Merval Pereira
DEU EM O GLOBO
O presidente Lula está dobrando a aposta na possibilidade de o futuro presidente dos Estados Unidos Barack Obama vencer rapidamente a crise econômica, e por isso já anuncia que em 2010 tudo terá passado. Prefere tentar preservar sua altíssima popularidade criando um ambiente fantasioso em torno de seu governo, a enfrentar a dura realidade que tem pela frente nos próximos anos. Corre o risco de ter contra si a desilusão dos 78% dos brasileiros que estão convencidos de que sua vida vai melhorar em 2009, certamente embalados pela retórica presidencial. Como todo mundo que fala muito, o presidente Lula vai deixando escapar pensamentos mais íntimos, que explicam suas posições públicas, muitas aparentemente descabidas.
Quando explicou candidamente que um médico não diria a um paciente que ele "sifu", mesmo sabendo que não tinha salvação, estava tentando explicar sua postura de animador de auditório enquanto a crise se agrava e o governo teima em negá-la. Ontem, quando garantiu que este Natal será o melhor dos últimos tempos porque o país está crescendo, e que a crise estará superada em 2010 porque nenhum governo consegue manter-se com uma crise indefinidamente, estava revelando sua aposta no governo Obama.
Enquanto pode, Lula vai valorizando os números passados como se representassem o presente, tentando ganhar tempo na memória do eleitor. Mas nunca o anúncio do crescimento de uma economia será tão anacrônico quanto o do PIB de 2008, que o governo comemora antes mesmo de ser oficial.
Um aumento do PIB que já foi superior a 5% e que poderá se tornar mais próximo de 4,5%, já indicando um processo irrefreável de desaceleração que está em andamento, enquanto o governo comemora as imagens no retrovisor que vão se distanciando cada vez mais.
O formidável índice de 70% de popularidade tem tudo a ver com os 78% que ainda acreditam que 2009 será melhor, enquanto é cada vez maior a possibilidade de haver uma recessão na economia já no primeiro trimestre do próximo ano.
O que está faltando para o governo agir? Tudo indica que a persistência em preservar a popularidade do presidente e, ainda por cima, sua capacidade de influir na sucessão presidencial, leva o governo a retardar uma aceitação mais clara de que a crise já está entre nós.
Ao contrário de 2003, quando Lula tinha tempo pela frente e, sobretudo, um ministro da Fazenda como Antonio Palocci para assumir a responsabilidade de atos impopulares que, sabia, dariam resultado mais à frente, hoje Lula já não tem nem tempo nem o convencimento de que precisa tomar medidas drásticas e urgentes para evitar uma crise futura mais séria ainda.
Os governos europeus e dos EUA, ao assumirem que há uma crise gravíssima a enfrentar, criaram comitês de crise, formularam planos que incluem uma mudança política e ideológica radical.
Mas, ao contrário do que pensam petistas mais afoitos que voltam a defender medidas de exceção diante da crise de autoridade do governo, nem o governo Bush admitiu que o capitalismo "sifu", nem os governos europeus estão estatizando o sistema financeiro por que se converteram ao socialismo diante da crise econômico.
O que eles estão fazendo é salvar o sistema capitalista, reforçando seus princípios e corrigindo distorções. O PT, ao tentar voltar ao passado para encontrar um bode expiatório para os problemas atuais da economia que, eles prevêem, trarão dificuldades políticas para o governo, está duplamente equivocado.
Critica a política econômica, que classifica genericamente como "neoliberal", responsável pelo relativo sucesso do governo Lula até o momento, e assume novamente posições econômicas retrógradas, como a redução do superávit primário para maior investimento em obras públicas, sem poder encarar o verdadeiro problema: o gasto do governo com a máquina do Estado, aparelhada pelo PT, é a verdadeira razão de o governo não poder investir mais em desenvolvimento.
A solução dos Estados Unidos de explodir o déficit e a dívida, que terá na futura administração Barack Obama um prosseguimento mais aprofundado ainda - o que levou ontem as bolsas mundiais à euforia - não serve para Lula por uma singela diferença: Obama emite dólar e Lula emite reais.
O mundo quer cada vez mais dólares, ninguém quer reais - se quisesse, os investidores não estariam saindo como boiada do país, fugindo do Real como o diabo da cruz, na definição de um economista.
A origem de nossos problemas está mais do lado da oferta, ou seja, sumiu o crédito para os empresários investirem e até produzirem. A necessidade é de liquidez. O Brasil pode e deve usar o Banco do Brasil, a Caixa e o BNDES para financiamentos da produção, mas de pouco adiantará se esses bancos estatais forem mal usados, se demorarem para agir, ou ficarem "trocando figurinhas dentro do próprio governo".
Todos descarregaram crédito para a Petrobras e, mais grave, a maior parte para capital de giro. Na melhor das hipóteses, significa que a Petrobrás está tirando crédito do resto da economia, como o próprio Lula reconheceu há alguns dias.
Da mesma maneira, se se confirmar a decisão do governo de acelerar os gastos das estatais para tentar evitar a recessão, haverá menos créditos para pequenas e médias empresas.
Em vez de tentar assumir o lugar da iniciativa privada para aquecer a economia, o governo brasileiro deveria estar empenhado em conter despesas públicas - de preferência buscando o déficit nominal zero - para poder atingir um índice de investimento entre 25% e 30% do PIB, e reduzir a carga tributária, além de retomar negociações para reformas tributária e previdenciária profundas.
