque falta aprovar a reforma da Previdência. Mas com uma reforma desidratada e um chefe voluntarioso, Guedes corre o perigo de se tornar descartável.

Bolsonaro voltou a vestir a faixa presidencial quando demitiu o general Santos Cruz da Secretaria de Governo. Era o único ministro com autoridade para barrar as ideias esdrúxulas do presidente.

Guedes já teve mais autoridade. Aos poucos começou a perdê-la dada as sucessivas invasões de sua área por Bolsonaro. A mais recente, a demissão de Joaquim Levy da presidência do BNDES.

O substituto de Levy, para além de suas credenciais como economista teve o aval dos garotos. E está disposto a abrir a caixa preta do banco, se é que tal coisa existe por lá.

A demissão de Santos Cruz foi o sinal mais convincente de que a chamada ala militar do governo está sendo enquadrada, se já não foi. O general Augusto Heleno poderá ser a próxima peça a ser trocada.

Se escapar de uma eventual bala de prata extraída de suas conversas à época em que comandava a Lava Jato, Sérgio Moro continuará no governo. Mas ele já foi ministro. Agora, está ministro.

O dono da voz aparentemente rendeu-se de vez à teoria do “caos criativo” defendida por Olavo e seus semelhantes. É preciso destruir tudo que impeça o surgimento do “novo”. Quanto ao “novo”…

Bem, ficará para mais adiante elaborar melhor o que possa ser. Sem pressa. O primeiro mandato é para destruir. O segundo para construir. Este será um governo de morte. Como se pretende.

À caça do tesouro do BNDES

Levy abortou um crime
Entre as mais caras recordações dos poucos meses que serviu ao governo Bolsonaro como presidente do BNDES, o economista Joaquim Levy guarda uma que só compartilhou com poucos amigos.

Há pouco tempo, o ministro Ricardo Salles, do Meio Ambiente, reuniu-se com técnicos do banco no Rio interessado em informações sobre o Fundo da Amazônia.

O Fundo capta doações para investimentos não-reembolsáveis em ações de prevenção, monitoramento e combate ao desmatamento na Amazônia. Os maiores doadores são os governos da Alemanha e Noruega.

Os técnicos mostraram documentos sigilosos sobre o Fundo. E, de repente, Salles sacou do celular e começou a fotografá-los. Levy foi chamado às pressas e disse a Salles que aquilo seria um crime.

O ministro foi embora aborrecido.

Almir Pazzianotto Pinto*: A síndrome da ingovernabilidade

- O Estado de S.Paulo

É inadiável priorizar a solução do problema dos desempregados e subempregados

“O sistema político faliu. Não serve mais” (senador Tasso Jereissati, O Estado, 4/6)

Ingovernabilidade é enfermidade que ataca o sistema político e demanda terapia radical, para evitar a falência do governo. A história da América Latina revela que, quando a crise de ingovernabilidade torna-se incurável pelas vias normais, recorre-se à força do golpe e a regime de exceção.

O tema pertence à esfera da filosofia política. Filósofos, sociólogos e cientistas políticos procuram identificar as causas da ingovernabilidade. O Dicionário Houaiss e o Aurélio definem a palavra como qualidade daquilo que é ingovernável. O Dicionário de Política de Norberto Bobbio, Nicola Matteucci e Gianfranco Pasquino traz o verbete governabilidade, mas admite que “o termo mais usado atualmente seria o oposto, ou seja, não-governabilidade. A palavra, carregada de implicações pessimistas (crise de governabilidade) e, frequentemente, conservadoras, presta-se a múltiplas interpretações.

Em particular, a distinção mais clara é daqueles que atribuem a crise de governabilidade à incapacidade dos governantes (alguns são levados a ver nisso o emergir insanável das contradições dos sistemas capitalistas) e daqueles ainda que atribuem a não-governabilidade às exigências excessivas dos cidadãos” (Ed. UNB, Brasília, DF, 1994, pág. 547).

Ditadores desconhecem a ingovernabilidade. Investido de poder absoluto, um único chefe concentra os Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário e os exerce sem receio de contestação. Assim aconteceu com Stalin, na União Soviética; Hitler, na Alemanha; Mussolini, na Itália; Franco, na Espanha; Pinochet, no Chile; e Getúlio Vargas, no Estado Novo (1937-1945). Outros déspotas poderiam ser lembrados, mas a relação se ressentiria de omissões. Na América do Sul o caso mais recente é o da Venezuela, com a ditadura de Hugo Chávez e Nicolás Maduro. Os últimos dias do governo de João Goulart caracterizaram-se pela ingovernabilidade. Os resultados fizeram-se sentir em 31/3/1964.

Vera Magalhães: Plano Maia-Alcolumbre

- O Estado de S. Paulo

A rusga entre Paulo Guedes e Rodrigo Maia, que são amigos há algum tempo e em cuja dobradinha o mercado deposita suas esperanças na rápida aprovação da reforma da Previdência, pode acelerar a agenda própria da Câmara, agora em conjunto com o Senado, para tentar impulsionar crescimento, o aumento de produtividade e a geração de renda.

