sexta-feira, 17 de outubro de 2008

Crise financeira e política de mau gosto


Maria Cristina Fernandes
DEU NO VALOR ECONÔMICO


O agravamento da crise americana conseguiu de uma vez por todas desidratar o noticiário sobre o penteado de Sarah Palin, o comprimento de sua saia e a gravidez de sua filha. Que o sistema financeiro americano tenha precisado entrar em colapso para que isso acontecesse, é uma pista dos danos políticos provocados por décadas de exuberância financeira desregulamentada.

Foi sob os ditames dessa liberalização que sucessivos governos, por toda parte, em maior ou menor grau, adaptaram promessas de campanha, subjugaram compromissos eleitorais e impuseram limites à democracia.

O mundo que escapou do totalitarismo e emergiu do pós-guerra sob os ventos do sufrágio universal e da livre associação política viu crescer nas últimas três décadas o corolário da eficiência do mercado em detrimento da capacidade distributiva do Estado.

O enfraquecimento dos partidos e a perda da capacidade de mobilização da política foi uma decorrência, em grande parte, dessa limitação. Vem daí a letargia com que partidos e parlamentos reagem à crise.

As campanhas políticas se transformaram no sinal mais evidente desse esvaziamento e no instrumento mais abundante da alienação do eleitorado em relação à disputa pelo controle do Estado.

Foi assim que as campanhas eleitorais se transformaram no palco, por excelência, da revelação das preferências sexuais dos políticos, de seus casos extraconjugais e de seus filhos bêbados e bastardos.

Criou-se até a ideologia do direito de saber, da necessidade de homens e mulheres que optassem pela vida pública terem de estar preparados para uma vida de páginas abertas, ainda que essa regra, aqui e ali, tenha sido desigualmente aplicada aos competidores.

Em países de arraigada tradição avessa à exposição da vida íntima dos políticos, como a França, onde se guardou, por décadas, como segredo público, a existência da filha bastarda de um presidente, o eleitorado se viu cativo, na última campanha presidencial, do triângulo amoroso que movimentou a escolha de Nicolas Sarkozy.

A premiação de Paul Krugman com o Nobel de Economia deveu-se à sua teoria sobre o comércio internacional, explicou a academia sueca. Mas não deixa de ser sinal de novos tempos, que a escolha tenha recaído sobre um feroz crítico da política que a meca da liberalização dos mercados transformou em espetáculo de modas e costumes.

Sua crítica estendeu-se à imprensa que tornou-se sócia majoritária deste espetáculo, como, há cinco anos, já chamara atenção o jornalista Luiz Weis, com o artigo "O melhor crítico de mídia da América" sobre suas colunas no "The New York Times".

Em coluna de 2003, intitulada "Resoluções de Ano Novo", faz recomendações aos jornalistas. Algumas delas:

- "Não fale sobre roupas. A menos que você seja um repórter de moda, a obsessão com roupas é um insulto à inteligência de seus leitores".

- "Concentre-se nas propostas dos candidatos"

- "Cuidado com as anedotas"

- "Observe os antecedentes dos candidatos"

- "Não se deixe levar pelo histrionismo político"

- "Não é com vocês"

Como em todas as outras recomendações, nesta última o economista também adiciona esclarecimentos: pede que os jornalistas não se deixassem pautar pela sua relação pessoal com os políticos ao se reportarem sobre eles.

Numa coluna mais recente, no início da campanha Obama x McCain, cutuca a dificuldade de o discurso democrata politizar a crise: "Vasculhem o website da campanha de Obama e vocês encontrarão muitos detalhes sobre suas políticas. E as propagandas eleitorais trazem muitas propostas bem específicas - uma quantidade exagerada, na minha opinião. Não. O problema não é a falta de especificidades - mas de paixão".

Obama ainda não parece apaixonado, mas a crise é grande o suficiente para que a hipótese de a Presidência lhe escapar das mãos pareça remota. Na última coluna, dedicada a elogiar o primeiro-ministro inglês Gordon Brown, pergunta-se por que a saída para a crise foi oferecida pelo governo inglês e não pelo americano. E responde: porque o governo americano tem como princípio que o "privado é bom e o público é ruim".

Não é, certamente, leitura de cabeceira do partido de oposição brasileiro mais atento à crise. Além de estar às vésperas de eleger o prefeito da maior cidade brasileira, o DEM também é o único que tem levado propostas ao Congresso em resposta ao vendaval financeiro.

Sugeriu que o fundo soberano se vinculasse ao Banco Central e não ao Ministério da Fazenda e também ressuscitou a proposta de autonomia do Banco Central. Só faltou trazer de volta a sua idéia de privatizar a Petrobras e os bancos públicos, as grandes salvaguardas do país nessa crise. Mais difícil é compreender por que, com um adversário desses, o PT ainda perde tempo com perguntas de mau gosto.

Maria Cristina Fernandes é editora de Política. Escreve às sextas-feiras

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