quarta-feira, 19 de junho de 2019

Pedro Cafardo: Que falta nos faz o Doutor Antônio!

- Valor Econômico

A esta altura, Ermírio já teria posto a boca no trombone

Jornalistas de economia mais velhos podem confirmar. Nos anos 70, 80 e 90, a despeito do regime autoritário, das crises de balanço de pagamentos enfrentadas pelo país e da hiperinflação, os empresários industriais eram protagonistas no cenário econômico. Quando tínhamos um repórter ocioso na redação, em São Paulo, sem pauta, uma saída fácil era a Fiesp. "Vá lá pra Fiesp, assista reuniões, converse com os empresários." Na volta, o repórter sempre trazia notícias; às vezes, manchetes.

Até 27 de agosto de 1979, a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) funcionava no antigo Edifício Mauá, no Viaduto Dona Paulina, no centro da cidade, onde hoje está o Fórum. Desde aquela data, ocupa o suntuoso edifício da Av. Paulista, onde a maior proeza recente foi a produção de um pato inflável amarelo.

Nas três últimas décadas do seculo passado, a Fiesp era um local de debates e fonte inesgotável de informações econômicas. Lá circulavam diariamente os grandes empresários industriais brasileiros, como Antonio Ermírio de Moraes, José Mindlin, Luis Eduardo Bueno Vidigal, Laerte Setúbal, Claudio Bardella, Paulo Villares, Paulo Cunha, Jorge Gerdau Johannpeter. As reuniões das segundas-feiras à tarde, especialmente, eram um maná de informações sobre avanços e problemas dos setores industriais, reflexões sobre a política macroeconômica etc.

A Fiesp, para o bem ou para o mal, era a grande representante da indústria brasileira e de todo o empresariado do país. Sem saudosismos e com todo respeito a Paulo Skaf, presidente atual da Fiesp, as perguntas que se fazem hoje são: quem fala em nome da indústria e do empresariado brasileiro? Quem os defende?

Dias atrás, a Pesquisa Industrial Anual feita pelo IBGE indicou que a crise econômica entre 2014 e 2017, período de recessão, fechou mais de 15 mil indústrias no país. A receita líquida com vendas diminuiu 7,7% nesse período e foi extinto 1,1 milhão de postos formais de trabalho. Os dados não incluem o desempenho da indústria no ano passado, mas é sabido que o cenário não se alterou, assim como no primeiro trimestre deste ano.

Quem saiu em defesa da indústria após a divulgação desses dados? Quem teve a coragem de ir a público e dizer que o setor precisa de incentivo para se reabilitar? Quem teve a coragem de sustentar que a economia necessita de estímulos ao consumo?

Mais dados negativos sobre a indústria brasileira, desta vez da ONU, saíram no mês passado. O Brasil perdeu participação no mercado global de manufaturas. A fatia brasileira no valor adicionado da indústria mundial, que era de 2,81% em 2005, recuou para 1,8% em 2018. A indústria de transformação tem hoje a menor participação no PIB nacional (11,3%) desde 1947.

Essas estatísticas passaram longe das conversas que o presidente Jair Bolsonaro teve no dia 10, em São Paulo, com cerca de 50 empresários. O encontro, um jantar na casa de Paulo Skaf, foi fechado para a imprensa, mas as informações que vazaram indicam que o diálogo foi amigável, com óbvio apoio às reformas, principalmente a da Previdência. Não há notícia de que alguém tenha levantado a voz para falar sobre a falta de crédito, o encolhimento absurdo do BNDES e as elevadas taxas de juros. Nem de que alguém tenha falado sobre a desindustrialização e sobre a necessidade de medidas de estímulo ao crescimento econômico antes mesmo da conclusão das reformas. Prevaleceu a concordância dos industriais com a teoria do ministro da Economia, Paulo Guedes, de que o mercado vai naturalmente ditar a recuperação econômica, sem necessidade de estímulos setoriais ou regionais.

Isso nos leva à exclamação registrada no título desta coluna: Que falta nos faz o Doutor Antonio Ermírio de Moraes! A esta altura, com toda a certeza, ele já estaria com a boca no trombone. Já teria dito que a manutenção da taxa básica de juros em 6,5% ao ano quando estamos voltando para a recessão é um absurdo. Já teria dito que o spread bancário no Brasil é uma insensatez.

Antônio Ermírio, um dos donos do Grupo Votorantim, morreu em 24 de agosto de 2014, aos 86 anos. Nos últimos anos de sua vida, infelizmente, estava doente e frágil. Mas enquanto teve forças foi um excelente representante daquilo que chamava de "setor produtivo", com apoios importantes à esquerda e à direita, de trabalhadores e empresários.

Uma frase de Antônio Ermírio à "Veja" que poderia ter sido dita no jantar da Fiesp com Bolsonaro: "Uma razão para o governo baixar os juros é tirar essa gente, esses novos-ricos, da vida mansa dos juros e obrigá-los a fazer força, a gerar riqueza para que o PIB brasileiro ande para a frente". Outra frase, dita à "Folha de S.Paulo", também cabe perfeitamente aos dias de hoje: "Na cesta básica de decisões do governo tem de ter redução de juros. Isso é que gera empregos. Não queremos esmola, queremos a retomada do crescimento".

Os repórteres ociosos nos 80 e 90 iam à Fiesp ou telefonavam para diretores financeiros e de exportação de indústrias. Hoje, pegam o telefone e falam com o "mercado". Ou seja, ligam para fontes do setor financeiro, principalmente bancos. Os economistas do "mercado", bastante competentes e preparados, sem dúvida, estão sempre disponíveis para comentar e analisar os fatos econômicos. Suas análises carregam, naturalmente, o viés financeiro. É remota a hipótese de que um deles defenda, por exemplo, a redução imediata dos juros e dos spreads bancários.

Prevalece, portanto, a voz do mercado na análise econômica. Não há um Antônio Ermírio para equilibrar o jogo.

Os esforços da equipe econômica do governo para aprovar a reforma da Previdência e outras são louváveis. Há quase unanimidade no país sobre a necessidade dessas reformas. É certo, porém, que elas não serão suficientes para atrair investimentos que possam sustentar a retomada da economia e do emprego no país. Haverá necessidade de outras medidas menos ortodoxas de estímulo e não há razão para que elas fiquem no forno esperando a aprovação das reformas.

Um comentário:

Unknown disse...

"Quem saiu em defesa da indústria após a divulgação desses dados? Quem teve a coragem de ir a público e dizer que o setor precisa de incentivo para se reabilitar? Quem teve a coragem de sustentar que a economia necessita de estímulos ao consumo?"
Resposta:
Fora do mundo empresarial, o candidato Ciro Gomes. Cansou de repetir esses dados apresentados no artigo. A solução é um "circulo virtuoso" entre Estado e o Empresariado. Não existe desenvolvimento sem isso.