- O Estado de S.Paulo
É inadiável priorizar a solução do problema dos desempregados e subempregados
“O sistema político faliu. Não serve mais” (senador Tasso Jereissati, O Estado, 4/6)
Ingovernabilidade é enfermidade que ataca o sistema político e demanda terapia radical, para evitar a falência do governo. A história da América Latina revela que, quando a crise de ingovernabilidade torna-se incurável pelas vias normais, recorre-se à força do golpe e a regime de exceção.
O tema pertence à esfera da filosofia política. Filósofos, sociólogos e cientistas políticos procuram identificar as causas da ingovernabilidade. O Dicionário Houaiss e o Aurélio definem a palavra como qualidade daquilo que é ingovernável. O Dicionário de Política de Norberto Bobbio, Nicola Matteucci e Gianfranco Pasquino traz o verbete governabilidade, mas admite que “o termo mais usado atualmente seria o oposto, ou seja, não-governabilidade. A palavra, carregada de implicações pessimistas (crise de governabilidade) e, frequentemente, conservadoras, presta-se a múltiplas interpretações.
Em particular, a distinção mais clara é daqueles que atribuem a crise de governabilidade à incapacidade dos governantes (alguns são levados a ver nisso o emergir insanável das contradições dos sistemas capitalistas) e daqueles ainda que atribuem a não-governabilidade às exigências excessivas dos cidadãos” (Ed. UNB, Brasília, DF, 1994, pág. 547).
Ditadores desconhecem a ingovernabilidade. Investido de poder absoluto, um único chefe concentra os Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário e os exerce sem receio de contestação. Assim aconteceu com Stalin, na União Soviética; Hitler, na Alemanha; Mussolini, na Itália; Franco, na Espanha; Pinochet, no Chile; e Getúlio Vargas, no Estado Novo (1937-1945). Outros déspotas poderiam ser lembrados, mas a relação se ressentiria de omissões. Na América do Sul o caso mais recente é o da Venezuela, com a ditadura de Hugo Chávez e Nicolás Maduro. Os últimos dias do governo de João Goulart caracterizaram-se pela ingovernabilidade. Os resultados fizeram-se sentir em 31/3/1964.
Inexiste democracia como sistema político no qual cada indivíduo participa diretamente das decisões do governo. Prevalece o modelo da representação partidária proporcional, como diz o art. 1.º, parágrafo único, da Constituição: “Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição”. Ensina German José Bidart Campos, jurista e pensador argentino, que o Estado moderno resulta de longo processo de despersonalização do poder, no qual governa a lei, e não o indivíduo. O Estado deixa de ser eu e passa a ser nós. (Derecho Politico, Aguillar Argentina, 1967, pág. 331, tradução livre).
Entre a ditadura segundo o modelo leninista-stalinista e a hiperdemocracia a que alude Ortega y Gasset, e da qual teria sido exemplo a República de Weimar (1919-1933), existem submodelos. A síndrome da ingovernabilidade pode ser fruto de personalidade errática ou voluntariosa do chefe do Poder Executivo, da falência do Tesouro, da falta reiterada de pagamento dos servidores civis e militares, do desabastecimento de gêneros alimentícios, da crise de combustíveis, de processo hiperinflacionário, do aviltamento da moeda. Pode emergir, também, de insuportáveis pressões externas, como embargo ao comércio internacional, corte de créditos, bloqueio de contas no exterior.
Enquanto foi oposição, o Partido dos Trabalhadores (PT) buscou a desestabilização de governos para fomentar clima de ingovernabilidade. Aliado à Central Única dos Trabalhadores (CUT), provocou greves políticas, a exemplo da paralisação ilegal da Petrobrás em 1995. A fragmentação de partidos políticos pode se transformar em fator de ingovernabilidade. Nesse sentido, vale recordar a entrevista do ministro Dias Toffoli ao jornal O Estado (25/12/2015), quando registrou: “Em 2014, o partido que fez mais deputados obteve 12% das cadeiras do Parlamento. Então, esse sistema eleitoral, se não for atacado, continuará ingovernável”. De fato, quando o modelo autoritário do bipartidarismo, imposto pelo regime militar, deu lugar a incontrolável pluripartidarismo, não foram tomadas medidas destinadas a impedir a multiplicação de siglas artificiais. São 29 os partidos alimentados pelo imoral Fundo Partidário, presentes na Câmara dos Deputados. A maior fatia, integrada por 55 deputados, pertence ao PT, com apenas 10% dos assentos; 11 legendas têm entre uma e oito cadeiras, ou seja, quase nada. Bancadas com insignificante presença na Câmara dos Deputados valem-se de expedientes escusos para compor blocos fisiológicos e transitórios, dotados, porém, de votos suficientes para decidir emendas constitucionais e projetos de interesse nacional.
A distonia entre as instituições políticas e a realidade nacional, revelada nas contradições entre o Brasil real e o Brasil formal, entre o País concreto e o ideal – como escreveu o senador Marco Maciel –, está nas raízes da não governabilidade. As dificuldades do presidente Jair Bolsonaro se assemelham aos problemas enfrentados pelos antecessores. A diferença está no estilo de governo familiar e no uso intensivo das redes sociais.
O Brasil está doente, mas é governável. As instituições operam dentro de precária normalidade constitucional. É inadiável, porém, dar prioridade à solução do problema do desemprego. 25 milhões de desempregados e subempregados enfrentam graves dificuldades e não dispõem de recursos materiais ou financeiros para aguardar os resultados da reforma da Previdência Social.
A fila do desemprego ameaça se estender. Cuidado, presidente Bolsonaro, para que não se converta em manifestações de protesto, engrossadas por agitados estudantes e lideradas pela oposição.
* Almir Pazzianotto Pinto é advogado, autor de ‘30 anos de crise 1988-2018’, foi ministro do Trabalho e presidente do Tribunal Superior do Trabalho
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