A ideia de Maia e Davi Alcolumbre, que, não por acaso, estrelaram a recente propaganda partidária do DEM, apertando as mãos nas residências vizinhas que ocupam na Esplanada dos Ministérios, em Brasília, é já lançar um pacote de propostas que estão sendo elaboradas pelo economista Marcos Lisboa, em seguida à aprovação da reforma pela Câmara.

Assim, com a reforma tributária derivada do projeto de Bernard Appy e o estudo encomendado a Lisboa, o Congresso teria seu próprio plano econômico para propor a superação definitiva da crise, o plano Maia-Alcolumbre.

A avaliação dominante no Congresso é a de que Guedes revelou um pendor “antipolítica” com as críticas que fez ao relatório de Samuel Moreira para a Previdência. Traços dessa aversão são apontados também em outros próceres de sua equipe, como Marcos Cintra.

Daí a ideia de ampliar cada vez mais o discurso de que o Congresso sai na frente do Executivo ao enfrentar os grandes gargalos do crescimento. A agenda deve ter ainda propostas para infraestrutura (uma das meninas dos olhos da gestão Bolsonaro) e criação de empregos, um dos principais motivos de desgaste do governo.

Monica De Bolle*: O bordão da “caixa-preta”

- O Estado de S.Paulo

Se querem culpar alguém pelos excessos cometidos no passado, culpem o governo que instruiu o banco a fazer os empréstimos, não o banco

Boa parte do meu livro sobre a era Dilma publicado em 2016 foi sobre o BNDES. Perdi a conta de quantos artigos escrevi sobre o banco. Só para esse jornal, devem ter sido mais de 20 ao longo de vários anos. Para sublinhar o ponto, em artigo publicado no dia 9 de janeiro desse ano, intitulado “O que pode avançar?”, escrevi esse trecho: “Sobre o BNDES em particular, perdi a conta do número de artigos que escrevi para esse espaço”. Entretanto, é impossível não escrever sobre o BNDES após a demissão do presidente do banco, Joaquim Levy, no último fim de semana. É impossível deixar de escrever sobre o BNDES ante os espantalhos e factoides que o presidente da República insiste em criar e diante do “bordão da caixa-preta” – não confundir com o cordão da bola preta – que muitos de seus fiéis seguidores insistem em repetir como se rezassem o terço da seita bolsonarista. Levy é um técnico experiente, e como técnico experiente, se recusou a rezar o terço. Ao que tudo indica, essa é pelo menos uma das razões para que tenha sido tratado com rudeza e falta de profissionalismo pelo presidente no último fim de semana.

E aí, há caixa-preta no BNDES? Como outros pesquisadores, eu já trabalhei com dados do banco e já interagi bastante com seu corpo técnico. Em 2015 publiquei um estudo pelo Peterson Institute for International Economics em que apontava três distorções causadas pelo crédito subsidiado em abundância: a prática de emprestar barato para grandes empresas de baixo risco deixava para o mercado privado empresas de maior risco, induzindo aumento das taxas de empréstimos privados para compensar pelo risco adicional absorvido nos balanços de outras instituições; os repasses opacos do Tesouro para o BNDES, que criavam passivos para o governo na forma de subsídios – esses repasses que vigoraram durante os anos Dilma ajudaram a desequilibrar as contas públicas; a abundância de crédito barato do BNDES forçava o Banco Central a manter as taxas de juros mais elevadas, pressionado para cima a taxa de juros real. Calculei que se o BNDES reduzisse seu balanço expressivamente e acabasse com o crédito subsidiado, a taxa de juros real poderia cair em pouco mais de um ponto porcentual. Foi o que aconteceu. Para chegar a essas conclusões, usei os dados disponibilizados no site do BNDES, que passou por profunda reformulação em 2015 com o objetivo de dar transparência às suas operações, além de ter acesso a técnicos do banco, que, com sua generosidade, ajudaram a esclarecer várias dúvidas. Muitos, na época, expressaram profundo desagrado com as práticas que haviam predominado durante boa parte do primeiro mandato de Dilma.

Merval Pereira: Senado derrota Bolsonaro

- O Globo

Poder do Congresso de barrar decretos que exorbitem as prerrogativas do presidente é muito claro na Constituição

A derrota pessoal do presidente Jair Bolsonaro ontem no Senado já era pressentida pelo presidente do Senado, Davi Alcolumbre, que fez um discurso, antes de pronunciar o resultado, em defesa dos senadores que haviam sido atacados por mensagens ameaçadoras enviadas por meio eletrônico.

O convencimento generalizado era de que esses ataques eram endossados, ou mesmo incentivados, pela família Bolsonaro, o que decidiu o ânimo com que os senadores votaram. Pretendem definir essa questão do armamento num debate de que resulte um projeto de lei.

A vitória do Senado, revogando os decretos de Bolsonaro flexibilizando o porte e a posse de armas por uma diferença bastante folgada, além da expectativa geral, é parte da disputa de espaço político que se trava entre Legislativo e Executivo.

