quinta-feira, 5 de setembro de 2019

Merval Pereira - País pária

- O Globo

Isolamento no plano externo traz prejuízos econômicos concretos e nos põe à margem do Ocidente, com exceção dos EUA

Sim, Bolsonaro sempre foi assim. Mas está a cada dia mais Bolsonaro, menos presidente da República. A diferença é que nos 28 anos como deputado federal, as barbaridades que dizia ou fazia poucas vezes eram levadas a sério. Como quando elogiou o torturador Coronel Brilhante Ustra. Ou disse que a deputada Maria do Rosário não merecia ser estuprada por ser feia.

Raramente seus arroubos autoritários tinham repercussão na vida política do país, eram inócuos. Seu desassombro deixa de ser uma qualidade quando coloca o país em situação embaraçosa diante do mundo civilizado, ou defende teses que, na pessoa física, poderiam causar apenas revolta, mas, na jurídica, criam crises políticas que vão se avolumando.

Cometeu a mesma afronta contra a ex-presidente do Chile, Michele Bachelet, atual Delegada dos Direitos Humanos da ONU, que já cometera anteriormente com o presidente da OAB Felipe Santa Cruz. Além da gravidade em si, de desrespeito a líderes de instituições reconhecidamente representativas, demonstra um desprezo alarmante pela vida humana.

Respondeu a críticas políticas não com argumentos e fatos, mas com a apologia ao extermínio dos adversários de sua ideologia. No caso de Bachelet, ainda demonstrou uma visão enviesada, pois creditou a seu pai uma ideologia revolucionária que os historiadores negam.

Essa divisão rasa de amigos e adversários, que são todos comunistas, assim como o PT tacha de direitistas os seus críticos, só demonstra visão política deturpada, que torna impossível uma composição mais ampla com a sociedade.

Míriam Leitão - Mente autoritária e seus métodos

- O Globo

É patológica a compulsão de Bolsonaro pelos ditadores. É doentio seu prazer em ferir pessoas atingidas pelas ditaduras

Governantes de mentes autoritárias gostam de estimular a confusão entre governo e pátria, procuram sequestrar os símbolos e as datas nacionais. Eles tentam transformar críticas feitas à sua administração em ataques ao país. Era assim na ditadura militar brasileira, principalmente no período mais violento da repressão aos opositores, o do general Emílio Garrastazu Médici. O sentimento de amor ao país, as alegrias com as vitórias até do futebol, os momentos cívicos eram manipulados para serem vistos como apoio ao governo. Criticar o regime era apresentado como equivalente a trair o país.

Governantes de mentes autoritárias gostam de mentir sobre o passado, alterar fatos históricos comprovados, apostando que se a mentira for repetida, se os livros forem refeitos, se houver uma versão oficial todos passarão a acreditar na narrativa falsa dos eventos. George Orwell tratou disso como literatura na obra-prima “1984”. O passado insistentemente reescrito, para apagar fatos e nomes incômodos.

Bolsonaro disse que a ditadura brasileira foi nota 10 na economia. A verdade: ela deixou o país com uma superinflação crônica e o mecanismo da correção monetária que levava os preços sempre para cima. Ainda que os índices mais altos tenham sido atingidos nos primeiros governos civis, foi a democracia que conseguiu desarmar a bomba inflacionária jogada no colo da população pela administração econômica do regime militar. Não foi a única bomba que eles deixaram: os militares endividaram o país junto a 800 bancos, e a governos estrangeiros, e deram o calote. Essa dívida foi renegociada e paga na democracia, nos governos Itamar Franco, Fernando Henrique e Lula da Silva. Houve também, na gestão de Henrique Meirelles no Banco Central, a acumulação de reservas cambiais que hoje nos permitem olhar para a Argentina sabendo que a situação aqui é bem diferente.

O período conhecido como “milagre econômico” foi curto e o modelo era concentrador de renda. Só para se ter uma ideia do que foi deixado de lado: ao fim desse forte crescimento do PIB, em 1980, 33% das crianças de 7 a 14 anos estavam for ada escola. A universalização do ensino fundamental foi obra da democracia.

Bernardo Mello Franco - Bolsonaro fez Maduro parecer um gentleman

- O Globo

Ao ofender mortos e exaltar ditaduras de outros países, Bolsonaro queima ainda mais o filme do Brasil na comunidade internacional

Jair Bolsonaro não foi o primeiro líder sul-americano a atacar Michelle Bachelet. Na semana passada, o presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, esbravejou contra a alta comissária da ONU para os Direitos Humanos. Ficou indignado com seu relatório sobre a repressão a opositores e a tortura contra presos políticos no país.

Em pronunciamento na TV, Maduro acusou a ex-presidente do Chile, uma socialista, de estar a serviço do imperialismo americano. “Não minta para o mundo, Michelle Bachelet. Você assinou um relatório que não leu. Um relatório escrito por especialistas ligados ao Departamento de Estado, inimigos da revolução bolivariana”.

Em seguida, o venezuelano elevou ainda mais o tom. Disse que Bachelet governou o Chile e “não foi capaz de levar saúde aos mais humildes”. “Deveria agarrar uma pedra e bater com ela nos próprios dentes”, afirmou.

A grosseria foi quase um afago diante do que fez Bolsonaro. Ontem o presidente acusou a alta comissária de defender “vagabundos” por criticar as mortes provocadas pela polícia brasileira. Depois baixou de vez o nível, atacando a memória do pai dela.

Ascânio Seleme - Perguntas, por que não?

- O Globo

Jornalistas que entrevistaram Greenwald fizeram o que sempre fazem

Jornalistas não podem ser amigos, companheiros ou colegas da sua fonte ou do seu entrevistado. Não podem defender as teses e objetivos de quem estão investigando. Jornalistas são treinados e são pagos para buscar elementos que não são óbvios à primeira vista. Os recursos de que dispõem são limitados. Numa reportagem, usam sola de sapato e cabeça para chegar ao seu objetivo. Numa entrevista, fazem perguntas. Nada além de perguntas. E, claro, todas as perguntas cabem, inclusive as duras, as desconfiadas e mesmo as inconformadas. Jornalistas são por natureza seres inconformados.

