É grave que a decisão tenha fundo ideológico e sinalize para a intenção de aparelhamento
Em 28 anos de Congresso, o deputado Jair Bolsonaro construiu a imagem de uma pessoa extemporânea. Vítima de uma tentativa de assassinato, ele pouco se expôs na campanha, devido ao longo tempo de hospitalização. Venceu as eleições, recuperou-se e, em seis meses de mandato, confirma a sua imprevisibilidade.
A mais recente demonstração deste traço de personalidade foi dada no fim de semana, quando, diante de microfones, na prática demitiu o presidente do BNDES, Joaquim Levy, ao dizer que estava “por aqui “com ele, colocando sua cabeça “a prêmio”.
Não se recorda de uma dispensa, com a mesma crueza, ocorrida nos escalões elevados do governo. Nesses casos, há uma liturgia a seguir, pela qual o afastamento do funcionário é feito pelo superior hierárquico, no caso, o ministro da Economia, Paulo Guedes.
Admissões e demissões são parte da rotina de governos. E de tempos em tempos ocorrem nos escalões elevados. O que preocupa desta vez são as circunstâncias do afastamento de Levy, tanto quanto a forma.
Eram conhecidos alguns desencontros entre o BNDES e o ministro, por exemplo, sobre novas devoluções de recursos bilionários que o governo Dilma, irresponsavelmente, determinara que o Tesouro injetasse no banco, para permitir empréstimos subsidiados a um pequeno grupo de empresas.
Isso com dinheiro proveniente de endividamento público, contraído com juros altos. Levy resistia a devolver R$ 126 bilhões, pedidos pelo Ministério da Economia.
Mas o desentendimento não justificaria a demissão pública. Há várias indicações de que a decisão de Bolsonaro tem forte motivação ideológica, uma característica que se vislumbra neste governo.
O presidente e certamente o grupo que o influencia não aceitaram a escolha de Marcos Barbosa Pinto para a diretoria de Mercado de Capitais. Razão: ter trabalhado no BNDES como chefe de gabinete do presidente Demian Fiocca, no governo Lula. O bolsonarismo tem fobia de PT, não importando o currículo profissional de Barbosa Pinto.
Mesma fobia que levava a pressões constantes sobre Levy para abrir a “caixa-preta” da instituição, a fim de expor à luz do dia empréstimos como os feitos a Cuba e Venezuela. Operações de resto já conhecidas—condições camaradas, garantia do Tesouro brasileiro etc.
O fato leva à suspeita de que o bolsonarismo pode querer aparelhara máquina pública, da mesma forma como fez o PT. Péssimo para o país.
Outro equívoco é olhar enviesado para Levy porque ele trabalhou em governos petistas. Ora, Levy é um técnico que se dedica a funções públicas. Poderia ter continuado em Washington, numa diretoria do Banco Mundial. O Brasil, como qualquer país, precisa de um estamento de profissionais que zele pela má quinado Estado, independentemente do governo de turno.
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