A anulação dos decretos sobre liberação de porte e posse de armamento tem que ser confirmada pela Câmara, e há pouca chance de o governo lá reverter o resultado. Os presidentes da Câmara, deputado Rodrigo Maia, e o do Senado, Davi Alcolumbre, estão trabalhando juntos nessa reafirmação do Congresso.

A base da discussão no plenário do Senado sobre o decreto de flexibilização do porte e posse de armas foi a independência do Parlamento diante do Executivo.

Zuenir Ventura: Como fica a Lava-Jato?

- O Globo

Vale a pena comparar a atitude de Moro com a de Joaquim Levy

Durante os últimos cinco anos, muitos acreditaram que Sergio Moro ia desmentir a afirmação de Nelson Rodrigues de que “toda unanimidade é burra”. Mesmo quando criticado por ter aceito o convite para ser ministro de Bolsonaro, ele contestou, seguro:

“Pelo que vejo nas pessoas comuns, ninguém tem sombra de desconfiança”. Era dos poucos homens públicos a gozar da simpatia da maior parte da população, com exceção, claro, dos corruptos.

O que fez o popular juiz descer do paraíso em que encontrava para, senão o inferno, pelo menos o purgatório? A meu ver, foi a sedução — como no poema “A mosca azul”, de Machado de Assis —da glória suprema e do poder político, ou seja, a prometida vaga no STF, e uma ambicionada carreira política que poderia culminar, ao que se especula, com a perspectiva de suceder o chefe.

Vale a pena comparar a atitude de Moro com a de Joaquim Levy. Se este tivesse seguido o exemplo daquele, adotando um comportamento submisso, não teria tido sua cabeça a prêmio. Bastava desconvidar quem convidara. Não custa lembrar que, ao levar o primeiro puxão de orelha por ter chamado para sua equipe uma especialista competente, mas que não agradava ao presidente, o ministro da Justiça não titubeou, voltou atrás imediatamente. “A saída de Joaquim Levy é uma covardia”, acusou Rodrigo Maia, presidente da Câmara dos Deputados.

Míriam Leitão: O BNDES mudou em anos recentes

- O Globo

As mudanças que se esperam de Montezano no BNDES já estão em curso: a abertura da caixa-preta e a devolução de recursos.

Na segunda metade dos anos 1980, a ditadura havia acabado, o país perdia a década, mas o BNDES não alterara a política de dar empréstimos seriais para empresas paulistas, como Villares, Bardella. O economista Paulo Guedes colocou no banco o divertido apelido de “recreio dos bandeirantes”. A política de favorecer algumas empresas foi repetida nos governos Lula e Dilma, favorecendo Odebrecht e JBS, entre outras. Quem tentasse saber detalhes das operações ouvia que era “sigilo bancário”. Era o auge da caixa-preta. Ela começou a ser aberta, já no governo do PT, por imposição dos órgãos de controle, como TCU e MP. Para seguir a ordem de abrir a caixa-preta, o banco terá que anunciar o que já se sabe.

O BNDES que o jovem Gustavo Montezano vai assumir tem muita história e ela não é simples. O banco já cometeu diversos erros, mas é impossível imaginar o que seria da economia do Brasil sem ele. Os bancos brasileiros não gostam de financiar projetos de longo prazo. Acham arriscado. E, se puderem, se associam a um banco público. Esta aí o BTG, no qual Montezano trabalhou, que não nos deixa mentir. Virou sócio da Caixa no banco que resultou da desastrada compra do Panamericano. Outro que pode contar isso é o Votorantim, que acabou sócio do Banco do Brasil.

Elio Gaspari: O capitão prometeu uma alegria

- O Globo / Folha de S. Paulo

Num de seus últimos tuítes, o presidente Bolsonaro anunciou: “Para estimular a competitividade e inovação tecnológica, o governo estuda (...) a possibilidade de reduzir de 16% para 4% os impostos sobre importação de produtos de tecnologia da informação, como computadores e celulares.”

É o caso de se sentir o alívio da diretora de futebol da seleção feminina da Tailândia, que chorou ao ver o gol de seu time depois de tomar 13 x 0 contra os Estados Unidos e de ralar um 5 x 1 contra a Suécia.

Tomara que o capitão emplaque essa. Como seus tuítes fazem parte de uma realidade paralela, ficaria de bom tamanho se passasse a revelar todos (repetindo, todos) os obstáculos que aparecerão no caminho.

Os computadores, bem como os tablets e os celulares, custam caro no Brasil. A inovação tecnológica da indústria é desprezível, e esse mercado é dirigido pela mão invisível do atraso.

Em 1975, quando a China vivia as trevas da Revolução Cultural que descambou até para casos de canibalismo, em Pindorama uma aliança de militares e burocratas começou a erguer barreiras contra a importação de computadores. Nascia assim uma das maiores ruínas produzida pela ditadura, a chamada reserva de mercado da informática. Era mais fácil trazer um quilo de cocaína do que passar pela Alfândega com um computador. A ideia era criar uma tecnologia nacional, copiando patentes estrangeiras.