No início da semana houve uma enxurrada de críticas aos jornalistas que entrevistaram Glenn Greenwald, do site The Intercept Brasil, no “Roda Viva”, da TV Cultura de São Paulo. A maioria das críticas veio de gente que queria demonstrar posição, que reagiu como sempre na guerra política que traumatiza a nação, julgando os jornalistas como inimigos de uma causa. O raciocínio seria mais ou menos assim: Se Greenwald recebeu e divulgou conversas inapropriadas de Moro e Dallagnol, ele atacou a Lava-Jato e defendeu Lula. Se os jornalistas apertaram Greenwald, eles são a favor da Lava-Jato e contra o Lula.

Bobagem. Os jornalistas que entrevistaram o editor do site The Intercept fizeram o que sempre fazem. Perguntas. E o entrevistado as respondeu. Aqueles que criticaram os entrevistadores certamente esperavam um festival de levantamento de bola. Se decepcionaram porque jornalistas não podem levantar bola para entrevistado cortar. Quem faz isso é a mídia companheira e amiga. Nesse caso, pode ser mídia, mas não é jornalismo. O que se buscava no Roda Viva era o contraditório, por isso os jornalistas fizeram as perguntas que os internautas nas redes acharam abusadas.

Sérgio Veloso* - Bolsonaro implode até mesmo as relações com aliados

- O Estado de S.Paulo

Em espécie de antipresidencialismo, governa-se pelo caos e pelo conflito indecoroso, mas é preciso enxergar o que há por baixo da cortina de fumaça

A declaração do presidente Jair Bolsonaro em referência ao pai de Michelle Bachelet, torturado e morto pela ditadura de Augusto Pinochet no Chile nos anos 70, é um indicativo de que Bolsonaro não tem intenção de prezar nem mesmo as relações de aliança e confiança do governo. Bolsonaro e Sebastián Piñera vêm construindo uma relação de aliança desde o início deste governo. Piñera, recentemente, veio ao Brasil para ser apaziguador e ponte entre o G-7 – e principalmente o presidente francês Emmanuel Macron – e o Brasil, na crise das queimadas na Amazônia.

No entanto, Bolsonaro parece seguir um roteiro semelhante ao de Donald Trump, e se esforçar para implodir até mesmo as relações com seus aliados. É uma espécie de antipresidencialismo, que governa pelo caos, pelo conflito aberto e indecoroso. Ele precisa manter o conflito, e faz isso com as declarações – além de outras várias formas.

O Chile, por sua vez, deu indicações bastante claras de que a relação com o Brasil é estratégica. Há um rol de interesses na área de segurança, agricultura, e especialmente a construção do corredor bi-oceânico, que ligaria o mercado chileno ao brasileiro e facilitaria o escoamento de produtos para ambos mercados, brasileiro e chileno.

Essas declarações, por piores que sejam, podem ser interpretadas como cortina de fumaça. É óbvio que o presidente do Chile tem de responder. É uma questão que toca a sua história, e o coloca em uma situação delicada com seu próprio país e seu próprio eleitorado. E é óbvio que não é bom, mas é ruído. Não é novidade para Piñera – nem para nenhum chefe de Estado do mundo hoje – que Bolsonaro diz esse tipo de coisa.

Ao “bater” em Bachelet, Bolsonaro mira nos direitos humanos, nessa agenda que ele chama de “comunista” e na própria Organização das Nações Unidas (ONU), onde a ex-presidente chilena é alta comissária para Direitos Humanos. As instâncias internacionais são bombardeadas para que ele se reafirme, e, assim, jogue para sua plateia.

William Waack - A boca do inferno

- O Estado de S.Paulo

A nova batalha política será como flexibilizar as restrições a gastos públicos

O governo Bolsonaro está sendo obrigado a pensar em gastar – além dos limites legais, obviamente. A equipe econômica acredita, acompanhada por importantes segmentos da economia, que a agenda de concessões, desburocratização, melhoria do ambiente de negócios e desregulamentação trará crescimento num horizonte de médio prazo.

O problema é o que fazer até lá, pois economia andando devagar, renda familiar comprimida e desemprego persistente nunca trouxeram dividendos políticos a governo algum.

Esse é o pano de fundo das conversas já em tom alto de voz para levar ao Legislativo propostas que flexibilizem de alguma forma as restrições impostas pelo teto dos gastos públicos, aprovado sob Temer. “Pela primeira vez estou escutando com insistência amigos dizendo que a PEC do teto dos gastos é muito dura, está inviabilizando o setor público”, admitiu o competente secretário do Tesouro, Mansueto Almeida. E fuzilou: “A realidade dos fatos é que a gente tem um país que tributa muito, gasta muito, não tem capacidade de investimento e ainda tem ajuste fiscal a ser feito”.

O muro com o qual Paulo Guedes e sua equipe se chocaram é formidável e impõe consequências políticas. Por causa da limitação do teto, os gastos obrigatórios (saúde, educação, aposentadorias) corrigidos pela inflação aumentam todo ano, enquanto os discricionários (“livres”) diminuem todo ano. É a tal da “matemática” à qual se referiu o presidente. Ministérios já estão parando, sufocados por contingenciamento de verbas, o mesmo acontecendo com programas que vão do Minha Casa Minha Vida ao combate a queimadas na Amazônia.

João Domingos – Bolsonaro, Moro e os dilemas do ministro da Justiça

- O Estado de S.Paulo

Mesmo com um gesto simbólico de reaproximação, não dá para dizer que a situação do ex-juiz é segura

Mesmo que Jair Bolsonaro e Sérgio Moro tenham se acertado, e até feito um gesto simbólico de reaproximação na semana passada, não dá para dizer que a situação do titular da Justiça é segura. Quando Bolsonaro diz, e repete, que quem manda é ele, o destinatário da mensagem é Moro. Porque a autoafirmação de autoridade de Bolsonaro, nesses casos, quase sempre é feita quando se trata de algum órgão ou alguma pessoa ligada a Moro.

