NA REPÚBLICA DOS BACHARÉIS
Alberto Dines
Em francês, rififi. Em vernáculo, há opções mais numerosas e sonoras: angu, auê, baralhada, babilônia, bochinche, fuzué, frege, lambança, sarilho, sururu, zorra. Começamos em sânscrito, na esfera mística da verdade absoluta para acabar em latim vulgar no pantanal dos paradoxos jurídicos, não muito longe do calão da malandragem.
O último lance da Operação Satiagraha foi propiciada por um cidadão carioca, motorista profissional, ex-aluno de direito – quem não é nesta terra? – que quinta passada entrou com uma ação popular para obter uma liminar que determine o retorno do delegado Protógenes Queiroz à chefia do inquérito que colocou Daniel Dantas na cadeia.
Wellington Borges da Silva Lúcio, ao que parece, não pretende apenas alçar o delegado da PF à condição de Elliot Ness (o intocável agente do FBI), quer confrontar a presidência da República que, aparentemente, forçou o afastamento do delegado Protógenes do comando das investigações.
Enquanto as cortes não se manifestam, a jurisprudência vacila e os autores divergem, o delegado Protógenes entregou (conforme prometera) o relatório final ao Ministério Público. Mais "enxuto", com menos 93 páginas, concentra-se mais no crime de gestão fraudulenta, exclui todos os jornalistas do relatório parcial, porém mantém as acusações à repórter da Folha de S. Paulo que antecipou, meses antes, as investigações da PF.
Curiosidades bacharelescas: como é que a imprensa soube dos detalhes a respeito do novo relatório? Inspiração divina, leitura labial ou funcionou novamente o velho e enferrujado cano dos vazamentos?
Não adianta esconder: o vazamento é a questão que deveria comandar o debate penal, não as algemas. Para isso seria indispensável uma dose menor de bacharelismo e mais atenção ao jornalismo, à imprensa (que, aliás, acaba de completar 200 anos sem qualquer comemoração). Como a PF tinha pressa e não dispunha de todos os elementos para incriminar definitivamente os acusados recorreu a uma imprensa que não resiste à tentação de publicar imediatamente, sem qualquer investigação, qualquer coisa que pareça sigilosa.
O primeiro vazamento para os jornais, há duas semanas, era altamente explosivo com nítido teor político e envolvia matéria remotamente ligada a questões financeiras, mas foi considerado estratégico para sobrepor-se ao entra-e-sai de Daniel Dantas do xilindró. Para a PF era imperioso fazer barulho, para a imprensa mostrar sua eficiência, quanto mais barulho, melhor.
Como o ministro Tarso Genro, não pode manter-se calado diante de um imbróglio tão retumbante, nesta mesma quinta-feira em evento da OAB fluminense aconselhou o cidadão brasileiro a acostumar-se com a idéia de que suas conversas telefônicas estão sendo grampeadas. A advertência não se referia à prodigalidade da justiça em autorizar gravações (são 33 mil ao mês, segundo levantamento do Globo), nem ao fato de que cada grampo é uma potencial mina de vazamentos. O ministro apenas compartilhava com a sociedade sua preocupação diante da infinita capacidade da "parafernália eletrônica" para invadir a privacidade de qualquer cidadão. O avalista do Estado de Direito não se incomoda em capitular publicamente ao Estado Big Brother, inquisidor e totalitário. Talvez tenha razão. Em questões de Direito, todos têm razão.
Então entram em campo corporações de magistrados e membros do Ministério Público apelando ao presidente da República para vetar o projeto que torna invioláveis os escritórios de advocacia. Alegam os meritíssimos e excelências que a blindagem legal impedirá decretos de busca e apreensão em escritórios de causídicos que defendem criminosos. Por acaso o veto impediria que estes advogados trabalhem em seus domicílios, garantidos pela inviolabilidade prevista na Constituição?
Com protagonistas devidamente togados, os duelos jurídicos são fascinantes: cada texto legal comporta interpretações diametralmente opostas, cada argumento contém a sua negação. Mas convenhamos: viver esta dialética só aumenta o forrobodó que impera na República.