Em 1984, quando o Congresso sacramentou a maluquice, um grupo de engenheiros chineses fundou a empresa Lenovo. Ela ralou, mas hoje é a maior vendedora de computadores do mundo. É a China que monta os iPhones, e seus celulares estão entre os melhores. Os chineses disputam com os americanos a dianteira na tecnologia da informática. Os campeões nacionais brasileiros atolaram.

Bruno Boghossian: O trator e a colheitadeira

- Folha de S. Paulo

Ministro acerta ao atacar pressão de servidores, mas deixa passar bancada do boi

Quem ouviu a explosão de Paulo Guedes contra as mudanças na reforma da Previdência deve ter pensado que o ministro usaria um trator para derrotar qualquer grupo de interesse. Sem medir palavras, o chefe da economia acusou o Congresso de ceder ao “lobby dos servidores” e de enfraquecer o projeto para favorecer “os privilegiados”.

As letras miúdas do texto em discussão na Câmara mostram que havia uma certa ira seletiva na reação do ministro. Guedes tinha razão quando atacou a campanha do funcionalismo para preservar benefícios, mas deixou passar as pressões do consórcio ruralista, que caminha para manter suas benesses.

O projeto original do governo proibia o perdão de dívidas de produtores rurais com o INSS —coisa de R$ 17 bilhões, nas contas de economistas. O agronegócio acionou seus articuladores no Congresso e conseguiu reverter esse veto. O relator do projeto mudou a proposta de Guedes e abriu novamente a porteira.

Vinicius Torres Freire: Sobre juros, esgoto, obras e impostos

- Folha de S. Paulo

Lei do Saneamento e reforma tributária andam no Congresso; obras param no governo

O que aconteceria se o Banco Central diminuísse a taxa básica de jurosde 6,5% ao ano para 6% nesta quarta-feira (19)? Quase nada, para o bem ou para o mal. Na prática, os negociantes de dinheiro grosso, “o mercado”, já o fizeram.

Ainda assim, a gente tem de prestar atenção a essa história. Mas não apenas. A eventual e lenta recuperação da economia depende de muitas outras decisões, como a reforma tributária, as concessões de infraestrutura e a Lei do Saneamento, assuntos sobre os quais há novidades.

Quanto aos juros, o Banco Central está atrasado em relação ao mercado, repita-se. O único argumento razoável restante para manter a Selic em 6,5%, e olhe lá, é o risco de a reforma da Previdência ir para o vinagre.

O corte de juros não ajuda em nada o crescimento de 2019 e pouco em 2020. Teria efeito marginal sobre a dívida do governo e, talvez, das famílias, embora esses trocos tenham relevância, pois estamos na miséria. Mas é possível dar um talho maior na Selic até o fim do ano.

O investimento em transporte, saneamento, energia, moradias, instalações produtivas etc. é o nosso problema. Tão cedo não haverá investimento público extra. Fazer obras de serviços públicos com dinheiro privado é uma saída, por ora no fim de um túnel longo. Daí a dificuldade de sair da depressão.

*Ruy Castro: Conspiração de silêncio

- Folha de S. Paulo

O único assunto sobre o qual Lula e Bolsonaro concordam em discordar

É por isso que adoro romances de espionagem. Partem de tramas tão intrincadas que, já na segunda página, nos esquecemos de como elas são improváveis. O inglês John Le Carré é o mestre do gênero. Ou era —porque, agora, temos Lula e Jair Bolsonaro.

Há dias, Adélio Bispo de Oliveira, autor da facada no candidatoBolsonaro em Juiz de Fora, em 2018, foi absolvido pelo Código de Processo Penal por ser inimputável, portador de uma doença mental. Ficará num presídio de segurança máxima, mas isso só reforçou a dúvida do ex-presidente Lula sobre se houve mesmo a facada. “Não aparece sangue...”, insinuou ele, numa entrevista.

Para Lula, o golpe em Bolsonaro deve ter sido feito com uma faca retrátil, de teatro, daí a falta de sangue. Para tornar a história plausível, armou-se previamente uma conspiração envolvendo o povo de Juiz de Fora, a equipe do hospital local, os que transportaram Bolsonaro para São Paulo, o pessoal do Albert Einstein que simulou operá-lo e os funcionários dos laboratórios que fingiram analisar suas tripas. Quem seria o cérebro por trás disso? Milhares de pessoas tomaram parte na farsa e, incrível, até hoje ninguém quebrou o pacto de silêncio.

Rosângela Bittar: Eleitores mútuos

- Valor Econômico

Quem tem medo da volta de Lula à disputa eleitoral?

Lula livre ou Lula preso, tanto faz para a política, neste momento. A diferença é para ele próprio e os seus: restabelecimento da vida privada. Assim, com estudada "nonchalance", é avaliada a situação do ex-presidente no ranking sucessório e quando a discussão leva a prospecções para a campanha eleitoral que, já, já, bate à porta do calendário. A eleição municipal já bateu e entrou.