Sabe-se que os dois tiveram discussão ríspida na semana passada, por causa da PF. Bolsonaro queria mudar o superintendente no Rio, encontrou resistências e ameaçou demitir o diretor-geral, Maurício Valeixo. Não contente, deu declarações dizendo que é ele o responsável pela direção-geral da instituição, não Moro.

Ora, se é ele quem cuida da direção da PF, poderia ter demitido Valeixo, ou exigido dele a troca do superintendente, sem precisar dizer que a responsabilidade é dele, não de Moro. Ou Bolsonaro terá de pedir autorização de algum ministro quando quiser demitir outro? É lógico que não. Acontece que, ao deixar clara a intenção de fazer uma interferência na PF, levará à conclusão de que ele está se imiscuindo numa área que não lhe pertence. Daí, a citação a Moro, para dizer que não é ele o responsável pela direção da PF, mas o próprio presidente.

Adriana Fernandes – Teto de gastos, a crise de curto prazo

- O Estado de S.Paulo

Mesmo que a economia cresça mais rápido e ajude a incrementar a arrecadação de impostos, o teto de gastos vai estar ali, sempre presente

Não é surpresa nenhuma que o debate sobre a flexibilização do teto de gastos iria mais cedo ou mais tarde estourar em meio ao avanço dos efeitos nocivos do contingenciamento forte das despesas do Orçamento, que colocou em xeque os programas dos novos ministros do governo Jair Bolsonaro e já paralisa muitas áreas do governo.

A razão central que motiva a pressão por mudanças é que a ala política do presidente, inclusive ele próprio, se deu conta de que o arrocho não vai acabar. Ainda que entrem nos cofres da União os bilhões e bilhões de reais esperados do megaleilão de petróleo para a exploração do pré-sal.

Mesmo que a economia cresça mais rápido e ajude a incrementar a arrecadação de impostos, o teto de gastos vai estar ali, sempre presente a travar os investimentos e o os novos programas que o time do presidente quer tocar. O teto não deixará o governo gastar a receita a mais que receber.

É importante ressaltar que esse era o script da modelo fiscal desenhado pela equipe que criou o teto: controlar as despesas para que o avanço das receitas produza um ajuste mais rápido, levando as contas públicas a saírem do vermelho, situação que se encontra desde 2014.

Zeina Latif* - Não ignore os sinais

- O Estado de S.Paulo

Os ataques à globalização, ainda que injustos, dominam cena global

No início de junho discuti que o mercado financeiro, principalmente o local, sofria de miopia. Celebrava o corte da taxa de juros no curto prazo pelo Fed, o banco central americano, e minimizava os riscos de médio/longo prazos advindos da desaceleração da economia mundial.

Já os investidores globais foram mais cautelosos, mostrando-se seletivos na alocação de seus recursos. Ao longo do primeiro semestre, houve aumento da demanda por títulos da dívida de governos de países desenvolvidos e por ouro, e menor fluxo para países emergentes.

O humor dos mercados pode mudar rapidamente, e isso aconteceu no mês passado. Existindo ou não a “maldição de agosto”, não convém ignorar os sinais emitidos. O investidor global está ainda mais preocupado e quer proteger seu patrimônio.

Crescentemente, os investidores globais têm preferido colocar seus recursos em “portos seguros”, pois a expectativa de ganho com investimentos mais arriscados não compensaria o risco corrido. O resultado é a queda da taxa de juros dos títulos públicos de economias avançadas e a alta expressiva da cotação do ouro.

Bruno Boghossian - Vexame internacional gratuito

- Folha de S. Paulo

Bolsonaro não perde uma oportunidade para enaltecer a tortura e os assassinatos políticos

Jair Bolsonaro não perde uma oportunidade de enaltecer a tortura e os assassinatos políticos. O presidente levou o país a mais um episódio gratuito de vergonha internacional ao defender o regime militar do Chile, que deixou 3.000 mortos e desaparecidos, e ao ofender a ex-líder Michelle Bachelet.

Para rebater um relatório que apontava ataques a defensores dos direitos humanos e um aumento das mortes provocadas pela polícia brasileira, Bolsonaro apelou para a crueldade pura. Atacou Bachelet, que produziu o texto pela ONU, e celebrou a morte do pai da ex-presidente na ditadura de Augusto Pinochet.

“Se não fosse o pessoal do Pinochet derrotar a esquerda em 1973, entre eles o teu pai, hoje o Chile seria uma Cuba”, disse. Alberto Bachelet se opôs ao golpe militar. Foi preso, torturado e morto em 1974.

Nem a direita chilena tolerou a barbaridade. O presidente Sebastián Piñera disse não concordar com as declarações sobre Bachelet, “especialmente num tema tão doloroso”.

Maria Hermínia Tavares de Almeida* - O eleitor não é uma ilha

- Folha de S. Paulo

Mesmo a propaganda sob medida para cada eleitor é só uma das informações que lhe chegam todo dia

O documentário britânico "The Great Hack" (Netflix), de Karim Amer e Jehane Noujaim, anda fazendo sucesso entre opositores progressistas de Bolsonaro. A intenção da dupla era demonstrar como a gigante de consultoria política Cambridge Analytica adquiriu de forma ardilosa dados de milhões de usuários do Facebook e os utilizou a fim de criar mensagens individualizadas para eleitores indecisos.

Elas teriam sido decisivas para eleger Donald Trump em 2016 e aprovar a saída da Inglaterra da União Europeia (brexit) no referendo do mesmo ano --e ainda propiciar a vitória da extrema direita mundo afora.

O filme defende uma tese controversa: a de que é possível utilizar dados pessoais para influir nas escolhas dos eleitores, um a um, em escala capaz de abalar os fundamentos da democracia.

Todo indivíduo seria presa fácil de organizações colossais a serviço da ultradireita, aptas a manipulá-lo a partir do acesso a seu perfil, do uso das tecnologias de informação e de conhecimentos de psicologia cognitiva.

