domingo, 12 de outubro de 2008

Maldição de Kondratieff


Nas Entrelinhas :: Luiz Carlos Azedo
DEU NO CORREIO BRAZILIENSE


Quando a política não é suficiente para resolver o problema e o sistema entra em colapso, a solução é a lei dos mais fortes, ou seja, a “mão invisível” do mercado

Não acredito numa derrocada capitalista. Tenho meus motivos. Só houve duas crises gerais do capitalismo: a Grande Depressão de 1873-1893 e a Grande Depressão de 1929-1941. Na primeira, coube à Inglaterra liderar a recuperação da economia mundial; na segunda, foi a vez dos Estados Unidos. Em ambas, a saída resultou da intervenção do Estado. O mundo capitalista foi criado na dependência de um mercado internacional e sempre dependeu do comércio. Os estados nacionais surgiram dentro dessa lógica e as tensões entre eles, nos momentos de crise econômica, resultaram em duas guerras mundiais e centenas de conflitos armados. O pior numa crise como a atual seria a história se repetir dessa forma. De 1834 até hoje, os Estados Unidos passaram por 35 ciclos econômicos e crises, das quais sempre saíram mais fortes. Não acredito que ocorra diferente agora. A União Européia ou a China não reúnem condições para assumir a liderança.

Crise geral

A força propulsora da atividade capitalista é o lucro. Para serem competitivas, as empresas são obrigadas a aumentar a produtividade e conseguir menores custos unitários. O crescimento do capital fixo em relação ao produto (capitalização) é a condição para isso. A contrapartida é a taxa de lucro decrescente. Isso possibilita lucros maiores para uma empresa ou segmento tecnológico inovador, mas a taxa média de lucro do sistema declina progressivamente. A longo prazo, isso diminui a demanda por investimentos e aumenta a capacidade ociosa. Os governos entram em campo para evitar a recessão, mas chega uma hora que não conseguem mais. A estagnação vem para destruir os capitais mais fracos, provocar desemprego e arrochar salários. Decorre da própria forma de acumulação de capital, não pode ser evitada pela intervenção do Estado, por mais progressista que seja. Quando a política não é suficiente para resolver o problema e o sistema entra em colapso, a solução é a lei dos mais fortes, ou seja, a “mão invisível” do mercado. Se isso ocorrer na crise atual, teremos uma nova crise geral. Acho difícil. Mas vamos supor que isso ocorra: o mundo não vai acabar.

A melhor hipótese é outra: um longo ciclo econômico está se fechando. Dois economistas se dedicaram ao estudo desse assunto. O pioneiro foi o russo Nikolai Kondratieff, que durante 20 anos analisou indicadores econômicos da França, Inglaterra, Estados Unidos e Alemanha: preços, juros, salários, comércio, consumo de energia e crescimento demográfico. A cada 50 anos, concluiu, ocorre um ciclo econômico longo, cuja expansão é caracterizada por grandes investimentos em bens de capital, enquanto a retração decorre da depreciação dos ativos. A primeira onda teria durado de 1790 a 1844, a segunda de 1851 a 1890 e a terceira de 1896 a 1929. Inovações tecnológicas desempenharam papel crucial nesses ciclos.

Novo ciclo

Kondratieff pagou com a vida por suas idéias, que contrariavam as teses de Stálin sobre a produtividade do trabalho, o planejamento estatal centralizado e a crise geral do capitalismo. No Brasil, o único economista a utilizar a teoria dos ciclos longos de investimento de Kondratieff foi Inácio Rangel, que publicou o ensaio “Dualidade Básica da Economia Brasileira”em 1957. Na década de 80, em plena crise do petróleo, previu o esgotamento do modelo de “substituição de importações” e a necessidade de privatizações para resolver a crise de financiamento do setor público e retomar o crescimento. Estava certo.

O austríaco J. Schumpeter, professor de Havard, deu continuidade aos estudos de Kondratieff . Reiterou o papel das inovações tecnológicas na expansão capitalista e identificou um quarto ciclo longo. Começou com a petroquímica, o motor elétrico, a radiofonia, a televisão, a energia nuclear e a aviação comercial. Chegou aos satélites, à microeletrônica, à robótica, à fibra ótica e outras inovações que hoje fazem parte do nosso cotidiano, como internet. Sem elas, as bolsas do mundo não enlouqueceriam, não haveria tanta especulação com títulos no mercado futuro. A jogatina financeira em tempo real que está quebrando bancos e seguradores pelo mundo afora. E o Brasil não sofreria a inesperada desvalorização cambial não-declarada da semana passada.

Tanto Kondratieff como Schumpeter foram ridicularizados por seus “esquematismos”, mas a teoria dos ciclos longos está se confirmando. Parece uma praga do economista russo.

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