A esperança de que mantenha os pés atados, por causa da inelegibilidade, rompe-se no momento em que tiver sentenças anuladas, cessando as causas. Se a defesa comprovar, diante do tribunal, o vício de um só dos processos, os demais terão sua credibilidade em risco. Então, Lula fora da cadeia não é uma situação improvável, brevemente se saberá.

A questão é ver se terá condição legal para uma candidatura e pique para conduzi-la. Ou se, mesmo não sendo ele próprio o candidato, terá condições políticas de juntar os fragmentos do PT, escolher um candidato viável que não carregue a imagem negativa do partido, promover alianças e dar um salto triplo na volta por cima.

É a viabilidade política de uma atuação de Lula a partir de sua casa, e os resultados que poderá obter no campo eleitoral, o que seus adversários temem e o que divide opiniões apaixonadas (ainda, até hoje).

O lado da minoria congrega petistas e inimigos do PT desencantados com a mudança do governo no Brasil. Muitos acham que daria tudo certo com o Lula retornado, a política brasileira precisaria dele para fazer um contraponto de peso a Jair Bolsonaro. Que, por sua vez, não desceu do palanque e tudo indica que nele permanecerá até o fim, para manter vivo o como adversário, o PT. À semelhança de Lula, igual e da mesma forma.

Se não aparecer ninguém forte para fazer o contraponto e criar os dois polos entre os quais um terceiro possa avançar firme pelo meio, o atual governo pode se perenizar. É uma constatação e também uma ameaça para muitos. O forte seria Lula.

Pedro Cafardo: Que falta nos faz o Doutor Antônio!

- Valor Econômico

A esta altura, Ermírio já teria posto a boca no trombone

Jornalistas de economia mais velhos podem confirmar. Nos anos 70, 80 e 90, a despeito do regime autoritário, das crises de balanço de pagamentos enfrentadas pelo país e da hiperinflação, os empresários industriais eram protagonistas no cenário econômico. Quando tínhamos um repórter ocioso na redação, em São Paulo, sem pauta, uma saída fácil era a Fiesp. "Vá lá pra Fiesp, assista reuniões, converse com os empresários." Na volta, o repórter sempre trazia notícias; às vezes, manchetes.

Até 27 de agosto de 1979, a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) funcionava no antigo Edifício Mauá, no Viaduto Dona Paulina, no centro da cidade, onde hoje está o Fórum. Desde aquela data, ocupa o suntuoso edifício da Av. Paulista, onde a maior proeza recente foi a produção de um pato inflável amarelo.

Nas três últimas décadas do seculo passado, a Fiesp era um local de debates e fonte inesgotável de informações econômicas. Lá circulavam diariamente os grandes empresários industriais brasileiros, como Antonio Ermírio de Moraes, José Mindlin, Luis Eduardo Bueno Vidigal, Laerte Setúbal, Claudio Bardella, Paulo Villares, Paulo Cunha, Jorge Gerdau Johannpeter. As reuniões das segundas-feiras à tarde, especialmente, eram um maná de informações sobre avanços e problemas dos setores industriais, reflexões sobre a política macroeconômica etc.

A Fiesp, para o bem ou para o mal, era a grande representante da indústria brasileira e de todo o empresariado do país. Sem saudosismos e com todo respeito a Paulo Skaf, presidente atual da Fiesp, as perguntas que se fazem hoje são: quem fala em nome da indústria e do empresariado brasileiro? Quem os defende?

Ricardo Noblat: O show de Moro

- Blog do Noblat / Veja

Abrem-se as cortinas do espetáculo
O ex-juiz Sérgio Moro, ministro da Justiça e da Segurança Pública, tem tudo para dar um show, esta manhã, na sessão da Comissão de Justiça do Senado onde responderá a perguntas sobre suas conversas gravadas com procuradores da Lava Jato.

Ele treinou para isso. Com a ajuda de assessores, simulou que estava sendo interrogado e respondeu a perguntas que imagina que lhe serão feitas. Está orientado em não sair do script: não reconhece os diálogos ou mensagens que lhe atribuem; foi vítima de um crime.

Por sua vez, nenhum senador deu-se ao trabalho de preparar-se para valer. Todos receberam perguntas formuladas por assessores às quais poderão acrescentar outras. Os partidos não se entenderam para agir em bloco – seja a favor ou contra.

A maioria dos senadores que comparecerá à sessão está disposta a defender Moro. Mas a minoria tentará acuá-lo, com o cuidado de não transformá-lo em vítima. Circulou, ontem à noite, a ideia da oposição faltar à sessão. A ideia morreu antes do amanhecer.

Se não atravessar a rua para pisar numa casca de banana, Moro deverá se dar bem. Poderia aproveitar a ocasião para ser mais assertivo. Por que não diz com todas as letras que foram forjados os diálogos e as mensagens publicadas pelo site The Intercept?

Eu posso não lembrar exatamente o que disse ontem a respeito de alguma coisa, quanto mais há três anos. Mas sei exatamente o que não disse. Imagino que seja mais ou menos assim com todo mundo. Por que não seria com Moro?

