Paul Krugman
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO
Novo presidente dos EUA não deve temer um deslocamento para a esquerda
Se a eleição de nosso primeiro presidente negro não o comoveu, há algo errado com você. Mas será que a eleição marcará também um ponto de inflexão real na política? Barack Obama pode realmente introduzir uma nova era de políticas progressistas? Sim, ele pode.
Nesse momento, muitos analistas estão conclamando Obama a pensar pequeno. Alguns usam argumentos com base política: os EUA ainda são um país conservador e os eleitores punirão os democratas se eles se deslocarem para a esquerda. Outros dizem que a crise financeira e econômica não permite, por exemplo, reformar o sistema de saúde.
Esperemos que Obama tenha o bom senso de ignorar esse conselho.
Sobre o argumento político: se alguém duvidar de que tivemos um grande realinhamento político, seria bom que observasse o que aconteceu com o Congresso. Após a eleição de 2004, houve declarações de que entramos numa era de predomínio prolongado, talvez permanente, dos republicanos. Desde então, os democratas tiveram vitórias sucessivas, conquistando pelo menos 12 cadeiras no Senado e mais de 50 na Câmara - contando agora com uma maioria no Congresso que o Partido Republicano jamais teve em seu reinado de 12 anos.
Tenham em mente também que a eleição presidencial deste ano foi um claro referendo sobre filosofias políticas - e a filosofia progressista venceu.
A melhor maneira de destacar a importância desse fato talvez seja contrastar a campanha deste ano com a anterior. Em 2004, o presidente George W. Bush escondeu sua verdadeira agenda.
Ele concorreu basicamente como um defensor do país contra terroristas casados com gays, deixando até seus partidários confusos quando anunciou, logo após o fim da votação, que sua prioridade inicial seria a privatização da Previdência Social. Não era nisso que as pessoas achavam que estavam votando e a campanha da privatização rapidamente degenerou de um rolo compressor a uma farsa.
Neste ano, porém, Obama concorreu com uma plataforma de garantia de assistência à saúde e diminuição de impostos para a classe média, financiadas com aumento de impostos para os ricos.
O republicano John McCain acusou seu adversário de ser socialista e "redistribuidor", mas os americanos votaram nele mesmo assim. Esse é um mandato real.
E quanto ao argumento de que a crise econômica inviabilizará uma agenda progressista? Bem, não resta dúvida de que combater a crise custará muito dinheiro. Salvar o sistema financeiro provavelmente exigirá grandes despesas além dos fundos já desembolsados. E, por cima disso, precisamos urgentemente de um programa de aumento dos gastos públicos para impulsionar a produção e o emprego. O déficit orçamentário federal poderá alcançar US$ 1 trilhão no próximo ano? Sim.
Mas os manuais de economia dizem que é correto, na verdade apropriado, incorrer em déficits temporários diante de uma economia deprimida. Durante esse período, um ou dois anos no vermelho não deveriam obstruir o caminho de um plano de saúde que, mesmo que rapidamente sancionado em lei, provavelmente não entrará em vigor antes de 2011.
Além disso, a resposta à crise econômica é, em si, uma chance de avançar na agenda progressista.
Agora, o governo de Barack Obama não deveria imitar o hábito da administração Bush de transformar tudo e qualquer coisa em argumento para suas políticas preferidas. (Recessão? A economia precisa de ajuda - vamos cortar os impostos dos ricos! Recuperação? Os cortes de impostos dos ricos funcionam - então, vamos cortar um pouco mais.)
Mas seria justo a nova administração assinalar como a ideologia conservadora - a crença de que a ganância é sempre boa - ajudou a provocar essa crise. Nunca soou mais verdadeiro o que Franklin D. Roosevelt disse em seu segundo discurso de posse: "Nós sempre soubemos que o interesse próprio imprudente era má moral; agora sabemos que é má economia."
E acontece que o momento em que vivemos agora é um daqueles em que o inverso também é verdadeiro, e boa moral é também boa economia. Ajudar os mais necessitados num tempo de crise com uma expansão do seguro-saúde e do seguro-desemprego é a coisa moralmente certa a fazer. É também uma forma muito mais efetiva de estimular a economia do que reduzir os impostos sobre ganhos de capital.
Fornecer ajuda a governos estaduais e municipais em dificuldade para que eles possam manter os serviços públicos essenciais é importante para os que dependem desse tipo de assistência; é também uma maneira de evitar perdas de empregos e limitar a profundidade da recessão econômica.
Assim, uma agenda progressista séria - podem chamá-la de um novo New Deal - não só é economicamente possível, é exatamente do que a economia necessita.
Assim, o resumo da ópera é que Barack Obama não deve ouvir as pessoas que tentam assustá-lo para ser um presidente que não faz nada. Ele tem um mandato político; ele tem a boa economia do seu lado. Pode-se dizer que a única coisa que ele tem a temer é o próprio medo.
*Paul Krugman, Prêmio Nobel de Economia de 2008, é colunista do ?New York Times?