Fernando Schüler* - Elogio aos moderados

- Folha de S. Paulo

Divergência e confrontação de opostos são virtudes da democracia, mas hoje se parecem mais com um de seus vícios

Polarização e estridência são marcas da democracia atual. O Pew Reserch Center mostrou que, em pouco mais de duas décadas, a proporção de democratas e republicanos que tem uma opinião muito desfavorável do partido rival cresceu, na média, de 19% para 57%. Os dados são fartos nessa direção. Divergência e confrontação de opostos sempre foram (e continuarão sendo) uma virtude da democracia, mas hoje se parecem mais com um de seus vícios.

Há muitas razões para isso. Pipa Norris, pesquisadora de Harvard, fala de um processo de confrontação cultural. Haveria, na democracia global, uma reação conservadora ao avanço da sociedade de direitos e das pautas progressistas que marcaram o avanço democrático global no período recente. Outros veem nisso o contrário: a reação do homem comum e sua cultura de bom senso reagindo aos excessos da retórica identitária, à falência das velhas elites e suas instituições, partidos, mídia, sindicatos, subitamente disfuncionais e descartáveis.

Não é difícil de perceber que a polarização dá o tom mesmo para explicar o mal-estar da democracia atual. Uma coisa parece certa: a internet tem muito a ver com isso. A neurocientista inglesa Susan Greenfield matou parte da charada quando definiu o mundo digital como um ecossistema de baixa empatia. Mundo sem rosto, sem calor, sem meios tons, confortavelmente distante das pessoas de carne e osso. Foi ele quem criou o grande paradoxo: nos deu imensa liberdade, mas também o caos.

O Brasil fez bem a lição de casa da polarização. O país já vinha polarizado desde a época de ouro do lulismo. A retórica do “nunca antes neste país”, desaparecida no tempo, já continha a lógica da exclusão. Nós, o povo, contra vocês, a elite, que nunca fez nada direito. Tudo isso explodiu, do lado inverso, e em certa medida como a mesma fúria, após as eleições de 2014. Não é preciso ir muito longe recontando essa história. Bolsonaro é, entre muitas coisas, o resultado de um país que já vinha polarizado há muito tempo.

Vinicius Torres Freire - Bolsonaro bate no teto

- Folha de S. Paulo

Presidente quer dinheiro extra para 'fazer algo'; Guedes e Maia dizem não, por ora

Jair Bolsonaro pediu mesmo a seus economistas que estudem a revisão do teto de gastos. O presidente insinuou a ideia, na manhã desta quarta-feira (4), confirmada de tarde por seu porta-voz e por gente do Planalto.

Qualquer que seja a solução que o governo encaminhe, haverá risco de tumulto, do político ao financeiro. A primeira tentativa será a de acelerar as medidas de contenção de despesa obrigatória, que não devem entrar em vigor a tempo de evitar penúrias.

Até uma meia dúzia de economistas-padrão (“ortodoxos” etc.) aceita a hipótese de rever o teto antes de 2026, data prevista na lei. Mas essa autorização de gasto extra, dizem, deveria ser limitada ao aumento da despesa em obras e reavivar o crescimento, não em gastos correntes do governo.

Dado o limite constitucional para o crescimento da despesa total, o crescimento da despesa obrigatória (Previdência, salários etc.) deixa cada vez menos dinheiro para investir em estradas ou pagar a conta de luz dos quartéis, no comentário característico de Bolsonaro.

O ministro Paulo Guedes (Economia) e companhia como de costume responderam que é possível evitar a paralisação de partes do governo a partir de 2020 com medidas que evitem o crescimento das despesas obrigatórias. Bolsonaro retrucou que é preciso não apenas limitar o gasto obrigatório mas também abrir um espaço para o “governo poder fazer alguma coisa”.

Maria Cristina Fernandes - Os barões do Orçamento

- Valor Econômico

'Investimento' dos políticos ultrapassa o da União

A verborragia do presidente da República já fez um estrago amazônico na imagem do Brasil no exterior e na sua própria base política. O conjunto da obra, no entanto, não se compara aos danos a serem provocados pela primeira 'fala' concreta de seus planos para o país, o projeto de lei orçamentária. Se no primeiro ano, o presidente cumpre o último orçamento elaborado por seu antecessor, é no segundo que o governo diz a que veio. Aquele enviado ao Congresso no dia 30 é um eloquente mapa do desastre anunciado.

Não porque seja fantasioso. Ao contrário. As variáveis da economia estão alinhadas com as previsões mais moderadas. O desastre se dá pelo fato de o governo inviabilizar o investimento no futuro com o custeio do presente. Não se trata apenas de cruzar o percentual decrescente destinado a investimentos (0,25%), com o volume crescente de despesas obrigatórias. É preciso ver como o Congresso, ao renovar esse desequilíbrio, tem sido premiado pelos serviços prestados

Com surpreendente disciplina e variada eficiência, os parlamentares têm exercido o contrapeso ao desgoverno Jair Bolsonaro. O Orçamento, porém, é uma demonstração de que o pró-labore está inflacionado. A soma das emendas individuais e de bancada com os fundos partidário e eleitoral pode chegar a R$ 20 bilhões. Nessas rubricas não está incluído o custeio das Casas, apenas aquilo que os parlamentares fazem em suas bases eleitorais. Mal comparando, é aí que está o 'investimento' da política parlamentar.

Essas rubricas já haviam sido inflacionadas pelo governo Michel Temer em retribuição ao impeachment que o viabilizou. O surpreendente é que continuem a aumentar justamente naquela gestão que se elegeu a partir do seu enxovalhamento. As emendas são uma prestação de contas dos parlamentares ao seu eleitor e os fundos públicos, uma garantia contra o abuso do poder econômico sobre partidos e eleições. É importante que a alocação de investimentos não fique restrita a burocratas do ar refrigerado, mas tem alguma coisa muito errada numa peça orçamentária em que a soma dessas rubricas supera toda a verba (R$ 19,4 bilhões) destinada aos investimentos da União.