No meu caso, por exemplo, nunca disse nem escrevi que achava Lula inocente dos crimes que lhe imputam. Mas em meados de 2015 manifestei dúvidas quanto a se abrir um processo de impeachment contra Dilma. Depois me convenci de que deveria ser aberto.

Moro sabe, sim, se conversou ou não sobre a citação do nome do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso na delação da Lava Jato. E claro que sabe se disse ou não que ele não deveria ser “melindrado” porque era um apoio importante à Lava Jato.

O que o Inthercept divulgou até aqui não será capaz de provocar a anulação do julgamento de Lula no processo do tríplex do Guarujá. Mas aos olhos de quem sabe ver, bastou para corromper a imagem de um juiz que parecia isento e à caça unicamente da verdade.

Nível de atividade continua fraco no segundo trimestre: Editorial / Valor Econômico

A economia começou devagar o segundo trimestre, reforçando as expectativas pessimistas para o ano. A sinalização foi dada pelo IBC-Br, indicador elaborado pelo Banco Central (BC) que antecipa o Produto Interno Bruto (PIB) e teve queda de 0,47% em abril em relação a março, superando em quase cinco vezes a mediana das projeções dos economistas consultados pelo Valor. Os analistas haviam se entusiasmado com os dados da produção industrial, das vendas do varejo ampliado e dos serviços, que apresentaram números positivos em abril. Quando examinados em detalhes, porém, mostram ainda uma grande fragilidade na economia.

Logo no início do mês, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) divulgou que a produção industrial cresceu 0,3% em abril sobre março, menos da metade do previsto por analistas, principalmente em consequência do comprometimento da extração mineral, segmento ainda afetado pelo rompimento da barragem da Vale em Brumadinho, Minas Gerais, no fim de janeiro. Mas preocupa igualmente o recuo da produção de bens de capital e de bens duráveis, que haviam estimulado a recuperação em 2018. Em relação a abril de 2018, a queda foi de 3,9%; e o acumulado nos quatro primeiros meses do ano está no negativo.

O parto difícil do Plano Safra: Editorial / O Estado de S. Paulo

Suspense foi a primeira inovação do Plano Safra recém-anunciado pelo governo do presidente Jair Bolsonaro. O esquema financeiro para a temporada 2019-2020, com R$ 222,74 bilhões previstos para empréstimos, foi apresentado com uma semana de atraso. “Achei que esse plano não ia sair. A criança nasceu”, disse no lançamento a ministra da Agricultura, Tereza Cristina, num compreensível arroubo de sinceridade.

Parte do financiamento inclui subsídios e depende, portanto, da programação do Tesouro Nacional. Mas o Tesouro estava despreparado, até uma semana antes, para garantir o dinheiro necessário. O Plano Safra, no entanto, é duplamente rotineiro. É apresentado uma vez por ano, sempre na mesma época, e seu lançamento, portanto, é um evento dos mais previsíveis.

Embora já superado, esse problema é um detalhe significativo, porque reflete um estilo de administração e de articulação política. Esse estilo foi inaugurado pelo novo governo. Problemas para a execução do Orçamento eram previstos. A previsão se tornou cada vez mais segura com o mau desempenho da economia, já sensível no primeiro trimestre, e com o consequente agravamento da situação fiscal.

Bolsonaro precisa ser reeducado em democracia: Editorial / O Globo

Ligação direta com o povo, sem mediação do Legislativo, é marca registrada do autoritarismo

Foi grave quando o ex-presidente Lula, enquanto se travava a luta política em torno do pedido de impeachment de Dilma Rousseff, ameaçou chamar o “exército de Stédile”, chefe supremo do Movimento dos Sem-Terra (MST). Mais do que uma bravata, tratava-se de um daqueles rompantes autoritários que revelam a verdadeira ideologia do político. E quanto às tropas de sem-terra, nada aconteceu.

Neste fim de semana, em Santa Maria, no Rio Grande do Sul, o presidente Bolsonaro atravessou várias fronteiras da sensatez ao investir contra pilares da democracia.

Ao dizer em uma solenidade militar que, mais do que o Congresso, ele quer o povo ao seu lado para executar seu programa, ultrapassou em gravidade o que dissera Lula, porque este já estava fora do Planalto.

E foi mais além, ao defender de maneira inconsequente seus decretos que liberam posse e porte de armas pela população. Uma população armada, no entender do presidente, evitará que governantes tomem o “poder de forma absoluta.” A receita da barbárie. No mínimo, de guerra civil.

O ex-capitão deputado federal com 28 anos de Câmara ressurgiu com suas teses radicais, só que agora envergando a faixa presidencial. Bolsonaro, precisa, portanto, de um curso intensivo de reeducação em democracia, a lhe ser ministrado pelas instituições republicanas.

As teses do presidente são as mesmas de qualquer político autoritário, desses que volta e meia aparecem na América Latina e que agora, na exportação do nacional-populismo, se espalham pela Europa, depois de conquistarem a Casa Branca em 2016.

