Comissária da ONU apontou aumento das mortes feitas por policiais no Brasil; presidente chileno disse não compartilhar com a opinião de Bolsonaro
- Folha de S. Paulo
SÃO PAULO E BRASÍLIA - O presidente Jair Bolsonaro atacou nesta quarta (4) o pai de Michelle Bachelet, alta comissária da ONU para direitos humanos e ex-presidente do Chile. Alberto Bachelet foi torturado e morto pela ditadura militar de Augusto Pinochet.
A crítica veio após Bachelet dizer em uma entrevista que o Brasil sofre uma "redução do espaço democrático", especialmente com ataques contra defensores da natureza e dos direitos humanos.
"Michelle Bachelet, seguindo a linha do [presidente francês Emmanuel] Macron em se intrometer nos assuntos internos e na soberania brasileira, investe contra o Brasil na agenda de direitos humanos [de bandidos], atacando nossos valorosos policiais civis e militares", escreveu o presidente em uma rede social.
"Diz ainda que o Brasil perde espaço democrático, mas se esquece de que seu país só não é uma Cuba graças aos que tiveram a coragem de dar um basta à esquerda em 1973, entre esses comunistas o seu pai brigadeiro à epoca", prosseguiu Bolsonaro, que publicou também uma foto de Bachelet, quando presidente, ao lado das ex-mandatárias Dilma Rousseff (Brasil) e Cristina Kirchner (Argentina).
Alberto Bachelet, pai de Michelle, era general de brigada da Força Aérea e se opôs ao golpe militar dado por Augusto Pinochet em setembro de 1973. Ele foi preso e torturado pelo regime e morreu sob custódia, em fevereiro de 1974.
A ex-presidente chilena também foi presa e torturada por agentes de Pinochet em 1975.
Na manhã desta quarta-feira, ao sair do Palácio da Alvorada para cumprir uma agenda em Anápolis (GO), Bolsonaro voltou a criticar Bachelet e a atacar seu pai.
O presidente disse que a alta comissária da ONU "defende direitos humanos de vagabundos".
"[Michelle Bachelet] está acusando que eu não estou punindo policiais, que estão matando muita gente no Brasil. Essa é acusação dela. Ela está defendendo direitos humanos de vagabundos", afirmou.
"Senhora Michelle Bachelet, se não fosse o pessoal do Pinochet derrotar a esquerda em 1973, entre eles o teu pai, hoje o Chile seria uma Cuba. Eu acho que não preciso falar mais nada para ela. Quando tem gente que não tem o que fazer, vai lá para a cadeira de Direitos Humanos da ONU", acrescentou o presidente.
Em pronunciamento na tarde desta quarta, o presidente do Chile, Augusto Piñera, disse que toda pessoa tem o direito de ter seu juízo histórico sobre o governo do país nos anos 1970 e 1980, mas disse discordar das falas de Bolsonaro.
"Não compartilho em absoluto com a opinião de Bolsonaro em respeito a ex-presidente do Chile, e especialmente em um tema tão doloroso como na morte de seu pai", afirmou Piñera.
O presidente chileno também disse que o seu compromisso sempre foi com a democracia, a liberdade e os direitos humanos.
Bachelet fez a declaração sobre a redução da democracia no Brasil em uma entrevista coletiva em Genebra.
"Nos últimos meses, observamos [no Brasil] uma redução do espaço cívico e democrático, caracterizado por ataques contra defensores dos direitos humanos, restrições impostas ao trabalho da sociedade civil", disse.
Ela também apontou um aumento do número de pessoas mortas por policiais no Brasil, que afeta mais a negros e a moradores de favelas.
A ex-presidente chilena ainda lamentou o "discurso público que legitima as execuções sumárias" e a persistência da impunidade, além de questionar a política do governo de facilitar o acesso a armas.
A comissária recordou que ao menos oito defensores dos direitos humanos foram mortos no Brasil entre janeiro e junho, e que a maioria dessas mortes tiveram relação com disputas de propriedade, relacionada à "exploração ilegal de recursos naturais, principalmente agrícolas, florestais e minerais".
Para ela, essa violência ocorre em todo o país e afeta especialmente as comunidades indígenas. "33% dos incêndios florestais ocorrem em áreas indígenas ou de proteção", apontou.
"Dissemos ao governo que ele deve proteger os defensores dos direitos humanos e do meio ambiente, mas também examinar as medidas que podem desencadear violências contra esses defensores", afirmou Bachelet.
No Twitter, o ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, insinuou que Bachelet está "mal informada" e afirmou que "qualquer observador atento sabe que o Brasil vive uma democracia plena".
"O que está encolhendo é o espaço da esquerda. Talvez seja isso o que no fundo a preocupa. Está encolhendo porque cada vez menos brasileiros acreditam numa ideologia que só nos deu corrupção e pobreza", afirmou Araújo.
Bachelet presidiu o Chile por duas vezes, entre 2006 e 2010 e de 2014 a 2018. No ano passado, assumiu o cargo de alta comissária de direitos humanos na ONU.
Em junho, foi à Venezuela e produziu um relatório no qual aponta que o governo usa tortura e esquadrões da morte contra opositores. O ditador Nicolás Maduro reagiu e disse que o documento era mentiroso.
O presidente brasileiro é um grande crítico de Maduro e frequentemente usa a Venezuela como exemplo de país fracassado.
Bolsonaro fez da defesa da ditadura militar brasileira (1964-1985) uma de suas bandeiras, desde o período como deputado federal. Como presidente, passou a mostrar apoio também a antigos regimes militares de outros países, como Chile e Paraguai.
Em fevereiro, o presidente chamou o ex-ditador paraguaio Alfredo Stroessner (1912-2006), cujo governo foi marcado por crimes de assassinato, tortura e corrupção, de "estadista".
Em março, o presidente do Chile, Sebástian Piñera, disse discordar da posição de Bolsonaro sobre a ditadura chilena e disse que as frases do brasileiro sobre o tema eram "tremendamente infelizes".
Um dos exemplos citados por Piñera foi uma declaração do brasileiro de que "quem procura osso é cachorro", em referência à busca de restos mortais de pessoas perseguidas pelos militares.
Em julho, Bolsonaro fez um ataque ao pai do presidente da OAB, Felipe Santa Cruz. Ele disse que se Cruz quisesse saber, poderia contar como seu pai foi morto na ditadura militar.
Fernando Santa Cruz desapareceu em fevereiro de 1974, após ser preso por agentes do DOI-Codi, órgão de repressão da ditadura militar, no Rio de Janeiro.
Bolsonaro discursará na Assembleia Geral da ONU, em 24 de setembro, em Nova York. Por tradição, o presidente do Brasil sempre fica responsável por fazer a fala inicial desse encontro.
Colaboraram Ricardo della Colletta e AFP
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