Ribamar Oliveira - Não é hora de flexibilizar o teto de gastos

- Valor Econômico

É preciso encontrar formas de reduzir a despesa obrigatória

Desde 2014, o governo federal apresenta déficit primário em suas contas. Isso significa que o governo está pegando dinheiro emprestado no mercado para pagar despesas rotineiras, como energia elétrica, água, salário de seus funcionários, aposentadorias e outros gastos correntes. É como se um cidadão recorresse a empréstimos bancários para pagar o almoço da família e parte das despesas do dia a dia.

De 2014 ao fim de 2019, o déficit acumulado do governo central (Tesouro, Previdência e Banco Central) atingirá R$ 535 bilhões, considerando que o "buraco" deste ano ficará em torno de R$ 120 bilhões. Esse foi o montante de dinheiro que o governo pegou no mercado nos últimos seis anos apenas para cobrir suas despesas primárias, pressionando a taxa de juros. Sem contar a montanha de títulos que ele colocou no mercado para obter recursos e pagar os juros da dívida pública.

A perspectiva é de déficit primário por, pelo menos, mais três anos, de acordo com a mensagem do presidente Jair Bolsonaro ao Congresso Nacional que acompanha o Plano Plurianual 2020/2023. O primeiro superávit primário ocorrerá somente em 2023, assim mesmo de apenas 0,2% do Produto Interno Bruto (PIB).

Desde que o teto de gastos foi aprovado, no fim de 2016, até dezembro deste ano, a despesa obrigatória terá aumentado mais de R$ 200 bilhões, de acordo com projeção feita pelo Ministério da Economia. Para acomodar a elevação das despesas obrigatórias e cumprir o teto de gastos, o governo foi obrigado a cortar continuamente as chamadas despesas discricionárias, que nada mais são do que os investimentos e o custeio administrativo.

Ricardo Noblat - Bolsonaro acumula poder

- Blog do Noblat | Veja

Ou Moro se conforma ou pede as contas
Na noite do dia 28 de março do ano passado, Raul Jungmann, então ministro da Justiça, recebeu um telefonema do então diretor-geral da Polícia Federal. “Onde o senhor estará na madrugada de amanhã?” – perguntou o diretor. “Ora, em minha casa”, respondeu o ministro. “Então eu lhe telefonarei mais tarde”, disse o diretor.

Ligou pouco antes das 6h para contar que em instantes seria preso o coronel João Baptista Lima Filho, amigo do presidente Michel Temer e seu parceiro em negócios suspeitos. Em seguida, Temer ligou para Jungmann. Acabara de saber pelo coronel que agentes federais cercavam o prédio onde ele morava na capital paulista.

Quem nomeia o diretor-geral da Polícia Federal é o presidente da República, mas quem indica é o ministro da Justiça. Sempre foi assim. Embora administrativamente subordinada ao Ministério da Justiça, ela é um órgão do Estado, não do governo. Responde às ordens do Poder Judiciário, e de mais ninguém.

Daí seu elevado grau de autonomia respeitado por todos os ministros e presidentes desde o fim da ditadura militar de 64. Daí porque nem mesmo o ministro tem acesso às suas informações. Sobre operações de captura de criminosos, por exemplo, o ministro só fica sabendo em cima da hora. Como foi o caso de Jungmann.

Sempre foi assim, mas o presidente Jair Bolsonaro não quer mais que seja assim. Mandou o ministro Sérgio Moro substituir o atual diretor-geral da corporação, o delegado Maurício Valeixo. Ex-superintendente da PF no Paraná, Valeixo e Moro atuaram em dobradinha quando a Lava Jato de Curitiba estava com a bola cheia.

Dá-se por certo dentro da PF que Moro não terá força para se opor à vontade de Bolsonaro, nem argumentos novos que possam convencê-lo do contrário. O estoque de argumentos de Moro esgotou-se há uma semana quando ele e Bolsonaro tiveram uma discussão áspera sobre o assunto no Palácio do Planalto.

Bolsonaro tem dois candidatos para a vaga que deverá se abrir em breve com a saída de Valeixo: o delegado Anderson Gustavo, Secretário de Segurança Pública do Distrito Federal, e o delegado Alexandre Ramagem, diretor-geral da Agência Brasileira de Inteligência (ABIN), o Serviço Secreto do governo.

Ramagem encarregou-se segurança pessoal de Bolsonaro depois da facada que ele levou em Juiz de Fora, e que amanhã completará um ano. Foi Bolsonaro quem pôs Ramagem na direção da ABIN, tirando dali o antigo diretor que havia sido indicado pelo general Augusto Heleno, ministro do Gabinete de Segurança Institucional.

Sempre vestido com um colete à prova de balas por debaixo da camisa, Bolsonaro tornou-se paranoico com sua própria segurança. Mas não é por isso que ele quer Ramagem no comando da PF. Quer porque ele é um homem de sua inteira confiança, fará seus gostos e não permitirá que nada o surpreenda.

Essa foi uma das razões para a transferência do Ministério da Economia para a órbita do Banco Central do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (COAF) que mudou de nome. Passou a se chamar Unidade de Inteligência Financeira (UIF). Dali foi demitido Roberto Leonel, indicado por Moro.

O UIF exercerá o mesmo papel do extinto COAF, que monitorava, analisava e produzia relatórios de inteligência financeira. Mas com uma diferença: os conselheiros do COAF deveriam ser servidores públicos. Os do UIF não precisam ser. Indicações políticas também poderão ser acatadas. Bolsonaro as repele, mas nem tanto.

A Receita Federal está na mira de Bolsonaro. E está previsto para amanhã o anúncio do nome do novo Procurador-Geral da República que, segundo Bolsonaro, deverá estar 100% alinhado com ele para o bem e para o mal. No próximo ano, Bolsonaro nomeará um novo ministro do Supremo Tribunal Federal. E, em 2021, mais um.

Se não mudar de opinião até lá, os dois ministros serão “terrivelmente evangélicos”. E deverão rezar pela cartilha dele.

