Suspense foi a primeira inovação do Plano Safra recém-anunciado pelo governo do presidente Jair Bolsonaro. O esquema financeiro para a temporada 2019-2020, com R$ 222,74 bilhões previstos para empréstimos, foi apresentado com uma semana de atraso. “Achei que esse plano não ia sair. A criança nasceu”, disse no lançamento a ministra da Agricultura, Tereza Cristina, num compreensível arroubo de sinceridade.
Parte do financiamento inclui subsídios e depende, portanto, da programação do Tesouro Nacional. Mas o Tesouro estava despreparado, até uma semana antes, para garantir o dinheiro necessário. O Plano Safra, no entanto, é duplamente rotineiro. É apresentado uma vez por ano, sempre na mesma época, e seu lançamento, portanto, é um evento dos mais previsíveis.
Embora já superado, esse problema é um detalhe significativo, porque reflete um estilo de administração e de articulação política. Esse estilo foi inaugurado pelo novo governo. Problemas para a execução do Orçamento eram previstos. A previsão se tornou cada vez mais segura com o mau desempenho da economia, já sensível no primeiro trimestre, e com o consequente agravamento da situação fiscal.
Era necessário, além de conter gastos, arranjar recursos para evitar a violação da chamada regra de ouro, a proibição constitucional de tomar empréstimo para despesas correntes. O governo precisava de financiamento de R$ 248,9 bilhões. A ministra da Agricultura teve de suspender o anúncio do Plano Safra até o Congresso autorizar o endividamento. A resistência da oposição foi mínima. Faltou o Executivo mobilizar sua base para conseguir a autorização mais cedo.
Nesse episódio, como na tramitação da reforma da Previdência pela Comissão de Constituição e Justiça da Câmara, o governo e seus aliados, ou supostos aliados, pouco se empenharam pelo resultado. Inexperiência pode ser parte da explicação. Mas valerá essa explicação quando o presidente envolvido na história foi deputado federal durante 28 anos? Quando o chefe de sua Casa Civil também tem um longo currículo como congressista?
Enfim, a criança nasceu, como disse a ministra da Agricultura, e os produtores do campo dispõem das informações essenciais sobre o apoio oficial na próxima temporada. O dinheiro previsto para o crédito rural é quase igual ao do ano passado, quando foi oferecida a soma de R$ 194 bilhões.
O total anunciado para 2019-2020 chega a R$ 222,74 bilhões. Mas esse valor inclui R$ 31,22 bilhões destinados ao Pronaf, o programa da agricultura familiar, agora sob controle do Ministério da Agricultura. Outra novidade: a verba destinada ao produtor familiar poderá ser usada na construção e reforma de moradia.
Como sempre, a maior parte do crédito, ou R$ 169,33 bilhões, será destinada a despesas de custeio, sobrando, portanto, R$ 53,41 bilhões para investimento. O quadro de aperto é evidente. Os juros oficiais para os grandes produtores devem passar de 7% para 8% ao ano. As taxas para médios e pequenos devem ser mantidas. Os grandes agricultores terão de obter parte relevante do crédito em fontes com juros livres. Cerca de R$ 55 bilhões, segundo a previsão, deverão ser captados por meio de Letras de Crédito do Agronegócio.
O aperto financeiro do governo explica boa parte das mudanças nas condições de financiamento. Parte das inovações, no entanto, resulta da tentativa de tornar o crédito à agricultura mais dependente de instituições do mercado. É uma questão conceitual. É cedo para dizer como funcionarão os novos esquemas. Mas é preciso levar em conta alguns fatos muito importantes quando se trata de política agrícola.
O primeiro é o amplo subsídio concedido ao agro no mundo rico. O subsídio brasileiro, já muito pequeno pelos padrões internacionais, ainda deve encolher. O segundo ponto é a desvantagem associada à infraestrutura ruim. Soma-se a esses fatores o aberrante cartel do frete, criado em 2018, ainda em vigor e apoiado pelo presidente Bolsonaro. Contestações apresentadas há um ano ao Judiciário só serão examinadas em setembro.
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