Borduna na Carta – Editorial | Folha de S. Paulo
Os prejuízos do destempero verbal de Bolsonaro ao país são lamentáveis; ainda mais preocupantes são seus flertes confusos com atitudes autoritárias
O estilo autêntico, para usar uma expressão cultivada nos círculos situacionistas, do presidente Jair Bolsonaro (PSL) sobressaiu mais uma vez na conversa que travou com esta Folha na manhã da terça (3).
A resistência da Polícia Federal às tentativas de intrusão em nomeações de escalões inferiores, responsáveis por investigações envolvendo familiares do presidente, foi tachada pelo mandatário de “babaquice”. Sua intenção, afirmou, seria apenas a de dar uma “arejada” no comando daquela organização.
Ao ministro Paulo Guedes, outrora reverenciado como uma enciclopédia pelo chefe, sobrou a pecha de “chucro” na política. O titular da Economia também foi alertado para o risco de “tomar porrada” do presidente caso não apresente compensações convincentes para a sua obsessão por fazer reencarnar alguma forma de CPMF.
Outro que assumiu sob a expectativa de acumular superpoderes, embora sistematicamente solapado pelo presidente desde então, Sergio Moro foi qualificado de “ingênuo”. O ministro da Justiça, segundo Bolsonaro, seria rechaçado no Senado caso fosse indicado para o Supremo Tribunal Federal.
As farpas contra a correligionária e líder do governo no Congresso, Joice Hasselmann, atingiram a pretensão da deputada de disputar a prefeitura paulistana com o apoio de Bolsonaro, que a acusou de ter “um pé em cada canoa”.
Tratou-se de uma crítica indireta às movimentações do governador de São Paulo, João Doria (PSDB), cujas simpatias políticas pela parlamentar do PSL são notórias, apesar de ele estar obrigado a apoiar eventual recandidatura do atual prefeito, o tucano Bruno Covas.
Mas, como o estilo presidencial não parece combinar com sutilezas, Bolsonaro também mandou um recado direto a Doria: o desejo do governador de disputar o Palácio do Planalto em 2022 não passaria de uma “ejaculação precoce”.
A esta altura, parece claro que o chefe de Estado não quer mudar a conduta. Amanheceu nesta quarta (4) ofendendo a ex-presidente do Chile Michelle Bachelet, o que causou novo incidente diplomático.
Os prejuízos do destempero verbal —que envenena o ambiente da disputa política, perturba o dos negócios e deprecia a imagem do Brasil— são profundamente lamentáveis. Mas, quando ele ameaça romper diques da Constituição, aí tem-se bem mais que algo a lamentar.
“Se eu levantar a borduna, todo mundo vai atrás de mim e eu não fiz isso ainda”, disse o chefe do Executivo na conversa com a Folha. Espera-se que não tenha refletido suficientemente, como costuma acontecer, a respeito da bravata autoritária que deixou solta no ar.
A Carta não oferece bordunas ao governante. Manda impedir qualquer um que tente erguê-las contra o edifício do Estado de Direito.
Não é hora de mexer no teto – Editorial | O Estado de S. Paulo
Seria um erro mudar a regra do teto de gastos, disse o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, e ele está certo. Cuidar da despesa é muito mais importante, mais produtivo e menos perigoso, neste momento, do que relaxar o controle das finanças públicas. Afrouxar o limite seria esconder o problema, em vez de tentar resolvê-lo, ponderou o deputado. Esse comentário vale como defesa da seriedade. O governo mal começou a arrumação de suas contas e será preciso alcançar resultados sólidos, nos próximos anos, antes de relaxar. Será fundamental mexer na composição da despesa e, como parte do esforço, na qualidade da administração.
Já muito apertado, o Orçamento-Geral da União ficará mais estreito no próximo ano, como se viu pela proposta recém-apresentada ao Congresso pelo Executivo. Todos os ministros terão pouco dinheiro para suas tarefas e alguns deles têm batalhado por mudança no limite do gasto.
As pressões têm partido principalmente da Casa Civil e de grupos militares próximos do presidente da República, segundo informou o Estado na edição de quarta-feira. A equipe econômica tem resistido.
Não se tem falado oficialmente sobre as pressões e sobre o debate, mas o próprio chefe de governo já se queixou do aperto financeiro. “Eu vou ter de cortar a luz de todos os quartéis do Brasil, por exemplo, se nada for feito”, disse o presidente Jair Bolsonaro, na quarta-feira de manhã, ao comentar a questão do teto. Ele já havia mencionado em mais de uma ocasião as dificuldades para continuar custeando as atividades militares. Sem defender explicitamente a mudança do limite constitucional para os gastos públicos, ele tem, no entanto, alimentado as queixas.
Criado por emenda constitucional no governo do presidente Michel Temer, o teto de gasto tem sido um importante fator de disciplina fiscal. Pela regra, o aumento da despesa de um exercício para outro pode corresponder no máximo à inflação do ano-base. Não há, portanto, crescimento real.
