LINHAS TORTAS
Dora Kramer
Pesquisa Vox Populi encomendada pela Associação dos Magistrados Brasileiros, entidade carro-chefe da campanha contra os “fichas-sujas”, não mostra nada de muito novo no front das conturbadas relações entre políticos e sociedade.
A maioria (85%) abomina a atividade e não aposta meio real furado nas boas intenções de suas excelências.
A degradação da confiança chega ao ponto de levar boa parte das pessoas a avaliar o festejado (e copiado) sistema eletrônico de votação como vulnerável; 4% têm certeza absoluta de que o voto pode ser identificado, 17% tendem a concordar, embora com menos firmeza, e 14% não concordam nem discordam, o que já é suficiente para incluí-los no rol dos desconfiados.
Diante da insignificância da ocorrência de fraudes e contestações de resultados nas últimas eleições, isso mostra o quanto estão embaralhadas as coisas nessa seara. Da percepção negativa transita-se para a avaliação equivocada, daí, para as conclusões precipitadas e, sob determinados aspectos, completamente deformadas no tocante ao papel de cada um, representantes e representados.
Reza a regra tácita que o eleito é amoral por natureza e o eleitor uma vítima inocente da falta de ética dessa gente, cujo propósito primeiro é se eleger para se locupletar.
Até temos exemplos aos magotes que sustentam a tese. Mas os números apurados pelo Vox Populi mostram, no mínimo, a existência de interesseiros dos dois lados. Do balcão, já que o caso é de fisiologismo crônico de parte a parte.
Nada menos que 42% dos entrevistados acham que é obrigação dos políticos fazer frente a despesas de seus eleitores, como pagamento de contas de hospitais, enterros, material escolar, uma ajudazinha em espécie, essas coisas.
Outros 40% não consideram o assistencialismo obrigatório na atividade política, embora o vejam como necessário. Só uma minoria bem minoritária mesmo (17%) repudia a prática da troca do voto por vantagens pessoais.
Mais de 60% dos entrevistados disseram que conhecem alguém (provavelmente falavam de si) disposto a se vender a um candidato. Alguma diferença do que ocorre nas relações entre o Poder Executivo e aquela parte do Legislativo que põe seu mandato a serviço da formação de maiorias em troca de cargos e verbas?
Na essência, nenhuma. Quem espera “recompensa” porque ajudou a excelência a “chegar lá” não é melhor que a excelência que faz qualquer negócio para se compartilhar das benesses do poder, sendo parte incorporada ao próprio patrimônio e parte destinada a saciar o apetite do eleitorado.
É um círculo vicioso. Uma realidade distante dos grandes centros onde prevalece o voto de opinião, preponderante como visão geral.
Em boa medida explica a apatia da população, não obstante a crescente condenação à conduta de governantes e parlamentares: de um modo geral, o eleitor brasileiro não pegou o espírito da coisa democrática.
Não entendeu para que servem os políticos, privilegia o interesse individual em detrimento das causas coletivas, não compreendeu o papel da representação popular - 68% escolhem o mais “simpático” - e, portanto, não tem noção do peso do voto no exercício da cidadania.
Sendo assim, não cobra. Não sabe como nem vê realmente motivos para transpor os limites da indignação abstrata, bem mais confortável por dispensar o discernimento criterioso na crítica e a pretensa vítima longe do espelho da autocrítica, onde enxergaria refletida a imagem da cumplicidade.
Nome da rosa
Seja qual for de fato seu destino, a ministra Dilma Rousseff pelo menos já cumpre um papel essencial: tirou Lula da condição de presidente popular sem opção para a própria sucessão.
Isso ao mesmo tempo o diminuía frente à oposição e sua gama de candidatos, e alimentava suspeitas sobre o terceiro mandato. Duas situações que, no momento, não interessam ao presidente.
O efeito de Lula ter uma candidata para chamar de sua apareceu na vaia dos estudantes na UNE ao governador de São Paulo, José Serra, no Rio, que gritavam o nome de Dilma para confrontar Serra.
Até outro dia, não poderiam ir às ruas a bordo de palavras de ordens eleitorais sem despertar críticas por suposta defesa do continuísmo. Com Dilma na ponta da língua, os manifestantes podem até ter Lula no coração, mas não se expõem à pecha de golpistas.
Na trave
A cassação do deputado estadual Álvaro Lins foi uma auspiciosa surpresa, embora não redima a Assembléia Legislativa do Rio de seus pecados, conhecidos e desconhecidos.
Até porque o placar apertado - 36 a favor da cassação, 24 contra, três abstenções e a aprovação por quorum mínimo - mostrou que muita gente ali acredita na inocência do ex-chefe de Polícia Civil, preso e indiciado pela Polícia Federal por corrupção, ou fingiu acreditar por conveniência de motivação obscura.