O que Maduro e Bolsonaro têm em comum

O que pensa a mídia – Editoriais

Borduna na Carta – Editorial | Folha de S. Paulo

Os prejuízos do destempero verbal de Bolsonaro ao país são lamentáveis; ainda mais preocupantes são seus flertes confusos com atitudes autoritárias

O estilo autêntico, para usar uma expressão cultivada nos círculos situacionistas, do presidente Jair Bolsonaro (PSL) sobressaiu mais uma vez na conversa que travou com esta Folha na manhã da terça (3).

A resistência da Polícia Federal às tentativas de intrusão em nomeações de escalões inferiores, responsáveis por investigações envolvendo familiares do presidente, foi tachada pelo mandatário de “babaquice”. Sua intenção, afirmou, seria apenas a de dar uma “arejada” no comando daquela organização.

Ao ministro Paulo Guedes, outrora reverenciado como uma enciclopédia pelo chefe, sobrou a pecha de “chucro” na política. O titular da Economia também foi alertado para o risco de “tomar porrada” do presidente caso não apresente compensações convincentes para a sua obsessão por fazer reencarnar alguma forma de CPMF.

Outro que assumiu sob a expectativa de acumular superpoderes, embora sistematicamente solapado pelo presidente desde então, Sergio Moro foi qualificado de “ingênuo”. O ministro da Justiça, segundo Bolsonaro, seria rechaçado no Senado caso fosse indicado para o Supremo Tribunal Federal.

As farpas contra a correligionária e líder do governo no Congresso, Joice Hasselmann, atingiram a pretensão da deputada de disputar a prefeitura paulistana com o apoio de Bolsonaro, que a acusou de ter “um pé em cada canoa”.

Bolsonaro ataca pai de Bachelet, torturado na ditadura Pinochet

Bolsonaro responde a críticas de Bachelet com ataque a pai torturado na ditadura Pinochet

Alberto Bachelet e Michelle estão entre as 32 mil pessoas torturadas e presas durante a ditadura no Chile

Matheus Lara, Rodrigo Turrer e Julia Lindner | O Estado de S.Paulo

Em resposta a críticas da ex-presidente do Chile Michelle Bachelet, o presidente Jair Bolsonaro afirmou que a chilena "investe contra o Brasil na agenda de direitos humanos (de bandidos)" e atacou seu pai, Alberto Bachelet, torturado e morto pela ditadura de Augusto Pinochet no país. Alta Comissária para Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU), ela disse em entrevista que o "espaço democrático" no Brasil estava encolhendo.

"Nos últimos meses, observamos (no Brasil) uma redução do espaço cívico e democrático, caracterizado por ataques contra defensores dos direitos humanos, restrições impostas ao trabalho da sociedade civil", afirmou Bachelet em uma entrevista coletiva em Genebra, na Suíça.
Em resposta, Bolsonaro disse que o Chile "só não é uma Cuba" devido ao golpe militar que derrubou o presidente Salvador Allende em 1973. Segundo o presidente, o golpe "deu um basta à esquerda" no país, "entre esses comunistas o seu pai, brigadeiro à época", se referindo a Alberto Bachelet.

"Seguindo a linha do (Emmanuel) Macron (presidente da França) em se intrometer nos assuntos internos e na soberania brasileira, (Michelle Bachelet) investe contra o Brasil na agenda de direitos humanos (de bandidos), atacando nossos valorosos policiais civis e militares", escreveu Bolsonaro em rede social.

"Diz ainda que o Brasil perde espaço democrático, mas se esquece que seu país só não é uma Cuba graças aos que tiveram a coragem de dar um basta à esquerda em 1973, entre esses comunistas o seu pai brigadeiro à época", concluiu, no Facebook.

Bolsonaro, que estará na Assembleia-Geral da ONU neste mês, publicou uma foto em que a ex-presidente chilena aparece ao lado de Dilma Rousseff e Cristina Kirchner, ex-presidentes de Brasil e Argentina. O ministro das Relações Exteriores endossou as críticas de Bolsonaro em seu Twitter.

Bolsonaro ataca pai de Bachelet, morto sob Pinochet, e defende golpe no Chile

Comissária da ONU apontou aumento das mortes feitas por policiais no Brasil; presidente chileno disse não compartilhar com a opinião de Bolsonaro

- Folha de S. Paulo

SÃO PAULO E BRASÍLIA - O presidente Jair Bolsonaro atacou nesta quarta (4) o pai de Michelle Bachelet, alta comissária da ONU para direitos humanos e ex-presidente do Chile. Alberto Bachelet foi torturado e morto pela ditadura militar de Augusto Pinochet.

A crítica veio após Bachelet dizer em uma entrevista que o Brasil sofre uma "redução do espaço democrático", especialmente com ataques contra defensores da natureza e dos direitos humanos.

"Michelle Bachelet, seguindo a linha do [presidente francês Emmanuel] Macron em se intrometer nos assuntos internos e na soberania brasileira, investe contra o Brasil na agenda de direitos humanos [de bandidos], atacando nossos valorosos policiais civis e militares", escreveu o presidente em uma rede social.

"Diz ainda que o Brasil perde espaço democrático, mas se esquece de que seu país só não é uma Cuba graças aos que tiveram a coragem de dar um basta à esquerda em 1973, entre esses comunistas o seu pai brigadeiro à epoca", prosseguiu Bolsonaro, que publicou também uma foto de Bachelet, quando presidente, ao lado das ex-mandatárias Dilma Rousseff (Brasil) e Cristina Kirchner (Argentina).

Alberto Bachelet, pai de Michelle, era general de brigada da Força Aérea e se opôs ao golpe militar dado por Augusto Pinochet em setembro de 1973. Ele foi preso e torturado pelo regime e morreu sob custódia, em fevereiro de 1974.

A ex-presidente chilena também foi presa e torturada por agentes de Pinochet em 1975.

Na manhã desta quarta-feira, ao sair do Palácio da Alvorada para cumprir uma agenda em Anápolis (GO), Bolsonaro voltou a criticar Bachelet e a atacar seu pai.