Essa limitação deve contribuir, em princípio, para o reequilíbrio das contas e para a obtenção, dentro de alguns anos, de superávits primários. Com esse dinheiro o governo poderá liquidar pelo menos os juros e conter a expansão da dívida pública, muito grande pelos padrões internacionais.
Nenhum avanço no conserto das contas públicas será suficiente sem uma revisão dos gastos e de seus critérios. Para tornar o Orçamento mais flexível será necessário eliminar as vinculações entre receitas e aplicações e tornar a administração mais eficiente. Isso permitirá, por exemplo, mudar a destinação de recursos de acordo com a evolução das prioridades. Também será conveniente mexer nas normas de administração de pessoal, tornando-as menos engessadas, mas sem facilitar a politização de admissões e demissões.
Reformas como essas deverão envolver muito debate e muitas pressões, principalmente corporativas, mas nunca se avançará o suficiente sem cuidar desses assuntos.
A curto prazo, o governo terá de continuar enfrentando as dificuldades associadas ao teto. Se for indispensável, será possível, de acordo com a regra em vigor, recorrer aos chamados gatilhos para conter os gastos com servidores. A regra do teto já contém um remédio para aliviar as dificuldades em casos muito especiais.
A situação seria menos complicada se o governo tivesse cuidado mais cedo de providenciar algum estímulo ao consumo e ao crescimento. Demorou muito para pensar em algo como a liberação de recursos do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço e do PIS-Pasep. Um pouco mais de animação nos negócios teria reforçado a arrecadação e pelo menos atenuado os problemas orçamentários.
A equipe econômica deve ter consciência de um risco especialmente importante: qualquer ensaio de mexida no teto poderá desencadear pressões muito fortes para aumento de despesas. Será muito fácil apresentar listas enormes de gastos importantes e urgentes. Se os defensores do ajuste cederem, o desastre poderá ser enorme. O governo adicionará a um primeiro ano economicamente muito ruim a recaída no descontrole das contas públicas.
Hora da liderança legislativa na Previdência – Editorial | O Globo
Entendimento político decorre não só da fragilidade econômica, mas também do aumento da expectativa de vida
O Senado avança na reforma da Previdência. A aprovação de dois projetos na Comissão de Constituição e Justiça abre caminho para concluir a votação no plenário, em dois turnos, ainda em outubro.
Mostrou-se acertado, ao menos nesse primeiro round, o acordo de procedimento feito pelos presidentes do Senado, Davi Alcolumbre; da Câmara, Rodrigo Maia, e pelo senador Tasso Jereissati (relator).
Conseguiram preservar a proposta de emenda constitucional aprovada na Câmara. E concentraram aspectos ainda polêmicos em PEC com tramitação simultânea, com detalhe relevante: ela abriga a possibilidade de adesão de estados e municípios ao futuro regime previdenciário da União.
É decisão importante para a criação de um ambiente político propício às demais iniciativas de modernização do Estado. Trata-se de uma corrida contra o tempo, na qual se tenta recuperar o tempo perdido nas últimas décadas e, ao mesmo tempo, abrir uma janela para o futuro.
De um lado, procura-se resgatar o princípio constitucional da igualdade de direitos, com redução das evidentes desigualdades no sistema previdenciário.
De outro, sinalizas e coma preservação da capacidade de solvência do setor público no médio prazo. São fundamentos de uma necessária mudança do ambiente econômico e social do país, com consequências positivas na recuperação da economia e na retomada de investimentos privados.
É correto o diagnóstico governamental de que um novo ciclo de crescimento econômico depende do reequilíbrio das contas públicas. Para tanto, é preciso rever as regras da Previdência, cujos gastos sobem ao ritmo de R$ 50 bilhões por ano e consomem mais da metade do Orçamento.
O Legislativo, felizmente, percebeu os riscos adiante e assumiu a liderança da reforma da Previdência, ao mesmo tempo em que preparara outras, nas áreas tributária e de gestão do Estado. Esse entendimento político decorre não apenas de uma fragilidade econômica conjuntural, mas da necessidade de reconhecer um fenômeno social brasileiro, o aumento significativo da expectativa de vida.
Aos 65 anos de idade, as mulheres têm expectativa de vida de 85 anos. Os homens, de 82 anos. E é preciso criar condições para que o Estado possa atender adequadamente à mudança estrutural na demografia.
A ONU calcula que, nas três décadas a partir de 2030, o Brasil vai duplicar novamente (14% para 28%) a proporção de pessoas idosas da população. França, Suécia e Estados Unidos só devem alcançar situação similar no último quarto deste século.
Hoje, o país gasta o equivalente a 14% do Produto Interno Bruto com a Previdência. Com essa acelerada transição demográfica, vai gastar 25% do PIB em 2050, estima a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico. Sem reforma já, o futuro é só dúvida.