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO
Novo presidente dos EUA não deve temer um deslocamento para a esquerda
Se a eleição de nosso primeiro presidente negro não o comoveu, há algo errado com você. Mas será que a eleição marcará também um ponto de inflexão real na política? Barack Obama pode realmente introduzir uma nova era de políticas progressistas? Sim, ele pode.
Nesse momento, muitos analistas estão conclamando Obama a pensar pequeno. Alguns usam argumentos com base política: os EUA ainda são um país conservador e os eleitores punirão os democratas se eles se deslocarem para a esquerda. Outros dizem que a crise financeira e econômica não permite, por exemplo, reformar o sistema de saúde.
Esperemos que Obama tenha o bom senso de ignorar esse conselho.
Sobre o argumento político: se alguém duvidar de que tivemos um grande realinhamento político, seria bom que observasse o que aconteceu com o Congresso. Após a eleição de 2004, houve declarações de que entramos numa era de predomínio prolongado, talvez permanente, dos republicanos. Desde então, os democratas tiveram vitórias sucessivas, conquistando pelo menos 12 cadeiras no Senado e mais de 50 na Câmara - contando agora com uma maioria no Congresso que o Partido Republicano jamais teve em seu reinado de 12 anos.
Tenham em mente também que a eleição presidencial deste ano foi um claro referendo sobre filosofias políticas - e a filosofia progressista venceu.
A melhor maneira de destacar a importância desse fato talvez seja contrastar a campanha deste ano com a anterior. Em 2004, o presidente George W. Bush escondeu sua verdadeira agenda.
Ele concorreu basicamente como um defensor do país contra terroristas casados com gays, deixando até seus partidários confusos quando anunciou, logo após o fim da votação, que sua prioridade inicial seria a privatização da Previdência Social. Não era nisso que as pessoas achavam que estavam votando e a campanha da privatização rapidamente degenerou de um rolo compressor a uma farsa.
Neste ano, porém, Obama concorreu com uma plataforma de garantia de assistência à saúde e diminuição de impostos para a classe média, financiadas com aumento de impostos para os ricos.
O republicano John McCain acusou seu adversário de ser socialista e "redistribuidor", mas os americanos votaram nele mesmo assim. Esse é um mandato real.
E quanto ao argumento de que a crise econômica inviabilizará uma agenda progressista? Bem, não resta dúvida de que combater a crise custará muito dinheiro. Salvar o sistema financeiro provavelmente exigirá grandes despesas além dos fundos já desembolsados. E, por cima disso, precisamos urgentemente de um programa de aumento dos gastos públicos para impulsionar a produção e o emprego. O déficit orçamentário federal poderá alcançar US$ 1 trilhão no próximo ano? Sim.
Mas os manuais de economia dizem que é correto, na verdade apropriado, incorrer em déficits temporários diante de uma economia deprimida. Durante esse período, um ou dois anos no vermelho não deveriam obstruir o caminho de um plano de saúde que, mesmo que rapidamente sancionado em lei, provavelmente não entrará em vigor antes de 2011.
Além disso, a resposta à crise econômica é, em si, uma chance de avançar na agenda progressista.
Agora, o governo de Barack Obama não deveria imitar o hábito da administração Bush de transformar tudo e qualquer coisa em argumento para suas políticas preferidas. (Recessão? A economia precisa de ajuda - vamos cortar os impostos dos ricos! Recuperação? Os cortes de impostos dos ricos funcionam - então, vamos cortar um pouco mais.)
Mas seria justo a nova administração assinalar como a ideologia conservadora - a crença de que a ganância é sempre boa - ajudou a provocar essa crise. Nunca soou mais verdadeiro o que Franklin D. Roosevelt disse em seu segundo discurso de posse: "Nós sempre soubemos que o interesse próprio imprudente era má moral; agora sabemos que é má economia."
E acontece que o momento em que vivemos agora é um daqueles em que o inverso também é verdadeiro, e boa moral é também boa economia. Ajudar os mais necessitados num tempo de crise com uma expansão do seguro-saúde e do seguro-desemprego é a coisa moralmente certa a fazer. É também uma forma muito mais efetiva de estimular a economia do que reduzir os impostos sobre ganhos de capital.
Fornecer ajuda a governos estaduais e municipais em dificuldade para que eles possam manter os serviços públicos essenciais é importante para os que dependem desse tipo de assistência; é também uma maneira de evitar perdas de empregos e limitar a profundidade da recessão econômica.
Assim, uma agenda progressista séria - podem chamá-la de um novo New Deal - não só é economicamente possível, é exatamente do que a economia necessita.
Assim, o resumo da ópera é que Barack Obama não deve ouvir as pessoas que tentam assustá-lo para ser um presidente que não faz nada. Ele tem um mandato político; ele tem a boa economia do seu lado. Pode-se dizer que a única coisa que ele tem a temer é o próprio medo.
*Paul Krugman, Prêmio Nobel de Economia de 2008, é colunista do ?New York Times?
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