quinta-feira, 5 de setembro de 2019

Merval Pereira - País pária

- O Globo

Isolamento no plano externo traz prejuízos econômicos concretos e nos põe à margem do Ocidente, com exceção dos EUA

Sim, Bolsonaro sempre foi assim. Mas está a cada dia mais Bolsonaro, menos presidente da República. A diferença é que nos 28 anos como deputado federal, as barbaridades que dizia ou fazia poucas vezes eram levadas a sério. Como quando elogiou o torturador Coronel Brilhante Ustra. Ou disse que a deputada Maria do Rosário não merecia ser estuprada por ser feia.

Raramente seus arroubos autoritários tinham repercussão na vida política do país, eram inócuos. Seu desassombro deixa de ser uma qualidade quando coloca o país em situação embaraçosa diante do mundo civilizado, ou defende teses que, na pessoa física, poderiam causar apenas revolta, mas, na jurídica, criam crises políticas que vão se avolumando.

Cometeu a mesma afronta contra a ex-presidente do Chile, Michele Bachelet, atual Delegada dos Direitos Humanos da ONU, que já cometera anteriormente com o presidente da OAB Felipe Santa Cruz. Além da gravidade em si, de desrespeito a líderes de instituições reconhecidamente representativas, demonstra um desprezo alarmante pela vida humana.

Respondeu a críticas políticas não com argumentos e fatos, mas com a apologia ao extermínio dos adversários de sua ideologia. No caso de Bachelet, ainda demonstrou uma visão enviesada, pois creditou a seu pai uma ideologia revolucionária que os historiadores negam.

Essa divisão rasa de amigos e adversários, que são todos comunistas, assim como o PT tacha de direitistas os seus críticos, só demonstra visão política deturpada, que torna impossível uma composição mais ampla com a sociedade.

A inviabilidade de uma coalizão não restrita à direita radical coloca o governo no isolamento interno, da mesma maneira que, no plano externo, estamos nos tornando párias com os controversos posicionamentos sobre o meio-ambiente e os direitos humanos.

Para os interesses políticos imediatos de Bolsonaro, o isolamento no plano interno não é mau negócio, já que ele estimula o choque contra o PT. Mas, no externo, traz prejuízos econômicos concretos e nos coloca à margem do mundo ocidental, com exceção dos Estados Unidos. Suas atitudes cada vez mais desabridas o levam a situações extremas com frequência. Quando recebeu aquela desazada benção do bispo Macedo, da Igreja Universal, Bolsonaro chorou.

Recentemente, repetiu que às vezes acorda à noite, angustiado, como já fizera anteriormente, ao lembrar-se da facada que levou na campanha presidencial. O fantasma do drama vivido naqueles dias não abandona o presidente que, como já escrevi aqui, pode estar sofrendo de Transtorno de Estresse Pós-Traumático (TEPT), que ocorre em pessoas que sofrem situações com risco de morrer.

Como decorrência do TEPT a literatura médica registra transtornos de ansiedade, de humor, anorexia nervosa, paranóia, narcisismo. Muitos desses fatores estão presentes no cotidiano de Bolsonaro. A paranóia vem marcando a ação cotidiana do presidente. Os limites que lhe são impostos pela democracia o estão irritando, descobriu que não pode tudo.

Ameaçou não passar a presidência para o vice-presidente Hamilton Mourão enquanto estivesse no hospital, mas teve que recuar. Disse que poderia deixar um interino na Procuradoria-Geral da República (PGR), mas vai anunciar o substituto de Raquel Dodge nos próximos dias, alertado de que poderia cometer um ato de improbidade administrativa se se omitisse.

Os permanentes atritos internos e externos podem ser atribuídos a transtornos de humor. Descobriu que sua caneta Bic (que agora abandonou por ser francesa) tinha muito poder. Anunciou em altos brados que quem manda é ele, mais ninguém. Comparou-se ao Rei no jogo de xadrez. Disse que elegeu sozinho boa parte do PSL, partido pelo qual disputou a eleição, e que pode deixar a sigla a qualquer momento. Um narcisismo que cultiva cada vez mais.

Ameaça ultrajante
O curta-metragem "Operação Lula Livre", publicado no You Tube, é ultrajante. Propaganda vulgar pela libertação do ex-presidente, conta a história de um grupo guerrilheiro que sequestra a filha do ministro Sérgio Moro, no filme chamado de Mauro, para exigir a libertação de Lula.

O ex-presidente aparece no papel de bom moço, e manda soltar a menina. Trata-se, segundo os autores, de " uma elocubração fabulatória relativa à progressiva iminência desta eventualidade histórica". A Polícia Federal está investigando, e os autores podem ser acusados de incentivo ao crime.

Um comentário:

Fernando Carvalho disse...

O povo brasileiro do 100% branco ao 100% preto é um degradê. É impossível isolar "raças" nessa sequência de tons contínuos. Gilberto Freyre já teorizou isso. O brasileiro caminha na direção de uma meta-raça. Essa "esquerda reacionária" a que Cesar Benjamin se refere é o PT, a famosa "esquerda que a direita gosta" do finado Leonel Brizola. O PT nasceu durante a ditadura militar. Geisel ficou surpreso quando soube que "Lula havia derrotado dos comunistas" no sindicato dos metalúrgicos. E os milicos, Golbery incluso, passaram a apoiar Lula e o PT. Ou seja o PT não é a esquerda brasileira e sim uma "esquerda" construída pelo inimigo. Esquerda Brasileira sempre foi o PCB que em aliança com o MDB derrotou os militares. A "esquerda que a direita gosta" pegou em armas contra os milicos e foi derrotada. O PT foi construído com essa cara comunistoide que tem, justamente para facilitar sua queda. E para ajudar o inimigo, se corrompeu, virou sinônimo de corrupção. A pior coisa que poderia acontecer ao Brasil seria uma volta de Lula ao poder. Salvo mediante uma radical e severa autocrítica (coisa a que o PT parece infenso), apresentação de um PROJETO DE PAÍS (o que o PT nunca teve) e formação das alianças necessárias para tocar isso tudo.
Tão absurdo quanto identificar negros no país é chamar gente de "morador de rua". Onde fica a cozinha, o banheiro e o quarto de um "morador de rua"? "Negros" e "moradores de rua" são habitantes do PROJETO BRASIL FAVELA que é o projeto de nossa classe dominante (a burguesia que fede).
E Bolsonaro é o homem que vai tocar esse projeto com radicalidade. Não bastam os clássicos "destacamentos especiais de homens armados" de que falava Marx. Agora a repressão será "terceirizada", os próprios cidadãos com armas e chicotes (caso dos empregados do supermercado que torturaram o ladrão de chocolate) farão "justica" com as próprias mãos.