quarta-feira, 26 de novembro de 2008

No limite da irresponsabilidade


Merval Pereira
DEU EM O GLOBO

NOVA YORK. O presidente Lula tem reafirmado em privado o que vem fazendo em público: vai tentar manter de todas as maneiras o ritmo de crescimento da economia brasileira em meio à crise econômica internacional. O crescimento de 4% do PIB no ano que vem, reafirmado pelo ministro da Fazenda, Guido Mantega, é o número mágico com que o governo sonha, e as medidas anunciadas têm o objetivo básico de destravar o crédito tanto para as empresas quanto para o cidadão comum, a quem o presidente tem transferido, de maneira nada sutil e no limite da irresponsabilidade, parte da culpa por uma crise de desemprego que pode acontecer no próximo ano: "Ele corre o risco de perder o emprego se não comprar, porque daí o comércio não encomenda para a indústria, que não produz e aí não tem emprego".

Embora pareça haver um consenso entre os economistas de que a situação brasileira é melhor do que em crises anteriores, e melhor também do que a dos demais países da América Latina e até mesmo de alguns do mundo - a revista inglesa "The Economist" diz neste último número que com um pouco de sorte o crescimento dos emergentes do Bric será menos espetacular, mas continuará robusto - a tentativa do governo Lula de manter o ritmo a qualquer custo parece perigosa a médio e longo prazo.

Um exemplo do tamanho do problema é como foi afetado o crescimento industrial do país. A indústria automobilística sozinha responde por 26% do crescimento industrial neste ano, e a de máquinas e equipamentos, por outros 14%; juntas, as duas indústrias explicam 40% da expansão do setor. Foram atingidas em cheio, pela falta de crédito e, sobretudo no segundo caso, já pela deterioração das exportações.

O ex-presidente do Banco Central, Armínio Fraga, embora considere muito difícil traçar um cenário completo para o final do ano que vem, diz que dá para dizer que os riscos são muito grandes: "Mais do que uma previsão pontual, que não me arrisco a fazer, o certo é que a distribuição de possibilidades inclui alguns cenários bastante preocupantes".

Para ele, o governo tem que ter isso presente e dar uma resposta "que não nos exponha demais". Armínio diz que "a economia não é muito diferente de quase tudo na vida. Com vento a favor você anda mais rápido, não tem muito mistério nisso não. Pode tentar compensar um pouco, e até deve, em algumas dimensões, proteger talvez o investimento".

Ele lembra que já vínhamos crescendo "acima da nossa capacidade, o crédito vinha crescendo a uma taxa muito acelerada, e os riscos existem. Estamos em melhor situação que em outros momentos, mas não estamos invulneráveis".

No Brasil, diz ele, "está claro que está havendo uma desaceleração, mas não está claro que haverá uma recessão", como previu o relatório da Morgan Stanley. "Recessão no Brasil seria crescer 1% ao ano no trimestre, perto de zero. É possível, vai depender do andar da carruagem pelo mundo, que está com uma pinta ruim. Nessas horas, se não houver um pouco de prudência, os riscos aumentam".

Armínio não acha que o governo deva ficar de braços cruzados, mas adverte que "se errar a mão em outra direção, é ruim. Estão falando em 4% no ano que vem, acho difícil". Os riscos dessa política seriam dois: a inflação e o balanço de pagamentos. "Acho que há um pouco mais de risco hoje do lado do balanço de pagamentos, a conta de capital não está com a cara muito boa", analisa Armínio.

Já o economista José Roberto Afonso ressalta desde o início da crise que o problema no Brasil estava mais no setor real do que no bancário. Ao contrário do que diz a teoria e do que ocorreu nos EUA e na Europa, José Roberto Afonso acha que a demanda não é a origem da crise do setor real brasileiro.

Sua tese é que a nossa é muito mais uma crise de oferta: o empresário parou de investir e, também, de produzir. "Parou antes mesmo que os seus compradores diminuíssem os pedidos, que o povão sumisse das lojas". Aumentar o gasto governamental seria a solução para quando a demanda privada caiu, o que não é o nosso caso segundo ele, que considera que "crédito e governo" são as razões da crise de confiança, que leva o empresário a parar ou a produzir menos. "No primeiro caso, o crédito sumiu e, agora, voltou aos poucos, com custo impossível - taxas superiores a 100% quando o mundo vai para deflação. No segundo caso, e mais importante (porque o crédito é muito baixo), o empresariado, até mesmo a banca, já percebeu que a política econômica precisa ser mudada. Mais do mesmo é pouco".

José Roberto Afonso avalia que o empresariado, não vendo "vontade política e capacidade técnica no governo para promover essa travessia, não se arrisca, ou seja, não investe e começa a se retrair. Não quer abrir mão de seu caixa, começa a comprar menos, a produzir menos, a oferecer menos para venda, depois começará a demitir".

O economista Claudio Contador, da empresa de consultoria Silcon, acredita que uma recessão no Brasil "não deve acontecer nem em 2009. Mas a taxa de crescimento cai". Na sua avaliação, este ano o crescimento do PIB do Brasil ficará nos 4%, portanto abaixo dos 5% que o governo prevê, e em 2009 deve ficar nos 2,8 a 3 %.

O problema sério que ele antevê, e que na sua opinião vai arranhar a popularidade do Lula, é a queda do salário real: "O IPCA, que corrige salários, está crescendo menos, praticamente a metade do que o IGP-DI, que dá a média dos preços em geral. A massa de rendas caindo e os juros altos devem desaquecer o consumo do mercado interno".

Contador considera que o governo manter e reforçar uma política de estímulo a gastos e aumento de impostos é "suicida para o médio e longo prazos".

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