Mercio Gomes
Antropólogo e ex-Presidente da FUNAI
É vedada a ampliação da terra indígena já demarcada
A 17ª ressalva apresentada no voto do ministro Menezes Direito pareceu tão estranha a alguns ministros que passou por uma votação. Os ministros Eros Grau, Carmen Lúcia, Ayres Britto e Joaquim Barbosa a rejeitaram. Os demais 7 foram favoráveis.
Não houve explicação clara para a rejeição. A ministra Carmen Lúcia simplesmente achou que não cabia tal restrição, dado o fato de o STF não conhecer os casos específicos que poderiam ser afetados por essa ressalva. Em determinado momento o ministro Britto sugeriu suavemente aos seus colegas que essa ressalva valesse apenas para o caso da Raposa Serra do Sol. Mas Menezes Direito insistiu e Cézar Peluso fortaleceu-lhe o argumento de que, caso contrário, a terra pretendida como ampliação provocaria uma incerteza jurídica, enquanto aquela já demarcada poderia ser contestada por idêntica incerteza jurídica.
Confesso que custo a crer que, se um povo indígena que tenha tido sua terra demarcada em outra época e que venha a argumentar e provar que, na ocasião da demarcação, houve um mal-feito ou um equívoco e deixou-se de fora da terra demarcada uma área ou segmento dessa terra, isso viesse a trazer incerteza sobre a terra já demarcada. Acredito que a área pretendida é que ficaria incerta, em relação ao seu estatuto jurídico no momento.
Bem, não sendo jurista, não posso afirmar com certeza o que poderia acontecer. O fato é que, ao longo dos anos, muitos povos indígenas reclamam que as demarcações de sua terras não foram feitas corretamente, e pedem revisão dessas demarcações com vistas à ampliação.
Quando era presidente da Funai tomei conhecimento de diversos desses pedidos. É certo que alguns decorriam de uma argumentação não relacionada com tradicionalidade de ocupação. Usava-se com frequência o argumento de que a população indígena estaria crescendo e portanto as terras não lhes eram mais suficientes. Isto é, aparentemente, o que o Ministério Público chamou de "dinamismo" da questão indígena ao apresentar suas considerações ao STF. O ministro Lewandowski se dirigiu a essa questão e a rejeitou de pronto. Com efeito, argumentar que os índios constituem sociedades dinâmicas é uma petição de princípio. Afinal, todas as sociedades são dinâmicas e a dos índios não têm nada de excepcional nesse aspecto. O crescimento da população é em si um fator positivo, e se provocar carências alimentares ou mudanças culturais, ele tem que ser lidado por um processo de auto-desenvolvimento cultural e melhoria econômica.
Entretanto, ao analisar a demarcação de terras indígenas frequentemente nos deparamos com erros e equívocos na demarcação.
Em geral para menos do que os índios pretendiam, embora, em alguns poucos casos, a terra tenha sido demarcada sem os índios conhecerem todos os seus limites. Nesse caso, se for para mais, os índios não reclamam, é claro.
O fato é que uma restrição como essa impossibilita a revisão de atos falhos e injustos, acaba com a possibilidade de correções que, se realizadas, trariam justiça para diversas comunidades indígenas. Creio que essa ressalva foi imposta pelo voto do ministro Menezes Direito como reação à quantidade imensa de demandas que a possibilidade de revisão vinha trazendo. Muitas dessas revisões vinham a lume sob argumentos políticos e retórica denunciatória ao estado brasileiro trazidas por Ongs e pelo CIMI. O CIMI, por exemplo, faz questão de dizer que faltam ainda 250 novas terras indígenas serem demarcadas, quando a Funai conta com no máximo 80. O CTI, uma Ong neoliberal indigenista, frequentemente incentiva os índios a reclamar ampliações de terras que são impossíveis de serem efetivadas, seja pela presença de fazendas tradicionais, seja pelo tempo passado desde a demarcação original. Por exemplo, o CTI propõe a criação de um suposto "Território Timbira", que juntaria as terras dos diversos índios de fala Timbira que vivem no Maranhão, Tocantins e Pará, formando uma área de alguns milhões de hectares. Já o ISA, a mais neoliberal de todas as Ongs, quer que a Funai demarque a Terra Indígena Cue-Cué Marabitanas de tal sorte que ligue as terras indígenas do Alto rio Negro com Balaio e Yanomami, perfazendo algo em torno de 22.000.000 de hectares. Dessas demandas absurdas falei há três anos e alertei que, a continuar com esse nível de retórica, tais casos iriam acabar desembocando no STF a serem dirimidas por ele. Ao final da votação sobre Raposa Serra do Sol, o resultado está aí e é devastador para todos, inclusive para as demandas justas que efetivamente existem.