Dora Kramer
Pesquisa Vox Populi encomendada pela Associação dos Magistrados Brasileiros, entidade carro-chefe da campanha contra os “fichas-sujas”, não mostra nada de muito novo no front das conturbadas relações entre políticos e sociedade.
A maioria (85%) abomina a atividade e não aposta meio real furado nas boas intenções de suas excelências.
A degradação da confiança chega ao ponto de levar boa parte das pessoas a avaliar o festejado (e copiado) sistema eletrônico de votação como vulnerável; 4% têm certeza absoluta de que o voto pode ser identificado, 17% tendem a concordar, embora com menos firmeza, e 14% não concordam nem discordam, o que já é suficiente para incluí-los no rol dos desconfiados.
Diante da insignificância da ocorrência de fraudes e contestações de resultados nas últimas eleições, isso mostra o quanto estão embaralhadas as coisas nessa seara. Da percepção negativa transita-se para a avaliação equivocada, daí, para as conclusões precipitadas e, sob determinados aspectos, completamente deformadas no tocante ao papel de cada um, representantes e representados.
Reza a regra tácita que o eleito é amoral por natureza e o eleitor uma vítima inocente da falta de ética dessa gente, cujo propósito primeiro é se eleger para se locupletar.
Até temos exemplos aos magotes que sustentam a tese. Mas os números apurados pelo Vox Populi mostram, no mínimo, a existência de interesseiros dos dois lados. Do balcão, já que o caso é de fisiologismo crônico de parte a parte.
Nada menos que 42% dos entrevistados acham que é obrigação dos políticos fazer frente a despesas de seus eleitores, como pagamento de contas de hospitais, enterros, material escolar, uma ajudazinha em espécie, essas coisas.
Outros 40% não consideram o assistencialismo obrigatório na atividade política, embora o vejam como necessário. Só uma minoria bem minoritária mesmo (17%) repudia a prática da troca do voto por vantagens pessoais.
Mais de 60% dos entrevistados disseram que conhecem alguém (provavelmente falavam de si) disposto a se vender a um candidato. Alguma diferença do que ocorre nas relações entre o Poder Executivo e aquela parte do Legislativo que põe seu mandato a serviço da formação de maiorias em troca de cargos e verbas?
Na essência, nenhuma. Quem espera “recompensa” porque ajudou a excelência a “chegar lá” não é melhor que a excelência que faz qualquer negócio para se compartilhar das benesses do poder, sendo parte incorporada ao próprio patrimônio e parte destinada a saciar o apetite do eleitorado.
É um círculo vicioso. Uma realidade distante dos grandes centros onde prevalece o voto de opinião, preponderante como visão geral.
Em boa medida explica a apatia da população, não obstante a crescente condenação à conduta de governantes e parlamentares: de um modo geral, o eleitor brasileiro não pegou o espírito da coisa democrática.
Não entendeu para que servem os políticos, privilegia o interesse individual em detrimento das causas coletivas, não compreendeu o papel da representação popular - 68% escolhem o mais “simpático” - e, portanto, não tem noção do peso do voto no exercício da cidadania.
Sendo assim, não cobra. Não sabe como nem vê realmente motivos para transpor os limites da indignação abstrata, bem mais confortável por dispensar o discernimento criterioso na crítica e a pretensa vítima longe do espelho da autocrítica, onde enxergaria refletida a imagem da cumplicidade.
Nome da rosa
Seja qual for de fato seu destino, a ministra Dilma Rousseff pelo menos já cumpre um papel essencial: tirou Lula da condição de presidente popular sem opção para a própria sucessão.
Isso ao mesmo tempo o diminuía frente à oposição e sua gama de candidatos, e alimentava suspeitas sobre o terceiro mandato. Duas situações que, no momento, não interessam ao presidente.
O efeito de Lula ter uma candidata para chamar de sua apareceu na vaia dos estudantes na UNE ao governador de São Paulo, José Serra, no Rio, que gritavam o nome de Dilma para confrontar Serra.
Até outro dia, não poderiam ir às ruas a bordo de palavras de ordens eleitorais sem despertar críticas por suposta defesa do continuísmo. Com Dilma na ponta da língua, os manifestantes podem até ter Lula no coração, mas não se expõem à pecha de golpistas.
Na trave
A cassação do deputado estadual Álvaro Lins foi uma auspiciosa surpresa, embora não redima a Assembléia Legislativa do Rio de seus pecados, conhecidos e desconhecidos.
Até porque o placar apertado - 36 a favor da cassação, 24 contra, três abstenções e a aprovação por quorum mínimo - mostrou que muita gente ali acredita na inocência do ex-chefe de Polícia Civil, preso e indiciado pela Polícia Federal por corrupção, ou fingiu acreditar por conveniência de motivação obscura.
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