DEU EM O GLOBO
O presidente Lula está dobrando a aposta na possibilidade de o futuro presidente dos Estados Unidos Barack Obama vencer rapidamente a crise econômica, e por isso já anuncia que em 2010 tudo terá passado. Prefere tentar preservar sua altíssima popularidade criando um ambiente fantasioso em torno de seu governo, a enfrentar a dura realidade que tem pela frente nos próximos anos. Corre o risco de ter contra si a desilusão dos 78% dos brasileiros que estão convencidos de que sua vida vai melhorar em 2009, certamente embalados pela retórica presidencial. Como todo mundo que fala muito, o presidente Lula vai deixando escapar pensamentos mais íntimos, que explicam suas posições públicas, muitas aparentemente descabidas.
Quando explicou candidamente que um médico não diria a um paciente que ele "sifu", mesmo sabendo que não tinha salvação, estava tentando explicar sua postura de animador de auditório enquanto a crise se agrava e o governo teima em negá-la. Ontem, quando garantiu que este Natal será o melhor dos últimos tempos porque o país está crescendo, e que a crise estará superada em 2010 porque nenhum governo consegue manter-se com uma crise indefinidamente, estava revelando sua aposta no governo Obama.
Enquanto pode, Lula vai valorizando os números passados como se representassem o presente, tentando ganhar tempo na memória do eleitor. Mas nunca o anúncio do crescimento de uma economia será tão anacrônico quanto o do PIB de 2008, que o governo comemora antes mesmo de ser oficial.
Um aumento do PIB que já foi superior a 5% e que poderá se tornar mais próximo de 4,5%, já indicando um processo irrefreável de desaceleração que está em andamento, enquanto o governo comemora as imagens no retrovisor que vão se distanciando cada vez mais.
O formidável índice de 70% de popularidade tem tudo a ver com os 78% que ainda acreditam que 2009 será melhor, enquanto é cada vez maior a possibilidade de haver uma recessão na economia já no primeiro trimestre do próximo ano.
O que está faltando para o governo agir? Tudo indica que a persistência em preservar a popularidade do presidente e, ainda por cima, sua capacidade de influir na sucessão presidencial, leva o governo a retardar uma aceitação mais clara de que a crise já está entre nós.
Ao contrário de 2003, quando Lula tinha tempo pela frente e, sobretudo, um ministro da Fazenda como Antonio Palocci para assumir a responsabilidade de atos impopulares que, sabia, dariam resultado mais à frente, hoje Lula já não tem nem tempo nem o convencimento de que precisa tomar medidas drásticas e urgentes para evitar uma crise futura mais séria ainda.
Os governos europeus e dos EUA, ao assumirem que há uma crise gravíssima a enfrentar, criaram comitês de crise, formularam planos que incluem uma mudança política e ideológica radical.
Mas, ao contrário do que pensam petistas mais afoitos que voltam a defender medidas de exceção diante da crise de autoridade do governo, nem o governo Bush admitiu que o capitalismo "sifu", nem os governos europeus estão estatizando o sistema financeiro por que se converteram ao socialismo diante da crise econômico.
O que eles estão fazendo é salvar o sistema capitalista, reforçando seus princípios e corrigindo distorções. O PT, ao tentar voltar ao passado para encontrar um bode expiatório para os problemas atuais da economia que, eles prevêem, trarão dificuldades políticas para o governo, está duplamente equivocado.
Critica a política econômica, que classifica genericamente como "neoliberal", responsável pelo relativo sucesso do governo Lula até o momento, e assume novamente posições econômicas retrógradas, como a redução do superávit primário para maior investimento em obras públicas, sem poder encarar o verdadeiro problema: o gasto do governo com a máquina do Estado, aparelhada pelo PT, é a verdadeira razão de o governo não poder investir mais em desenvolvimento.
A solução dos Estados Unidos de explodir o déficit e a dívida, que terá na futura administração Barack Obama um prosseguimento mais aprofundado ainda - o que levou ontem as bolsas mundiais à euforia - não serve para Lula por uma singela diferença: Obama emite dólar e Lula emite reais.
O mundo quer cada vez mais dólares, ninguém quer reais - se quisesse, os investidores não estariam saindo como boiada do país, fugindo do Real como o diabo da cruz, na definição de um economista.
A origem de nossos problemas está mais do lado da oferta, ou seja, sumiu o crédito para os empresários investirem e até produzirem. A necessidade é de liquidez. O Brasil pode e deve usar o Banco do Brasil, a Caixa e o BNDES para financiamentos da produção, mas de pouco adiantará se esses bancos estatais forem mal usados, se demorarem para agir, ou ficarem "trocando figurinhas dentro do próprio governo".
Todos descarregaram crédito para a Petrobras e, mais grave, a maior parte para capital de giro. Na melhor das hipóteses, significa que a Petrobrás está tirando crédito do resto da economia, como o próprio Lula reconheceu há alguns dias.
Da mesma maneira, se se confirmar a decisão do governo de acelerar os gastos das estatais para tentar evitar a recessão, haverá menos créditos para pequenas e médias empresas.
Em vez de tentar assumir o lugar da iniciativa privada para aquecer a economia, o governo brasileiro deveria estar empenhado em conter despesas públicas - de preferência buscando o déficit nominal zero - para poder atingir um índice de investimento entre 25% e 30% do PIB, e reduzir a carga tributária, além de retomar negociações para reformas tributária e previdenciária profundas.
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