Ele repete que o Brasil não pode virar uma Venezuela, mas defende fórmula de Hugo Chávez para instalar a ditadura que hoje, com Maduro na Presidência, destrói o país. Armar a população pobre com fuzis é o que fez Chávez, para proteger o “Socialismo do Século XXI”. Estas milícias paraestatais, na Venezuela de Maduro, barbarizam na repressão a manifestações pela volta da democracia. Infelizmente, milícias já existem no Brasil, formadas por PMs, geralmente da reserva, e outros agentes públicos, e podem ser mobilizadas por um candidato a ditador de ocasião.

Disputa virtual: Editorial / Folha de S. Paulo

Surgem novas evidências de uso indevido do WhatsApp em favor da campanha de Bolsonaro

Uma agência de marketing na Espanha, chamada Enviawhatsapp, participou, em 2018, da campanha à Presidência de Jair Bolsonaro (PSL) com disparos em massa de mensagens políticas em aplicativos e redes sociais.

O dono da empresa, Luis Novoa, diz em áudio obtido e confirmado por esta Folha que “empresas, açougues, lavadoras de carros e fábricas” brasileiros adquiriram seu software durante as eleições.

O proprietário afirma, contudo, que desconhecia a finalidade das aquisições até que o WhatsApp cortou, sob alegação de mau uso, as linhas telefônicas de sua empresa.

O caso vem à tona oito meses depois de o jornal ter revelado, em outubro de 2018, que empresas do Brasil compraram pacotes de disparos em massa de mensagens contra o PT com vistas a uma operação propagandística para apoiar Jair Bolsonaro no segundo turno.

As campanhas eleitorais de 2018, como se sabe, se deram dentro de um quadro inédito de participação da internet, tanto por meio de aplicativos quanto de redes sociais.

Nesse ambiente —reconheça-se, de difícil controle— não foi apenas o candidato do PSL que se beneficiou de expedientes virtuais espúrios. Disparos em massa e a praga das fake news também atuaram a favor de outros partidos, como os tradicionais PT e PSDB.

Demissão de Levy traz mensagem preocupante: Editorial / O Globo (18/6/2019)

É grave que a decisão tenha fundo ideológico e sinalize para a intenção de aparelhamento

Em 28 anos de Congresso, o deputado Jair Bolsonaro construiu a imagem de uma pessoa extemporânea. Vítima de uma tentativa de assassinato, ele pouco se expôs na campanha, devido ao longo tempo de hospitalização. Venceu as eleições, recuperou-se e, em seis meses de mandato, confirma a sua imprevisibilidade.

A mais recente demonstração deste traço de personalidade foi dada no fim de semana, quando, diante de microfones, na prática demitiu o presidente do BNDES, Joaquim Levy, ao dizer que estava “por aqui “com ele, colocando sua cabeça “a prêmio”.

Não se recorda de uma dispensa, com a mesma crueza, ocorrida nos escalões elevados do governo. Nesses casos, há uma liturgia a seguir, pela qual o afastamento do funcionário é feito pelo superior hierárquico, no caso, o ministro da Economia, Paulo Guedes.

Admissões e demissões são parte da rotina de governos. E de tempos em tempos ocorrem nos escalões elevados. O que preocupa desta vez são as circunstâncias do afastamento de Levy, tanto quanto a forma.

A crise e os pinos da tomada: Editorial / O Estado de S. Paulo (18/6/2019)

Continuam caindo velozmente as previsões de crescimento econômico para este ano e para 2020. Um enorme fiasco marcará a primeira metade do governo Bolsonaro, se os fatos confirmarem as avaliações do mercado. Na semana passada já estava em 1% a expansão prevista para o Produto Interno Bruto (PIB) em 2019. Agora, nem isso. No meio de muita confusão política e de muita incerteza sobre os negócios, a nova projeção, divulgada ontem, já está em 0,93%. A pesquisa entre economistas do setor financeiro e de grandes consultorias foi fechada na última sexta-feira. Naquele dia, as atenções do Congresso e do mercado estavam centradas no trabalho apresentado pelo relator do projeto de reforma da Previdência, deputado Samuel Moreira. Outras preocupações, no entanto, dominavam o presidente da República e vários de seus principais auxiliares. Uma dessas preocupações era a tomada de três pinos, como foi noticiado no começo daquela noite.

No mercado, as apostas para o próximo ano também continuaram em queda. Pela nova estimativa, o PIB crescerá 2,20% em 2020. Quatro semanas antes a projeção ainda estava em 2,50%, cálculo ainda mantido para 2021 e 2022, segundo a pesquisa Focus do Banco Central (BC).

A visão cada vez mais sombria das condições econômicas nos próximos meses começou a contaminar claramente, há pouco mais de uma semana, as expectativas em relação ao próximo ano. Indústria, varejo e serviços continuam muito mal, pela maior parte dos dados conhecidos até agora, e o comércio externo tem perdido vigor. Há poucas dúvidas sobre a aprovação da reforma da Previdência, mas nem isso estimula empresários a assumir riscos além dos indispensáveis para continuar operando.

