Wilson Figueiredo
Jornalista
DEU NO JORNAL DO BRASIL
Sempre foram ambivalentes as relações do presidente Lula com os jornais. Tanto podem ser entendidas de um jeito como de outro. Há algum tempo Lula repete que, sem a imprensa, não teria chegado à Presidência. A despeito dela, foi reeleito e rejeitou o terceiro mandato. Desde o começo, a imprensa foi importante para a atividade política de Lula. As restrições da censura deram peso político ao líder sindical. Não foi uma revolução, longe disso, mas várias eleições perdidas levaram o presidente e o PT ao poder. Democracia é assim ou não é democracia.
O presidente Lula e a liberdade de imprensa se tornaram dependentes e inseparáveis, embora as relações entre ele e ela passem por crises periódicas. Foi o próprio Lula que se declarou o grande beneficiário da liberdade de informação e opinião sobre a qual se assenta a democracia que vamos edificando às caneladas. Trata-se, porém, de moldura para censurar a prioridade óbvia do jornalismo pelo ângulo crítico. Lula não se conforma com o privilégio das crises no noticiário, a precedência para o irreparável, a prioridade para o erro, o destaque para o crime, a soberania do negativo.
Ainda agora, pela enésima vez, o presidente aproveitou a oportunidade de uma esticada à usina de Tucuruí para se queixar de episódio ocorrido há quatro anos, quando da primeira visita às obras. A ênfase do noticiário em 2002 foi o gesto presidencial de comer com satisfação infantil um bombom e se atrapalhar com o papel que o envolvia. Como se livrar do papelucho? Lula optou por atirá-lo discretamente ao chão, e os fotógrafos não perderam a oportunidade. Queixa-se o presidente de que o bombom ofuscou a porção JK do seu governo. Com severidade, mas sem perder a delicadeza rude, Lula mostrou que desenvolvimentismo e bombons não são incompatíveis.
Antes e depois do ciclo militar, Brasil a dentro e Brasil a fora, Lula se beneficiou da liberdade de imprensa mais que qualquer outro. Dela se serviu e a ela serviu por serem, uma e outra, inseparáveis. Há quem entenda que Lula é assim para aplacar o ressentimento que o mensalão exacerbou no petismo. Que não se engane o presidente, como ocorre aos seus mais assíduos adversários, se pensar que os jornais o favoreceram por outra razão que não fosse o teor de interesse público, no sindicalismo com pompa e peleguismo, ou na presidência do PT. A Presidência apresenta Lula no perfil suavizado pelo mercado que o acolheu de braços abertos, depois daquela carta comovente que explicará no futuro o que tiver escapado ao presente.
Com o tempo, Lula passou de apedrejador a vitrina. O reconhecimento público da importância da imprensa é interesseiro e utilizado como atenuante para reclamar do jornalismo a preferência pelo ângulo desfavorável dos fatos. Ou o menos convencional. E nada pode ser mais convencional do que visita de governante a obras que, ainda na prancheta, lhe pareçam garantir sobrevida de pirâmides do Egito.
Que pode haver de novo numa visita a obras em andamento? Só mesmo o bombom que, uma vez saboreado, deixou o papel nas mãos presidenciais. No dia seguinte, lá estava na primeira página dos jornais o gesto inesquecível. O presidente há de convir que o cidadão tem o direito de estranhar que o mais alto posto na hierarquia republicana dê preferência ao chão quando tem no bolso do paletó espaço suficiente para abrigar o papelucho já sem o bombom. Presidente da república pilhado em flagrante é preciosidade imperdível para um repórter fotográfico a serviço do acaso.
Ensina a lição preliminar de jornalismo que a notícia não é o cachorro que morde o dono, mas o dono que tenha mordido o cachorro. Não há ditadura que faça valer o contrário. O jornalismo teria morrido prematuramente se fosse obrigado a se contentar com o óbvio. O presidente Costa e Silva e a condessa Pereira Carneiro, em almoço no Laranjeiras quando tais coisas ainda eram possíveis, conversavam sobre a contribuição da imprensa para afastar os fantasmas que assombravam a república. Dona Maurina testemunhou ao marechal as dificuldades do jornalismo em situações políticas desconfortáveis. E discorreu sobre o espírito crítico, mas construtivo, com que o JB lidava com governos. O presidente não economizou simpatia. Terminado o almoço, a condessa agradeceu a Costa e Silva a oportunidade de expor a teoria da crítica construtiva e o marechal não deixou por menos: "Dona Maurina, a crítica construtiva do JB é valiosa, mas eu gosto mesmo é de elogio".
O presidente Lula é também dado a franquezas, e não perde oportunidade de passar a impressão de acreditar mais na luta de classes do que na encíclica Rerum novarum. Até prova em contrário.
