quinta-feira, 27 de novembro de 2008

O "homem do saco" e a crise


Clóvis Rossi
DEU NA FOLHA DE S. PAULO

SÃO PAULO - Quando do lançamento do Plano Cruzado (1986), o então deputado Antonio Delfim Netto produziu uma daquelas suas corrosivas frases: "Se inflação não tem causa, então o plano dará certo".

Como inflação tem causas, e como as causas não foram atacadas, o plano malogrou, depois de nove mágicos meses.

A frase de Delfim me volta à mente agora toda vez que leio sobre o tsunami de ajudas que os governos do mundo todo estão concedendo ao setor privado.

Se todos os problemas do mundo pudessem ser resolvidos nessa base, nunca haveria problemas no mundo. Bastaria, como agora, privatizar o dinheiro público e estatizar o risco. Bastaria botar para funcionar as máquinas impressoras das casas da moeda -e pronto, nunca haveria crise. Mas é como diz clássico refrão da economia que ninguém, a não ser por birra, é capaz de contestar: Não há almoço grátis.

Algum dia, os zilhões de ajuda serão pagos, ou na forma de déficit público cada vez maior, que, por sua vez, tende a gerar inflação, que tende a gerar contração da economia ou desorganização; ou na forma de endividamento desorbitado, que, não custa lembrar, é a causa original da presente crise.

O que torna a situação ainda mais dramática é a pergunta que James Horney, diretor de política fiscal federal do Center on Budget and Policy Priorities, de Washington, fez ao notável Sérgio Dávila: "Qual é a alternativa? Se o governo não se mexer para estimular a economia, o resultado poderá ser pior".

Quando era criança, me diziam que, se não me comportasse, viria o "homem do saco" e me pegaria. Hoje, vivem me dizendo que, sem esses pacotes todos, vem a "crise sistêmica" e me pega.

Nunca vi o "homem do saco". Alguém aí paga para ver se a "crise sistêmica" existe?

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