César Felício
DEU NO VALOR ECONÔMICO
Não resta dúvida sobre a influência de uma crise econômica de grandes proporções no resultado final de uma eleição, evidentemente um fator que ajuda a quem está na oposição. Mas na política o cinza impera sobre o preto e o branco e não existe uma variável que se imponha de maneira definitiva sobre todas as outras. Há exemplos que se deslocam no tempo e no espaço mostrando vitórias do situacionismo no contexto de graves crises econômicas.
Em 1998 o Brasil teve o menor índice de crescimento do PIB desde a introdução da nova moeda, com um percentual muito próximo de zero por cento. A taxa média de juros Selic foi de 31,2%. A fatia do desemprego aberto sobre a população economicamente ativa beirou os 12%. Quase 800 mil vagas no mercado de trabalho formal foram fechadas, número maior que a soma dos três anos anteriores. A única grande conquista que o então presidente Fernando Henrique Cardoso podia apresentar na esfera econômica era o estrangulamento da inflação - quase zero por cento - produzido pelo câmbio virtualmente congelado na paridade com o dólar. Não era pouca coisa, mas obviamente não estava na economia a razão que motivou a maioria absoluta dos eleitores a conceder ao tucano um segundo mandato presidencial já no primeiro turno, façanha não atingida pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
A reeleição de então foi construída no cenário político. O Palácio do Planalto minou o controle de Paulo Maluf sobre o então PPB - partido que chegou a reunir 88 deputados federais, embalado na perspectiva de o malufismo suceder Fernando Henrique - enquanto tucanos e petistas faziam vir à tona a ciranda dos precatórios na Prefeitura de São Paulo, que recolocou Maluf e seu à época herdeiro Celso Pitta na trilha dos escândalos. Os operadores de Fernando Henrique ainda conseguiram impedir que o PMDB lançasse a candidatura de Itamar Franco, em uma convenção movida a cadeiradas e palavreado chulo. E isolaram a oposição, ao cooptarem os governadores pedetistas Jaime Lerner (PR), Dante de Oliveira (MT) e até o petista Vitor Buaiz (ES), colocando a dupla Lula e Brizola caminhando sozinha pelo Brasil afora.
No começo de 2003, a crise do corralito ainda devastava a Argentina, então em "défault" e com a economia retrocedendo à razão de 10% ao ano. "Que se vayan todos" era um lema insistentemente repetido nas manifestações, em um sinal de repúdio à classe política. Na eleição presidencial, os dois principais candidatos que sinalizavam com mudanças radicais, o conservador José Lopez Murphy e a esquerdista moderada Elisa Carrió, ficaram em terceiro e quarto lugar. Nos dois primeiros lugares, classificados para um segundo turno que não chegou a se realizar, ficaram o ex-presidente Carlos Menem e o preferido do então presidente Duhalde, Néstor Kirchner.
Tanto o resultado no Brasil em 1998 quanto o da Argentina em 2003 não constituíram surpresas e se explicam pela conjuntura política própria de cada tempo e lugar. Indicam que a derrota do governismo em uma circunstância de crise econômica está longe de ser uma equação matemática.
Dilma Rousseff e José Serra, que hoje compõem a mais provável polarização em um segundo turno presidencial em 2010, possuem características semelhantes: radicalismo de esquerda na juventude, formação econômica e a imagem de que preferem a disputa política à composição. Um marketing eleitoral bem feito pode convencer os espectadores do processo de que estamos diante de duas pessoas preparadas para conduzir o Brasil em cenário adverso. Mas forjar alianças amplas talvez seja um atributo que falte a ambos.
Em nove eleições presidenciais democráticas realizadas no país, apenas em uma- a primeira, em 1945- houve a eleição de um ex-ministro do governo anterior, novato em disputas pelo voto: no caso, o marechal Eurico Dutra. Caso vença, Dilma seria o segundo caso em 65 anos. Serra conta hoje com um apoio à sua candidatura mais sólido dentro do parceiro DEM do que em seu próprio partido. Para a eleição de 2010, terá que se defrontar com o rival Aécio Neves. Na eleição municipal recém-terminada, precisou travar um embate surdo com o seu antecessor Geraldo Alckmin.
Se o agravamento da crise econômica diminuir o espaço de Lula para organizar a campanha de sua preferida, estará aberto o caminho para uma eleição pulverizada em 2010, em que não será impossível candidaturas próprias do bloco de esquerda e do PMDB.
Pode parecer desnecessário frisar a imensa quantidade de situações que ainda podem surgir nos próximos dois anos e direcionar o quadro eleitoral para um lado ou para o outro. Mas este é um exercício útil para exorcizar dois riscos: o de despolitizar um processo que é essencialmente político e de tornar a-histórico o que faz parte da história.