O presidente disse que a alta comissária da ONU "defende direitos humanos de vagabundos".

"[Michelle Bachelet] está acusando que eu não estou punindo policiais, que estão matando muita gente no Brasil. Essa é acusação dela. Ela está defendendo direitos humanos de vagabundos", afirmou.

"Senhora Michelle Bachelet, se não fosse o pessoal do Pinochet derrotar a esquerda em 1973, entre eles o teu pai, hoje o Chile seria uma Cuba. Eu acho que não preciso falar mais nada para ela. Quando tem gente que não tem o que fazer, vai lá para a cadeira de Direitos Humanos da ONU", acrescentou o presidente.

Declarações de Bolsonaro sobre Bachelet são repudiadas por direita, centro e esquerda no Chile

Presidente brasileiro disse que 'se não fosse o pessoal do Pinochet derrotar a esquerda em 1973', incluindo o pai de Bachelet, 'hoje o Chile seria uma Cuba'

Janaína Figueiredo | O Globo

RIO — As declarações do presidente Jair Bolsonaro sobre a alta comissária da ONU para os Direitos Humanos, Michelle Bachelet , e seu pai, general Alberto Bachelet , morto por causa das torturas sofridas durante a ditadura de Augusto Pinochet (1973-1990), foram repudiadas por dirigentes dos principais partidos políticos do país. Deputados e senadores de esquerda, centro e direita questionaram o que consideraram um ataque à ex-presidente chilena (2006-2010 e 2014-2018) e uma utilização por parte de Bolsonaro da História do Chile "com fins de política interna".

A polêmica iniciou-se com um posicionamento de Bachelet nesta quarta-feira sobre a democracia e os direitos humanos no Brasil. Perguntada sobre o assunto numa coletiva em Genebra, a alta comissária da ONU afirmou que houve "uma redução do espaço democrático" no país. Bachelet se referiu a "ataques contra defensores dos direitos humanos e restrições impostas ao trabalho da sociedade civil". A ex-presidente do Chile, que foi presa e torturada durante a ditadura em seu país, também falou sobre o aumento de violência policial, especialmente no Rio.

A resposta de Bolsonaro foi rápida e incluiu uma menção ao passado de Bachelet e sua família. Em sua conta no Twitter, o chefe de Estado afirmou que "se não fosse o pessoal do [Augusto] Pinochet derrotar a esquerda em 1973, entre eles o seu pai (de Bachelet), hoje o Chile seria uma Cuba". Para Bolsonaro, a alta comissária da ONU está "defendendo direitos humanos de vagabundos".

Em Santiago, as declarações do presidente causaram espanto e revolta:

— São lamentáveis as declarações de Bolsonaro. Ele usa a figura de Bachelet para assuntos de política interna do Brasil. As batalhas se ganham com ideias, não com acusações desse tipo. Um liderança política séria e responsável deve ter argumentos e não fazer ataques — disse ao GLOBO o deputado Issa Kort, da direitista União Democrática Independente (UDI), que integra a aliança de governo do presidente Senastián Piñera.

Para ele, os chilenos "conhecemos a História de nosso país e devemos aprender dela, mas não permitir que outros países usem nossa História para seus fins políticos. Nunca usamos a História do Brasil para fins de política interna e não podemos aceitar que Bolsonaro o faça. O que aconteceu no Chile fica no Chile e se resolve no Chile".

O presidente do partido Renovação Nacional (RN), outro membro da aliança de direita que governa o Chile, Mario Desbordes, também lamentou as declarações do presidente brasileiro em relação a Bachelet.

— Não me parece que faça sentido. A alta comissária está fazendo seu trabalho e o trabalho que as Nações Unidas fazem nessa matéria deve ser respeitado — afirmou Desbordes.

Repúdio da oposição
Entre opositores de Piñera as reações foram similares. O senador do Partido Socialista José Miguel Insulza, ex secretário geral da Organização de Estados Americanos (OEA), pediu ao governo que se pronuncie sobre a atitude de Bolsonaro. "O senhor Bolsonaro demonstrou uma capacidade de insultar as pessoas absolutamente impressionante", escreveu Insulza em sua conta no Twitter.

O também dirigente socialista e ex-embaixador do Chile na Argentina e Washington, Juan Gabriel Valdés, disse que "a menção ao pai de Michelle Bachelet é miserável. Espero que o governo do Chile proteste diante de insultos que afetam nosso país".Já a deputada do Partido Comunista Camila Vallejos disse "lamentar que o povo brasileiro tenha um presidente que faz apologia da ditadura".

— Muitos de nossos pais, irmãos e avós foram assassinados e desaparecidos graças à ditadura que ele reivindica. Essa opinião não representa a América Latina — enfatizou Vallejos.

O conflito desencadeou-se no mesmo dia em que o chanceler chileno, Teodoro Ribera, chega ao Brasil para uma visita. Ao contrário de políticos de oposição, o deputado Kort acredita que "este assunto não deve afetar as relações bilaterais entre Estados". O presidente do Chile sempre se referiu a Bolsonaro como um importante aliado na região e, durante a visita do chefe de Estado brasileiro a Santiago, em março passado, ignorou questionamentos de lideranças opositoras no Parlamento que se recusaram a participar de eventos oficiais em homenagem a Bolsonaro.

A Justiça chilena julgou e condenou dezenas de militares envolvidos em crimes da ditaduras, entre eles três coronéis, responsabilizados pela morte de Alberto Bachelet. As investigações oficiais confirmaram que o general, defensor do governo de Salvador Allende (1970-1973), foi vítima de um infarto que tinha relação direta com as torturas sofridas na prisão.

Presidente do Chile condena falas de Bolsonaro sobre pai de Bachelet

'Não compartilho em absoluto à menção feita pelo presidente', disse Piñera em pronunciamento

- Folha de S. Paulo

SÃO PAULO E LISBOA - O presidente do Chile, Sebastián Piñera, disse em pronunciamento nesta quarta-feira (4) não compactuar com as falas do presidente Jair Bolsonaro sobre o pai de Michelle Bachelet, alta comissária da ONU para direitos humanos e ex-presidente do Chile.

