Merval Pereira
DEU EM O GLOBO
NOVA YORK. A decisão do governo de reduzir a carga tributária sobre as empresas e o cidadão comum, para estimular o consumo, pode ter chegado atrasada e não vir a ter o efeito desejado. É uma solução paliativa, que não mexe estruturalmente nas questões que impedem o aumento do nível de investimentos no país, esta sim uma solução permanente para um crescimento econômico sustentável. O economista Fabio Giambiagi, do BNDES, lembra que, na comparação de 2008 com 2009, o governo já tem uma série de gastos adicionais: mais 0,5% a 0,6% do PIB já contratados por conta do aumento da despesa com pessoal e INSS, e a queda da receita, em decorrência da crise, pode tirar mais 0,5% do PIB.
"Ou seja, o superávit primário pode cair em torno de 1% do PIB, e nada disso iria para aumento do investimento. A redução do primário, ao contrário de outros países, se fará por queda de receita e aumento do gasto corrente e não por aumento do investimento público", lamenta.
Já o economista José Roberto Afonso acha que o governo federal "vai precisar de mais ousadia e criatividade para estimular a demanda. Temo, primeiro, que seja um pouco tarde".
Lembrando que o aumento do consumo familiar foi basicamente movido pelo crédito, de acordo com o IBGE, ao divulgar o desempenho extraordinário do PIB no terceiro trimestre do mês, José Roberto Afonso ressalta que "redução de imposto não substitui o crédito, que continua muito escasso e cada vez mais caro".
Analisando a estrutura da renda das famílias brasileiras, José Roberto Afonso destaca alguns aspectos que denotam que a redução do imposto para certas faixas de pessoas físicas não terá tanta influência quanto o governo espera no aumento do consumo:
- Os salários não chegam a gerar metade da renda nacional das famílias: explicam 46,2% da renda em 2002 (cerca de R$771 bilhões).
- As famílias ganham mais rendimentos de propriedades (R$226 bilhões) do que recebem de benefícios da Previdência Social (R$176 bilhões).
- Dentre aqueles rendimentos, chamam a atenção os juros: R$120 bilhões ou 7,2% da renda nacional familiar.
- Para o outro extremo da população, os mais pobres receberam dos governos benefícios de assistência social (inclui Bolsa Família e outros) que somaram R$19,3 bilhões em 2006.
De certa forma, diz ele, reduzir o IPI sobre o carro popular pode ser mais eficiente do que apenas reduzir o IR da classe média.
A eficiência da redução do Imposto de Renda da classe média também pode ser questionada, "por beneficiar um segmento pequeno da população, e que talvez já nem seja o predominante, dentro mesmo da classe média."
Segundo José Roberto Afonso, os assalariados com carteira assinada e sujeitos ao IR na fonte representam cerca de metade dos trabalhadores brasileiros.
"Estão sem carteira não apenas trabalhadores sem especialização e de baixa renda. Um fenômeno mais recente, e que, desconfio, assume cores mais fortes no Brasil que em outras economias emergentes, é que uma parcela crescente dos trabalhadores qualificados e de alta renda são pessoas jurídicas, empresas individuais, e não mais assalariados, não só advogados e consultores, como jornalistas e até jogadores de futebol."
José Roberto Afonso acha que "para esse segmento, que ganha muito e pesa no consumo, a redução do Imposto de Renda é inócua". Resumindo, José Roberto Afonso diz que "a redução de Imposto de Renda não beneficia as pontas, nem os pobres ou muitos pobres, nem a classe média mais abastada e os muitos ricos."
O economista Fábio Giambiagi vê os gastos do governo como problemáticos porque "estamos tomando decisões que envolvem em sua grande maioria efeitos permanentes".
Para se ter a dimensão desse problema, entre 2003 e 2008 o gasto primário do governo central terá se expandido mais de 3,5% do PIB, dos quais 3% do PIB correspondem ao aumento da despesa corrente.
Nesse mesmo período, se o gasto corrente tivesse crescido à mesma taxa que o PIB, ele, em termos reais, seria hoje 25% superior ao de 2003, "o que não pode ser chamado exatamente de arrocho", comenta Giambiagi.
Se, ao contrário, o gasto corrente tivesse conservado o peso que tinha em 2003, o setor público hoje teria superávit nominal, ou seja, a dívida pública estaria caindo em termos nominais, além disso, seria muito menor, "o que nos deixaria, entre outras coisas, muito menos expostos às conseqüências fiscais negativas da alta dos juros", ressalta.
Abortada a tentativa de conter os gastos públicos, ainda na época do ministro Antonio Palocci, o gasto primário do governo cresceu a uma média real de mais de 8% ao ano nos últimos três anos, baseado num aumento de arrecadação que não vai se repetir, ainda mais agora com a crise econômica internacional.
A combinação de aumento de gastos permanentes com redução do superávit primário devido à queda de arrecadação "não é a combinação preferível de políticas visando deixar a economia em melhores condições para quando o ciclo de crescimento for retomado a partir de 2010", ressalta Giambiagi.