César Felício é repórter de Política. A titular da coluna, às quintas-feiras, Maria Inês Nassif, está em férias
DEU NO VALOR ECONÔMICO
Não resta dúvida sobre a influência de uma crise econômica de grandes proporções no resultado final de uma eleição, evidentemente um fator que ajuda a quem está na oposição. Mas na política o cinza impera sobre o preto e o branco e não existe uma variável que se imponha de maneira definitiva sobre todas as outras. Há exemplos que se deslocam no tempo e no espaço mostrando vitórias do situacionismo no contexto de graves crises econômicas.
Em 1998 o Brasil teve o menor índice de crescimento do PIB desde a introdução da nova moeda, com um percentual muito próximo de zero por cento. A taxa média de juros Selic foi de 31,2%. A fatia do desemprego aberto sobre a população economicamente ativa beirou os 12%. Quase 800 mil vagas no mercado de trabalho formal foram fechadas, número maior que a soma dos três anos anteriores. A única grande conquista que o então presidente Fernando Henrique Cardoso podia apresentar na esfera econômica era o estrangulamento da inflação - quase zero por cento - produzido pelo câmbio virtualmente congelado na paridade com o dólar. Não era pouca coisa, mas obviamente não estava na economia a razão que motivou a maioria absoluta dos eleitores a conceder ao tucano um segundo mandato presidencial já no primeiro turno, façanha não atingida pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
A reeleição de então foi construída no cenário político. O Palácio do Planalto minou o controle de Paulo Maluf sobre o então PPB - partido que chegou a reunir 88 deputados federais, embalado na perspectiva de o malufismo suceder Fernando Henrique - enquanto tucanos e petistas faziam vir à tona a ciranda dos precatórios na Prefeitura de São Paulo, que recolocou Maluf e seu à época herdeiro Celso Pitta na trilha dos escândalos. Os operadores de Fernando Henrique ainda conseguiram impedir que o PMDB lançasse a candidatura de Itamar Franco, em uma convenção movida a cadeiradas e palavreado chulo. E isolaram a oposição, ao cooptarem os governadores pedetistas Jaime Lerner (PR), Dante de Oliveira (MT) e até o petista Vitor Buaiz (ES), colocando a dupla Lula e Brizola caminhando sozinha pelo Brasil afora.
No começo de 2003, a crise do corralito ainda devastava a Argentina, então em "défault" e com a economia retrocedendo à razão de 10% ao ano. "Que se vayan todos" era um lema insistentemente repetido nas manifestações, em um sinal de repúdio à classe política. Na eleição presidencial, os dois principais candidatos que sinalizavam com mudanças radicais, o conservador José Lopez Murphy e a esquerdista moderada Elisa Carrió, ficaram em terceiro e quarto lugar. Nos dois primeiros lugares, classificados para um segundo turno que não chegou a se realizar, ficaram o ex-presidente Carlos Menem e o preferido do então presidente Duhalde, Néstor Kirchner.
Tanto o resultado no Brasil em 1998 quanto o da Argentina em 2003 não constituíram surpresas e se explicam pela conjuntura política própria de cada tempo e lugar. Indicam que a derrota do governismo em uma circunstância de crise econômica está longe de ser uma equação matemática.
Dilma Rousseff e José Serra, que hoje compõem a mais provável polarização em um segundo turno presidencial em 2010, possuem características semelhantes: radicalismo de esquerda na juventude, formação econômica e a imagem de que preferem a disputa política à composição. Um marketing eleitoral bem feito pode convencer os espectadores do processo de que estamos diante de duas pessoas preparadas para conduzir o Brasil em cenário adverso. Mas forjar alianças amplas talvez seja um atributo que falte a ambos.
Em nove eleições presidenciais democráticas realizadas no país, apenas em uma- a primeira, em 1945- houve a eleição de um ex-ministro do governo anterior, novato em disputas pelo voto: no caso, o marechal Eurico Dutra. Caso vença, Dilma seria o segundo caso em 65 anos. Serra conta hoje com um apoio à sua candidatura mais sólido dentro do parceiro DEM do que em seu próprio partido. Para a eleição de 2010, terá que se defrontar com o rival Aécio Neves. Na eleição municipal recém-terminada, precisou travar um embate surdo com o seu antecessor Geraldo Alckmin.
Se o agravamento da crise econômica diminuir o espaço de Lula para organizar a campanha de sua preferida, estará aberto o caminho para uma eleição pulverizada em 2010, em que não será impossível candidaturas próprias do bloco de esquerda e do PMDB.
Pode parecer desnecessário frisar a imensa quantidade de situações que ainda podem surgir nos próximos dois anos e direcionar o quadro eleitoral para um lado ou para o outro. Mas este é um exercício útil para exorcizar dois riscos: o de despolitizar um processo que é essencialmente político e de tornar a-histórico o que faz parte da história.
César Felício é repórter de Política. A titular da coluna, às quintas-feiras, Maria Inês Nassif, está em férias
Nenhum comentário:
Postar um comentário