- Valor Econômico
É preciso encontrar formas de reduzir a despesa obrigatória
Desde 2014, o governo federal apresenta déficit primário em suas contas. Isso significa que o governo está pegando dinheiro emprestado no mercado para pagar despesas rotineiras, como energia elétrica, água, salário de seus funcionários, aposentadorias e outros gastos correntes. É como se um cidadão recorresse a empréstimos bancários para pagar o almoço da família e parte das despesas do dia a dia.
De 2014 ao fim de 2019, o déficit acumulado do governo central (Tesouro, Previdência e Banco Central) atingirá R$ 535 bilhões, considerando que o "buraco" deste ano ficará em torno de R$ 120 bilhões. Esse foi o montante de dinheiro que o governo pegou no mercado nos últimos seis anos apenas para cobrir suas despesas primárias, pressionando a taxa de juros. Sem contar a montanha de títulos que ele colocou no mercado para obter recursos e pagar os juros da dívida pública.
A perspectiva é de déficit primário por, pelo menos, mais três anos, de acordo com a mensagem do presidente Jair Bolsonaro ao Congresso Nacional que acompanha o Plano Plurianual 2020/2023. O primeiro superávit primário ocorrerá somente em 2023, assim mesmo de apenas 0,2% do Produto Interno Bruto (PIB).
Desde que o teto de gastos foi aprovado, no fim de 2016, até dezembro deste ano, a despesa obrigatória terá aumentado mais de R$ 200 bilhões, de acordo com projeção feita pelo Ministério da Economia. Para acomodar a elevação das despesas obrigatórias e cumprir o teto de gastos, o governo foi obrigado a cortar continuamente as chamadas despesas discricionárias, que nada mais são do que os investimentos e o custeio administrativo.
Em 2016, as despesas discricionárias ficaram em R$ 141,2 bilhões. A proposta orçamentária para 2020, enviada pelo governo ao Congresso na semana passada, prevê que elas serão de apenas R$ 105,3 bilhões. Ou seja, elas serão reduzidas em R$ 35,9 bilhões, colocando em risco o funcionamento da máquina pública e comprometendo a oferta de bens e serviços à população.
Em entrevista ontem a jornalistas, o presidente Jair Bolsonaro disse que, se os gastos obrigatórios não pararem de aumentar, daqui a dois ou três anos as despesas discricionárias vão zerar. "Isso é uma questão de matemática", disse o presidente. Não há dúvida de que, se a dinâmica da despesa obrigatória não for mudada, já em 2021 o teto se transformará em um garrote insuportável, asfixiando os ministérios. E, mesmo nesse caso, as medidas de ajuste das despesas previstas na emenda constitucional 95/2016, que criou o teto de gastos, não poderão ser utilizadas.
O governo de Michel Temer cometeu um erro no texto da emenda constitucional que instituiu o teto de gastos, só percebido neste ano. A emenda 95 criou um gatilho que não dispara. A emenda estabelece que, se o teto de gastos for furado, ou seja, se as despesas ultrapassarem o limite definido para o gasto, o governo terá que adotar uma série de medidas de ajuste.
Descumprido o teto, o governo não poderá conceder, a qualquer título, vantagem, aumento, reajuste ou adequação de remuneração de servidores. Não poderá também criar cargo, emprego ou função ou alterar estrutura de carreira que implique aumento de despesa. Da mesma forma, ficará impedido de admitir ou contratar pessoal, a qualquer título, realizar concurso público, criar ou majorar auxílios, vantagens, bônus, abonos, verbas de representação ou benefícios de qualquer natureza. Ficará ainda proibido de criar despesa obrigatória ou adotar medida que implique reajuste de despesa obrigatória acima da variação da inflação.
É um arsenal considerável e poderoso de medidas de ajuste. O problema é que, da forma como está redigida a emenda 95, não há meio de descumprir o teto de gastos. Em primeiro lugar, o governo não pode encaminhar um Orçamento que descumpra o teto. Se fizer isso, o presidente da República corre risco de impeachment. Durante a execução orçamentária, o governo não pode também gastar mais do que o teto. Se não pode descumprir o teto, não há como usar o arsenal de medidas previstas na emenda 95. Assim, o governo terá que reduzir continuamente as despesas discricionárias, até a paralisia da administração pública, para compensar o aumento das despesas obrigatórias.
A flexibilização do teto é um eufemismo. Na verdade, o que desejam os defensores da ideia é ampliar o espaço para o gasto. Isto significará duas coisas, pelo menos, que precisam ficar claras. O ajuste fiscal brasileiro já é bastante gradual, pois o país está em seu sexto ano com déficit primário. Talvez seja difícil encontrar outro país em situação semelhante. Com a flexibilização, o ajuste será ainda mais gradual.
Outra resultante da flexibilização do teto é que o novo ajuste, para não ser mais lento que o atual, necessitará de mais receita tributária. Ou seja, o ajuste será feito também com o aumento da carga tributária. É preciso saber se a sociedade brasileira aceita mais impostos.
A discussão que está acontecendo atualmente na Câmara dos Deputados, com a presença de representantes do Ministério da Economia, é a de encontrar um novo desenho para as regras fiscais, que permita acionar as medidas de ajuste previstas na emenda 95. Todo o debate gira em torno da proposta de emenda constitucional (PEC) 438, apresentada pelo deputado Pedro Paulo (DEM-RJ).
O relator da PEC 438, deputado Felipe Rigoni (PSB-ES), criou um grupo de assessores para discutir a matéria. O Ministério da Economia está representado no grupo. O primeiro entendimento a que se chegou até agora é que não se deve flexibilizar o teto de gastos. Essa é a posição do ministro da Economia, Paulo Guedes, e do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ).
O atual quadro de insolvência do setor público brasileiro nunca resultou de falta de regras fiscais. Algumas das nossas regras são melhores e mais modernas do que as existentes em vários países. O nosso problema sempre foi o de cumprir as regras fiscais. Toda vez que se tem de adotar as medidas de ajuste, a regra é alterada. Ou então, procura-se fazer o ajuste pelo lado da receita. É preciso mudar essa tradição e começar a fazer o que é preciso para ajustar as contas. O Brasil precisa voltar a crescer.
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