Piñera, um dos principais aliados regionais de Bolsonaro, afirmou que "toda pessoa tem o direito de ter seu juízo histórico sobre os governos dos anos de 1970 e 1980, mas que estas visões devem ser expressadas com respeito às pessoas".

"Não compartilho em absoluto à menção feita pelo presidente Bolsonaro por respeito à uma ex-presidente do Chile e, especialmente, em um tema tão doloroso como a morte de seu pai."

Piñera também reforçou que seu compromisso sempre foi com a democracia, a liberdade e os direitos humanos "em todo o tempo, lugar e circunstância".

O presidente Jair Bolsonaro atacou nesta quarta o pai de Michelle Bachelet, Alberto Bachelet, que foi torturado e morto pela ditadura militar de Augusto Pinochet.

A crítica veio após Bachelet dizer em uma entrevista que o Brasil sofre uma "redução do espaço democrático", especialmente com ataques contra defensores da natureza e dos direitos humanos.

"Michelle Bachelet, seguindo a linha do [presidente francês Emmanuel] Macron em se intrometer nos assuntos internos e na soberania brasileira, investe contra o Brasil na agenda de direitos humanos [de bandidos], atacando nossos valorosos policiais civis e militares", escreveu o presidente em uma rede social.

"Diz ainda que o Brasil perde espaço democrático, mas se esquece de que seu país só não é uma Cuba graças aos que tiveram a coragem de dar um basta à esquerda em 1973, entre esses comunistas o seu pai brigadeiro à epoca", prosseguiu Bolsonaro, que publicou também uma foto de Bachelet, quando presidente, ao lado das ex-mandatárias Dilma Rousseff (Brasil) e Cristina Kirchner (Argentina).

Alberto Bachelet, pai de Michelle, era general de brigada da Força Aérea e se opôs ao golpe militar dado por Augusto Pinochet em setembro de 1973. Ele foi preso e torturado pelo regime e morreu sob custódia, em fevereiro de 1974.

A ex-presidente chilena também foi presa e torturada por agentes de Pinochet em 1975.

Bolsonaro ataca Bachelet e ironiza morte do pai da ex-presidente

Por Renan Truffi | Valor Econômico

BRASÍLIA - O presidente Jair Bolsonaro afirmou que o Chile “seria hoje uma Cuba” não fosse a atuação contra a esquerda liderada pelo ditador Augusto Pinochet (1915-2006). A afirmação foi feita na saída do Palácio da Alvorada, antes de presidente se dirigir para Anápolis (GO), onde participará de uma cerimônia de recebimento da aeronave KC-390, pela Força Aérea.

Alçado ao comando do país ao liderar um golpe de Estado em 1973 com apoio dos Estados Unidos, o general do Exército Pinochet instaurou uma ditadura no país que promoveu assassinatos e torturas contra militantes de esquerda, artistas, intelectuais e ex-aliados. No campo econômico, patrocinou reformas liberais. Ele governou até 1990 e passou a servir depois como senador vitalício, um cargo criado exclusivamente para ele.

Mais cedo, Bolsonaro publicou um post no Facebook com críticas contra a ex-presidente do Chile, Michelle Bachelet, hoje chefe do Alto Comissariado de Direitos Humanos da ONU, e escreveu que ela, “seguindo a linha do Macron em se intrometer nos assuntos internos e na soberania brasileira, investe contra o Brasil na agenda de direitos humanos (de bandidos), atacando nossos valorosos policiais civis e militares”.

E prosseguiu: “Diz ainda que o Brasil perde espaço democrático, mas se esquece que seu país só não é uma Cuba graças aos que tiveram a coragem de dar um basta à esquerda em 1973, entre esses comunistas o seu pai brigadeiro à epoca”. Bolsonaro se referiu ao general Alberto Bachelet, que foi torturado e assassinado depois de se manter leal ao presidente socialista Salvador Allende na ocasião do golpe militar.

Bolsonaro continuou seus ataques a Bachelet, dizendo que a atual comissária dos Direitos Humanos da ONU trabalha para “vagabundos” e ironizou a morte do pai da ex-presidente.

"Ela [Bachelet] agora vai na agenda de direitos humanos. Está acusando que eu não estou punindo policiais, que estão matando muita gente no Brasil. Essa é acusação dela. Ela está defendendo direitos humanos de vagabundos. Ela diz mais ainda, ela diz que o Brasil está perdendo o seu espaço democrático", disse. "Senhora Michele Bachelet, se não fosse o pessoal do Pinochet derrotar a esquerda em 73, entre eles o teu pai, hoje o Chile seria uma Cuba. Eu acho que não preciso falar mais nada para ela. Quando tem gente que não tem o que fazer, vai lá para a cadeira de Direitos Humanos da ONU", completou.

Alberto Bachelet foi preso três dias depois da queda de Allende e morreu, ainda no cárcere, em 12 de março de 1974. Em 2012, dois coronéis chilenos chegaram a ser presos acusados de torturar e causar a morte do pai da ex-presidente do Chile. Assim como o pai, Michelle também está entre as pessoas torturadas e presas durante a ditadura de Pinochet (1973-1990).

Em entrevista coletiva ontem em Genebra, Suíça, Bachelet afirmou que o espaço democrático no Brasil está encolhendo. Reclamou do aumento da violência policial e da apologia à ditadura. Segundo ela, isso reforça a sensação de impunidade e representa uma ameaça a defensores de direitos humanos.

Poesia | João Cabral de Melo Neto -A mulher sentada

Mulher. Mulher e pombos.
Mulher entre sonhos.
Nuvens nos seus olhos?
Nuvens sob seus cabelos.

(A visita espera na sala;
a notícia, no telefone;
a morte cresce na hora;
a primavera, além da janela).

Mulher sentada. Tranquila
na sala, como se voasse.

Música | Elton Medeiros - Pressentimento