Após previdência, alvo deve ser reforma administrativa – Editorial | Valor Econômico
Pior que o orçamento da União deste ano só o próximo. Apertado pelo teto de gastos, que só admite a correção das despesas primárias pela inflação, e pelas despesas obrigatórias, os recursos destinados aos ministérios e programas de governo serão em vários casos menores do que os do corrente exercício. O governo está perto de conseguir uma reforma da previdência, que lhe permite vislumbrar economias significativas nos próximos dez anos. Mas em 2020 o rombo da previdência ainda aumentará quase R$ 30 bilhões. Sobre a segunda maior despesa orçamentária, a folha de salários dos servidores, nada foi feito até agora, mas há promessa de ação. A inércia, neste ponto, é insustentável.
O aperto das finanças públicas até agora resultou em ajuste de má qualidade - os investimentos públicos tendem a zero. A execução atual, de R$ 39,9 bilhões entre janeiro e julho, e de R$ 49,4 bilhões em doze meses, já é menor do que a de 2007. A previsão para o ano que vem é metade disso - R$ 19,4 bilhões, o menor valor em décadas. A falta de recursos afeta outra área vital para a retomada do crescimento, a infraestrutura. A dotação do ministério correspondente terá corte de 30,4% em relação ao exercício corrente, e foi reduzida a R$ 4,7 bilhões. Não haverá mais investimentos em outras frentes, só a conclusão de 29 obras escolhidas como prioritárias - importante, mas insuficiente diante das necessidades.
Há falta de dinheiro, ilustrada pela redução do orçamento da Infraestrutura e Minas e Energia, e há também as prioridades políticas, nas quais se encaixam, por exemplo, o corte de 34% nas verbas do Ministério do Meio Ambiente (-34%). Com isso, o presidente Jair Bolsonaro, criticado pelo desmonte de instituições da área, ratifica a desimportância que atribui a ela.
A infraestrutura, que nunca foi um primor, se deteriora a olhos vistos. Aquela na qual se movem os funcionários públicos segue o mesmo caminho. O contingenciamento atingiu fortemente o custeio da máquina, hoje na casa dos R$ 97 bilhões, e tem viés de baixa. A proposta para 2020 é de R$ 89,2 bilhões, sendo R$ 69,8 bilhões para custeio e o restante para (minguados) investimentos. Especialistas indicaram que esse montante está na, ou já ultrapassou a, fronteira a partir da qual não há dinheiro para a continuidade de todas as atividades.
Apesar do sufoco, o déficit público cai com muito vagar. O governo se empenha para atingir o rombo de R$ 139 bilhões neste ano. Para 2020, promete reduzí-lo a R$ 124,1 bilhões e para obtê-lo, mesmo assim, terá de pedir ao Congresso a aprovação de um crédito extra de R$ 367 bilhões, necessário para que o governo cumpra a regra de ouro, que impede o uso do endividamento para cobertura de despesas de pessoal e custeio, por exemplo. Neste ano, o pedido foi de R$ 248,9 bilhões. O ministro Paulo Guedes disse que reduziria o déficit em um ano, mas pede agora aos parlamentares R$ 118 bilhões a mais.
A equipe econômica estuda formas de se adaptar ao cerco do teto de gastos, caçando receitas em várias partes. Entre elas: a redução dos repasses do Sistema S (em princípio, 20%), substituição de fontes de gastos (retreinamento de trabalhadores pelo sistema S), e legislação encaminhada ao Congresso para dar passos importantes que hoje não pode dar, como a redução da jornada e salários do funcionalismo público e flexibilização da estabilidade. A ideia que norteia as ações é a de que medidas preventivas sejam acionadas antes do aperto extremo e urgente das despesas, isto é, estabelecer um gatilho para o teto de gastos.
Mesmo medidas razoáveis como essas enfrentam obstáculos poderosos. Faziam parte das precauções instituídas pela Lei de Responsabilidade Fiscal que foram suspensas judicialmente e, recentemente, julgadas pelo Supremo Tribunal Federal. O tribunal as considerou inconstitucionais, ainda que preservassem empregos públicos. Com isso, O Estado faz malabarismos financeiros e suprime investimentos e serviços que atendem a população para preservar o pagamento de funcionários. "A despesa salarial é seis vezes maior que os investimentos públicos", diagnosticam Ana Abrão, Arminio Fraga Neto e Carlos Sundfeld (A reforma do RH no governo federal, da consultoria Oliver Wyman).
A equipe econômica prega a desvinculação total do orçamento, mas não agiu nessa direção até agora. É algo urgente, que precisa ser complementado pela reforma administrativa, para, entre outras coisas, estancar gastos com pessoal, subiram mais que as receitas da União, em termos reais, e continuam subindo.
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