quinta-feira, 24 de julho de 2008

DEU EM O GLOBO


ENTRE PORRETES E CENOURAS
Merval Pereira


NOVA YORK. Além de ter que torcer por uma derrapada de Barack Obama em sua primeira viagem internacional como candidato a presidente, coisa que até agora não aconteceu, o senador John McCain está lidando mal com uma espécie de "herança maldita" que, também no caso americano, está ajudando Obama. Tanto como senador como candidato, Obama foi contra o reforço de tropas no Iraque, no início de 2007, que sem dúvida proporcionou um controle maior da segurança no país, a ponto de permitir que hoje o próprio governo iraquiano fale em dispensar as tropas dos Estados Unidos até 2010, programação que coincide com a proposta do candidato democrata de retirada gradual por um período de 16 meses a partir de janeiro do próximo ano.


Não há dúvidas de que o reforço de tropas e a concentração de poderes no general Petraeus, comandante-geral das forças multinacionais no Iraque, que McCain apoiou desde o primeiro instante, ajudaram a criar a atual situação, mas, para efeitos de opinião pública americana, a melhoria de segurança não significa que os Estados Unidos estão ganhando a guerra do Iraque, mas sim que já é tempo de os soldados regressarem ao país, a principal bandeira de Obama.


Para infelicidade de McCain, também quem deu várias escorregadas na política externa foi ele, que, além de se referir a uma inexistente fronteira entre Iraque e Paquistão, onde a situação seria perigosa, deu uma versão sobre o controle da segurança no Iraque que não corresponde à realidade histórica, perdendo as credenciais de especialista em guerras e em política externa que se atribui por ser herói do Vietnã.


Querendo ressaltar a importância de ter apoiado o aumento das tropas e a mudança de estratégia que fora criticada por Obama, o candidato republicano atribuiu a essa decisão o movimento de tribos e insurgentes, na região de Anbar, contra as ações da Al Qaeda, conhecido como "Anbar Awakening" ("Despertar de Anbar", na tradução literal).


Acontece que esse movimento teve início em 2006, e as tropas extras dos Estados Unidos só chegaram ao Iraque entre fevereiro e março de 2007, quando também assumiu a função o general Petraeus.


É verdade que em setembro de 2006 os insurgentes contra a Al Qaeda formaram o Conselho de Jazeera em Ramadi, e começaram a trabalhar em conjunto com as forças da coalizão, o que se intensificou no início de 2007.


Ao comentar a posição do senador Barack Obama, o candidato republicano tentou menosprezar os conhecimentos do adversário, afirmando que ele desconhecia "fatos históricos" e fazia "um grande desserviço" ao não reconhecer o papel da liderança do general Petraeus e dos "jovens americanos que com seu sacrifício possibilitaram o sucesso no Iraque".


Mas, historicamente, foi McCain quem cometeu a gafe, que está sendo apontada como grave para quem pretende ser o comandante de uma guerra que não teria prazo para acabar.

Ao contrário, a viagem internacional de Obama está sendo vista como um divisor de águas que dará confiança ao eleitorado na capacidade de o candidato democrata vir a ser o futuro presidente dos Estados Unidos.


O diretor do Centro para Estudos Globais e Humanidades da Universidade Duke, Walter Mignolo, por exemplo, considera "muito interessantes" os movimentos internacionais de Obama, e atribui a eles algumas mudanças de atitude do governo Bush.


A atitude firme, mas conciliadora, que Obama vem defendendo para a política externa americana teria sido a razão de algumas mudanças liberalizantes da administração Bush, como retirar a Coréia do Norte da lista negra de países, e mesmo uma posição mais negociadora com o Irã.


Para Mignolo, a carta decisiva é a secretária de Estado Condoleezza Rice, "negra como Obama": "Ela está mudando de posição a política externa sentindo os novos tempos, revelando que no final ela é uma boa política, ou está apenas tratando de sua futura carreira?", pergunta.


A visita a Israel era considerada talvez a mais delicada etapa da viagem internacional, ainda mais porque Barack Obama havia feito uma declaração recentemente que teve que ser refeita em seguida. Num dia, ele se disse favorável a um Estado Palestino tendo por capital Jerusalém, para no dia seguinte afirmar que Jerusalém era indivisível, e teria que continuar sob domínio israelense.


Ontem, usando uma gravata comum listrada de azul e branco, as cores de Israel, Barack Obama saiu-se bem da questão, continuando a afirmar a soberania de Israel sobre Jerusalém, mas defendendo um Estado palestino independente. Mais importante do que tudo, reafirmou seu apoio integral na disputa com o Irã, não deixando dúvidas de que o Irã nuclear é uma ameaça tanto a Israel quanto aos Estados Unidos.


Disse estar disposto a negociar com o Irã, mas falou na política do "big stick" (grande porrete), que marca a época mais dura da política externa americana. É verdade que acenou com "big carrots" ("grandes cenouras") para atrair a boa vontade do Irã, mas isso faz parte da maneira que ele está encontrando para se equilibrar entre seu passado de político liberal e seu presente de candidato a presidente, que precisa atrair os votos da grande classe média branca americana, que ainda não o escolheu como seu candidato.


Ele tem, por exemplo, uma vantagem de 60 a 30 entre os eleitores judeus americanos, mas, quando se trata do eleitorado geral, ainda há uma divisão forte. Na mais recente pesquisa do jornal "Washinton Post" e da cadeia de televisão ABC, os eleitores estão claramente rachados entre Obama e McCain sobre quem é mais habilitado a lidar com questão de Israel com os palestinos: 44% votam em McCain, enquanto 42% preferem Obama. Mas os resultados são anteriores a esta viagem.

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