Caça às bruxas: Editorial / Folha de S. Paulo (18/6/2019)

Jair Bolsonaro força saída de Joaquim Levy do BNDES sem razões convincentes

Apenas por inexistência de palavra mais precisa chama-se de fritura o processo a que o presidente Jair Bolsonaro (PSL) tem submetido auxiliares como Joaquim Levy, recém-saído da chefia do BNDES.

No jargão brasiliense, o termo descreve métodos menos explícitos de desgastar um subordinado e induzi-lo a deixar o cargo, em geral por meio de manifestações indiretas ou anônimas que se acumulam ao longo de dias ou semanas.

O que Bolsonaro fez com Levy foi um ataque público, grosseiro e espontâneo, dado que o tema nem sequer estava em pauta. O presidente informou ao país que o executivo estava “com a cabeça a prêmio”, alegadamente por pretender indicar um diretor com passagem pela administração petista.

Ao atacado não restava alternativa além de pedir as contas —mesmo porque o ministro Paulo Guedes, da Economia, tratou de endossar os vitupérios de Bolsonaro.

O que suscita inquietação no episódio não é a troca de nomes ou o futuro do BNDES. Espanta, isso sim, a futilidade dos motivos aventados para medida tão drástica.

Bolsonaro segue assolando o seu próprio governo: Editorial / Valor Econômico (18/6/2019)

O presidente Jair Bolsonaro acelerou o trabalho de desmontagem do próprio governo. Na semana em que o deputado Samuel Moreira (PSDB) apresentou seu relatório sobre a crucial reforma da Previdência, Bolsonaro estava preocupado com outras coisas. Por exemplo, demitir, um dia sim e o outro também, desafetos. O primeiro da semana foi o ministro da Secretaria de Governo, general Carlos Santos Cruz, o presidente dos Correios, general Juarez Cunha, e o presidente do BNDES, Joaquim Levy - os dois últimos pela imprensa. O presidente disse no sábado que estava farto de Levy e ordenou que ele demitisse Marcos Barbosa Pinto, nomeado para a diretoria de Mercado de Capitais do banco, caso contrário seria também mandado embora. Levy pediu demissão no domingo, no início da manhã.

Por motivos nunca claros, membros do primeiro escalão do governo e das estatais ascendem e são derrubados ao sabor das idiossincrasias de Bolsonaro e de seus filhos internautas, Carlos e Eduardo, de onde quase sempre parte a balbúrdia no governo. Santos Cruz trombou com a dupla e o pseudo-filósofo, Olavo de Carvalho, e, no episódio da intromissão indevida do presidente em um comercial do Banco do Brasil, lembrou a ele que não poderia mandar na propaganda das estatais pois existem leis sobre isso. Dono do cofre da Comunicação, regulou recursos da propaganda e chocou-se com os interesses do secretário da Secom, Fabio Wajngarten, indicado pelos filhos de Bolsonaro.

As demais demissões saíram da cabeça do presidente, que age por impulsos aparentemente incontroláveis. Acostumado a ver petistas por todos os lados, Bolsonaro enxergou tons explícitos de "sindicalismo" no presidente do Correios, Juarez Paula Cunha, que disse ser contrário à privatização da estatal. Foi demitido em entrevista coletiva, mas mantinha-se no cargo na segunda-feira à tarde.

Ferreira Gullar: Praia do caju

Escuta:
o que passou passou
e não há força
capaz de mudar isto.

Nesta tarde de férias, disponível, podes,
se quiseres, relembrar.
Mas nada acenderá de novo
o lume
que na carne das horas se perdeu.

Ah, se perdeu!
Nas águas da piscina se perdeu
sob as folhas da tarde
nas vozes conversando na varanda
no riso de Marília no vermelho
guarda-sol esquecido na calçada.

O que passou passou e, muito embora,
voltas às velhas ruas à procura.
Aqui estão as casas, a amarela,
a branca, a de azulejo, e o sol
que nelas bate é o mesmo sol
que o Universo não mudou nestes vinte anos.

Caminhas no passado e no presente.
Aquela porta, o batente de pedra,
o cimento da calçada, até a falha do cimento.
Não sabes já
se lembras, se descobres.
E com surpresa vês o poste, o muro,
a esquina, o gato na janela,
em soluços quase te perguntas
onde está o menino
igual àquele que cruza a rua agora,
franzino assim, moreno assim.
Se tudo continua, a porta
a calçada a platibanda,
onde está o menino que também
aqui esteve? aqui nesta calçada
se sentou?

E chegas à amurada. O sol é quente
como era, a esta hora. Lá embaixo
a lama fede igual, a poça de água negra
a mesma água o mesmo
urubu pousado ao lado a mesma
lata velha que enferruja.
Entre dois braços d’água
esplende, a croa do Anil. E na intensa
claridade, como sombra,
surge o menino
correndo sobre a areia. É ele, sim,
gritas teu nome:
“Zeca, Zeca!”
Mas a distância é vasta
tão vasta que nenhuma voz alcança.

O que passou passou.
Jamais acenderás de novo
o lume
do tempo que apagou.

Zé Ramalho: Chão de Giz