(Amanhã, o papel da confiança no investimento)
DEU EM O GLOBO
NOVA YORK. A decisão do governo de reduzir a carga tributária sobre as empresas e o cidadão comum, para estimular o consumo, pode ter chegado atrasada e não vir a ter o efeito desejado. É uma solução paliativa, que não mexe estruturalmente nas questões que impedem o aumento do nível de investimentos no país, esta sim uma solução permanente para um crescimento econômico sustentável. O economista Fabio Giambiagi, do BNDES, lembra que, na comparação de 2008 com 2009, o governo já tem uma série de gastos adicionais: mais 0,5% a 0,6% do PIB já contratados por conta do aumento da despesa com pessoal e INSS, e a queda da receita, em decorrência da crise, pode tirar mais 0,5% do PIB.
"Ou seja, o superávit primário pode cair em torno de 1% do PIB, e nada disso iria para aumento do investimento. A redução do primário, ao contrário de outros países, se fará por queda de receita e aumento do gasto corrente e não por aumento do investimento público", lamenta.
Já o economista José Roberto Afonso acha que o governo federal "vai precisar de mais ousadia e criatividade para estimular a demanda. Temo, primeiro, que seja um pouco tarde".
Lembrando que o aumento do consumo familiar foi basicamente movido pelo crédito, de acordo com o IBGE, ao divulgar o desempenho extraordinário do PIB no terceiro trimestre do mês, José Roberto Afonso ressalta que "redução de imposto não substitui o crédito, que continua muito escasso e cada vez mais caro".
Analisando a estrutura da renda das famílias brasileiras, José Roberto Afonso destaca alguns aspectos que denotam que a redução do imposto para certas faixas de pessoas físicas não terá tanta influência quanto o governo espera no aumento do consumo:
- Os salários não chegam a gerar metade da renda nacional das famílias: explicam 46,2% da renda em 2002 (cerca de R$771 bilhões).
- As famílias ganham mais rendimentos de propriedades (R$226 bilhões) do que recebem de benefícios da Previdência Social (R$176 bilhões).
- Dentre aqueles rendimentos, chamam a atenção os juros: R$120 bilhões ou 7,2% da renda nacional familiar.
- Para o outro extremo da população, os mais pobres receberam dos governos benefícios de assistência social (inclui Bolsa Família e outros) que somaram R$19,3 bilhões em 2006.
De certa forma, diz ele, reduzir o IPI sobre o carro popular pode ser mais eficiente do que apenas reduzir o IR da classe média.
A eficiência da redução do Imposto de Renda da classe média também pode ser questionada, "por beneficiar um segmento pequeno da população, e que talvez já nem seja o predominante, dentro mesmo da classe média."
Segundo José Roberto Afonso, os assalariados com carteira assinada e sujeitos ao IR na fonte representam cerca de metade dos trabalhadores brasileiros.
"Estão sem carteira não apenas trabalhadores sem especialização e de baixa renda. Um fenômeno mais recente, e que, desconfio, assume cores mais fortes no Brasil que em outras economias emergentes, é que uma parcela crescente dos trabalhadores qualificados e de alta renda são pessoas jurídicas, empresas individuais, e não mais assalariados, não só advogados e consultores, como jornalistas e até jogadores de futebol."
José Roberto Afonso acha que "para esse segmento, que ganha muito e pesa no consumo, a redução do Imposto de Renda é inócua". Resumindo, José Roberto Afonso diz que "a redução de Imposto de Renda não beneficia as pontas, nem os pobres ou muitos pobres, nem a classe média mais abastada e os muitos ricos."
O economista Fábio Giambiagi vê os gastos do governo como problemáticos porque "estamos tomando decisões que envolvem em sua grande maioria efeitos permanentes".
Para se ter a dimensão desse problema, entre 2003 e 2008 o gasto primário do governo central terá se expandido mais de 3,5% do PIB, dos quais 3% do PIB correspondem ao aumento da despesa corrente.
Nesse mesmo período, se o gasto corrente tivesse crescido à mesma taxa que o PIB, ele, em termos reais, seria hoje 25% superior ao de 2003, "o que não pode ser chamado exatamente de arrocho", comenta Giambiagi.
Se, ao contrário, o gasto corrente tivesse conservado o peso que tinha em 2003, o setor público hoje teria superávit nominal, ou seja, a dívida pública estaria caindo em termos nominais, além disso, seria muito menor, "o que nos deixaria, entre outras coisas, muito menos expostos às conseqüências fiscais negativas da alta dos juros", ressalta.
Abortada a tentativa de conter os gastos públicos, ainda na época do ministro Antonio Palocci, o gasto primário do governo cresceu a uma média real de mais de 8% ao ano nos últimos três anos, baseado num aumento de arrecadação que não vai se repetir, ainda mais agora com a crise econômica internacional.
A combinação de aumento de gastos permanentes com redução do superávit primário devido à queda de arrecadação "não é a combinação preferível de políticas visando deixar a economia em melhores condições para quando o ciclo de crescimento for retomado a partir de 2010", ressalta Giambiagi.
(Amanhã, o papel da confiança no investimento)
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