segunda-feira, 28 de julho de 2008

DEU NO JORNAL DO BRASIL


PÃO E CIRCOS
Wilson Figueiredo
Jornalista


Que não foi Lula quem fez do Brasil o que se vê, não resta dúvida. Mas o resto é com ele mesmo. Já há públicos para todos os espetáculos nos quais o presidente da companhia tanto é empresário, quanto faz o papel do artista em caso de necessidade, doença ou impedimento. Depois de emocionar principalmente os que pela primeira vez foram ao circo ver os saltos presidenciais de um trapézio para outro, sem a rede de segurança embaixo, Lula entrou na jaula para se defrontar com as feras nacionais. Foi uma revelação. Partiu de chicote na mão ao encontro do mensalão, de cuja existência nem suspeitara, apresentado pela oposição com a pompa das comissões parlamentares de inquérito e as circunstâncias dos grandes golpes.

O presidente não demorou a esclarecer que eram costumes antigos de que a memória recente não podia saber. A indireta acertou o peito oposicionista. Nada de novo, como lembraria Salomão. A platéia caiu em si, mas se segurou bem na arquibancada. Enquanto por um lado o governo, inspirado na máxima da velha Roma, distribuía pão, por outro a oposição cuidou de montar o circo para o povão. O fato foi que Lula & companhia colecionaram aplausos sob a forma de pesquisas que ressaltaram a popularidade presidencial em alta e, dadas as condições, preocupante. Estávamos no fim do primeiro mandato. O Ibope, traduzido para o dialeto político, dizia que os cidadãos queriam mais espetáculos e, portanto, faziam questão de Lula por mais uma temporada. O novo contrato de prestação de serviço foi aprovado sem maiores dificuldades. Tinha precedente ilustre.

Mas a repetição já não teve, por exemplo, o globo da morte. O segundo contrato (ou mandato, com o preferem os mais exigentes) não acrescentou novidade, nem teve feras dignas de adjetivos fortes. Circo e política esgotaram seus truques e se limitam a repetir o repertório que data do tempo dos nossos avós. Quem prefere chorar é o eleitor. A novidade desta temporada ia ser o veto aos candidatos com antecedentes perfeitamente dispensáveis ao exercício dos mandatos de prefeito e vereador, mas bastou anunciar a providência elementar de limpeza urbana para se fazer ouvir o apelo em defesa do direito do candidato ficha suja a se explicar, depois de eleito (se não for, estará dispensado, e, se for, também). O coro da hipocrisia nacional saiu em defesa da moral relativa. O candidato de ficha suja ficou para a próxima eleição. A que vem por aí foi ressalvada como a última grande exibição dos que sujaram o currículo com grandes ou pequenos furtos (não é questão de tamanho).

Feliz ou infelizmente, depende do ponto de vista, era tarde quando se verificou que só depois de interessar o público se descobriu que, sem os artistas, não haveria espetáculo. Os áulicos, outrora chamados de amarra-cachorro, levantaram a lebre: já era hora de assinar o contrato para a terceira temporada, e não pode ser mediante simples aditamento. Outro mandato, o terceiro, cabe numa cláusula do contrato atual. Iam bem as sondagens aqui e ali, principalmente ali, na arquibancada onde se localiza a opinião pública.

Quem não gostou foi o próprio empresário Luiz Inácio Lula da Silva, cansado de substituir artistas que caem doente ou cuidam de seus interesses, tanto no trapézio (com rede embaixo) quanto na jaula ou no globo da morte. Declarou-se cansado de turnês e anunciou uma temporada longe do picadeiro, para voltar quatro anos depois, dependendo da situação nacional. Estava a questão circense nesse ponto, quando deu na telha de Lula convocar uma reunião dos seus para inverter a ordem dos fatores sem alterar o produto: primeiro a reforma do regulamento, depois a eleição. Ou seja, a reforma da companhia deve preceder a temporada de espetáculos, com a Polícia Federal programada para editar cenas cinematográficas de algemas cujo uso deixou de ser privilégio de quem não tem onde cair morto. Certa confusão pode ser útil à passagem da reforma política à frente da sucessão presidencial. A conferir.

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