» Alberto Dines é jornalista.
Alberto Dines
Em francês, rififi. Em vernáculo, há opções mais numerosas e sonoras: angu, auê, baralhada, babilônia, bochinche, fuzué, frege, lambança, sarilho, sururu, zorra. Começamos em sânscrito, na esfera mística da verdade absoluta para acabar em latim vulgar no pantanal dos paradoxos jurídicos, não muito longe do calão da malandragem.
O último lance da Operação Satiagraha foi propiciada por um cidadão carioca, motorista profissional, ex-aluno de direito – quem não é nesta terra? – que quinta passada entrou com uma ação popular para obter uma liminar que determine o retorno do delegado Protógenes Queiroz à chefia do inquérito que colocou Daniel Dantas na cadeia.
Wellington Borges da Silva Lúcio, ao que parece, não pretende apenas alçar o delegado da PF à condição de Elliot Ness (o intocável agente do FBI), quer confrontar a presidência da República que, aparentemente, forçou o afastamento do delegado Protógenes do comando das investigações.
Enquanto as cortes não se manifestam, a jurisprudência vacila e os autores divergem, o delegado Protógenes entregou (conforme prometera) o relatório final ao Ministério Público. Mais "enxuto", com menos 93 páginas, concentra-se mais no crime de gestão fraudulenta, exclui todos os jornalistas do relatório parcial, porém mantém as acusações à repórter da Folha de S. Paulo que antecipou, meses antes, as investigações da PF.
Curiosidades bacharelescas: como é que a imprensa soube dos detalhes a respeito do novo relatório? Inspiração divina, leitura labial ou funcionou novamente o velho e enferrujado cano dos vazamentos?
Não adianta esconder: o vazamento é a questão que deveria comandar o debate penal, não as algemas. Para isso seria indispensável uma dose menor de bacharelismo e mais atenção ao jornalismo, à imprensa (que, aliás, acaba de completar 200 anos sem qualquer comemoração). Como a PF tinha pressa e não dispunha de todos os elementos para incriminar definitivamente os acusados recorreu a uma imprensa que não resiste à tentação de publicar imediatamente, sem qualquer investigação, qualquer coisa que pareça sigilosa.
O primeiro vazamento para os jornais, há duas semanas, era altamente explosivo com nítido teor político e envolvia matéria remotamente ligada a questões financeiras, mas foi considerado estratégico para sobrepor-se ao entra-e-sai de Daniel Dantas do xilindró. Para a PF era imperioso fazer barulho, para a imprensa mostrar sua eficiência, quanto mais barulho, melhor.
Como o ministro Tarso Genro, não pode manter-se calado diante de um imbróglio tão retumbante, nesta mesma quinta-feira em evento da OAB fluminense aconselhou o cidadão brasileiro a acostumar-se com a idéia de que suas conversas telefônicas estão sendo grampeadas. A advertência não se referia à prodigalidade da justiça em autorizar gravações (são 33 mil ao mês, segundo levantamento do Globo), nem ao fato de que cada grampo é uma potencial mina de vazamentos. O ministro apenas compartilhava com a sociedade sua preocupação diante da infinita capacidade da "parafernália eletrônica" para invadir a privacidade de qualquer cidadão. O avalista do Estado de Direito não se incomoda em capitular publicamente ao Estado Big Brother, inquisidor e totalitário. Talvez tenha razão. Em questões de Direito, todos têm razão.
Então entram em campo corporações de magistrados e membros do Ministério Público apelando ao presidente da República para vetar o projeto que torna invioláveis os escritórios de advocacia. Alegam os meritíssimos e excelências que a blindagem legal impedirá decretos de busca e apreensão em escritórios de causídicos que defendem criminosos. Por acaso o veto impediria que estes advogados trabalhem em seus domicílios, garantidos pela inviolabilidade prevista na Constituição?
Com protagonistas devidamente togados, os duelos jurídicos são fascinantes: cada texto legal comporta interpretações diametralmente opostas, cada argumento contém a sua negação. Mas convenhamos: viver esta dialética só aumenta o forrobodó que impera na República.
» Alberto Dines é jornalista.
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