Jornalista
DEU NO JORNAL DO BRASIL
Sempre foram ambivalentes as relações do presidente Lula com os jornais. Tanto podem ser entendidas de um jeito como de outro. Há algum tempo Lula repete que, sem a imprensa, não teria chegado à Presidência. A despeito dela, foi reeleito e rejeitou o terceiro mandato. Desde o começo, a imprensa foi importante para a atividade política de Lula. As restrições da censura deram peso político ao líder sindical. Não foi uma revolução, longe disso, mas várias eleições perdidas levaram o presidente e o PT ao poder. Democracia é assim ou não é democracia.
O presidente Lula e a liberdade de imprensa se tornaram dependentes e inseparáveis, embora as relações entre ele e ela passem por crises periódicas. Foi o próprio Lula que se declarou o grande beneficiário da liberdade de informação e opinião sobre a qual se assenta a democracia que vamos edificando às caneladas. Trata-se, porém, de moldura para censurar a prioridade óbvia do jornalismo pelo ângulo crítico. Lula não se conforma com o privilégio das crises no noticiário, a precedência para o irreparável, a prioridade para o erro, o destaque para o crime, a soberania do negativo.
Ainda agora, pela enésima vez, o presidente aproveitou a oportunidade de uma esticada à usina de Tucuruí para se queixar de episódio ocorrido há quatro anos, quando da primeira visita às obras. A ênfase do noticiário em 2002 foi o gesto presidencial de comer com satisfação infantil um bombom e se atrapalhar com o papel que o envolvia. Como se livrar do papelucho? Lula optou por atirá-lo discretamente ao chão, e os fotógrafos não perderam a oportunidade. Queixa-se o presidente de que o bombom ofuscou a porção JK do seu governo. Com severidade, mas sem perder a delicadeza rude, Lula mostrou que desenvolvimentismo e bombons não são incompatíveis.
Antes e depois do ciclo militar, Brasil a dentro e Brasil a fora, Lula se beneficiou da liberdade de imprensa mais que qualquer outro. Dela se serviu e a ela serviu por serem, uma e outra, inseparáveis. Há quem entenda que Lula é assim para aplacar o ressentimento que o mensalão exacerbou no petismo. Que não se engane o presidente, como ocorre aos seus mais assíduos adversários, se pensar que os jornais o favoreceram por outra razão que não fosse o teor de interesse público, no sindicalismo com pompa e peleguismo, ou na presidência do PT. A Presidência apresenta Lula no perfil suavizado pelo mercado que o acolheu de braços abertos, depois daquela carta comovente que explicará no futuro o que tiver escapado ao presente.
Com o tempo, Lula passou de apedrejador a vitrina. O reconhecimento público da importância da imprensa é interesseiro e utilizado como atenuante para reclamar do jornalismo a preferência pelo ângulo desfavorável dos fatos. Ou o menos convencional. E nada pode ser mais convencional do que visita de governante a obras que, ainda na prancheta, lhe pareçam garantir sobrevida de pirâmides do Egito.
Que pode haver de novo numa visita a obras em andamento? Só mesmo o bombom que, uma vez saboreado, deixou o papel nas mãos presidenciais. No dia seguinte, lá estava na primeira página dos jornais o gesto inesquecível. O presidente há de convir que o cidadão tem o direito de estranhar que o mais alto posto na hierarquia republicana dê preferência ao chão quando tem no bolso do paletó espaço suficiente para abrigar o papelucho já sem o bombom. Presidente da república pilhado em flagrante é preciosidade imperdível para um repórter fotográfico a serviço do acaso.
Ensina a lição preliminar de jornalismo que a notícia não é o cachorro que morde o dono, mas o dono que tenha mordido o cachorro. Não há ditadura que faça valer o contrário. O jornalismo teria morrido prematuramente se fosse obrigado a se contentar com o óbvio. O presidente Costa e Silva e a condessa Pereira Carneiro, em almoço no Laranjeiras quando tais coisas ainda eram possíveis, conversavam sobre a contribuição da imprensa para afastar os fantasmas que assombravam a república. Dona Maurina testemunhou ao marechal as dificuldades do jornalismo em situações políticas desconfortáveis. E discorreu sobre o espírito crítico, mas construtivo, com que o JB lidava com governos. O presidente não economizou simpatia. Terminado o almoço, a condessa agradeceu a Costa e Silva a oportunidade de expor a teoria da crítica construtiva e o marechal não deixou por menos: "Dona Maurina, a crítica construtiva do JB é valiosa, mas eu gosto mesmo é de elogio".
O presidente Lula é também dado a franquezas, e não perde oportunidade de passar a impressão de acreditar mais na luta de classes do que na encíclica Rerum novarum. Até prova em contrário.
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