Em suma, no meu entender, esta é mais uma ressalva que, se tornada uma norma no processo de demarcação de terras indígenas, vai apagar com as esperanças de muitas comunidades indígenas, especialmente no Mato Grosso do Sul e nos estados sulinos.
Antropólogo e ex-Presidente da FUNAI
É vedada a ampliação da terra indígena já demarcada
A 17ª ressalva apresentada no voto do ministro Menezes Direito pareceu tão estranha a alguns ministros que passou por uma votação. Os ministros Eros Grau, Carmen Lúcia, Ayres Britto e Joaquim Barbosa a rejeitaram. Os demais 7 foram favoráveis.
Não houve explicação clara para a rejeição. A ministra Carmen Lúcia simplesmente achou que não cabia tal restrição, dado o fato de o STF não conhecer os casos específicos que poderiam ser afetados por essa ressalva. Em determinado momento o ministro Britto sugeriu suavemente aos seus colegas que essa ressalva valesse apenas para o caso da Raposa Serra do Sol. Mas Menezes Direito insistiu e Cézar Peluso fortaleceu-lhe o argumento de que, caso contrário, a terra pretendida como ampliação provocaria uma incerteza jurídica, enquanto aquela já demarcada poderia ser contestada por idêntica incerteza jurídica.
Confesso que custo a crer que, se um povo indígena que tenha tido sua terra demarcada em outra época e que venha a argumentar e provar que, na ocasião da demarcação, houve um mal-feito ou um equívoco e deixou-se de fora da terra demarcada uma área ou segmento dessa terra, isso viesse a trazer incerteza sobre a terra já demarcada. Acredito que a área pretendida é que ficaria incerta, em relação ao seu estatuto jurídico no momento.
Bem, não sendo jurista, não posso afirmar com certeza o que poderia acontecer. O fato é que, ao longo dos anos, muitos povos indígenas reclamam que as demarcações de sua terras não foram feitas corretamente, e pedem revisão dessas demarcações com vistas à ampliação.
Quando era presidente da Funai tomei conhecimento de diversos desses pedidos. É certo que alguns decorriam de uma argumentação não relacionada com tradicionalidade de ocupação. Usava-se com frequência o argumento de que a população indígena estaria crescendo e portanto as terras não lhes eram mais suficientes. Isto é, aparentemente, o que o Ministério Público chamou de "dinamismo" da questão indígena ao apresentar suas considerações ao STF. O ministro Lewandowski se dirigiu a essa questão e a rejeitou de pronto. Com efeito, argumentar que os índios constituem sociedades dinâmicas é uma petição de princípio. Afinal, todas as sociedades são dinâmicas e a dos índios não têm nada de excepcional nesse aspecto. O crescimento da população é em si um fator positivo, e se provocar carências alimentares ou mudanças culturais, ele tem que ser lidado por um processo de auto-desenvolvimento cultural e melhoria econômica.
Entretanto, ao analisar a demarcação de terras indígenas frequentemente nos deparamos com erros e equívocos na demarcação.
Em geral para menos do que os índios pretendiam, embora, em alguns poucos casos, a terra tenha sido demarcada sem os índios conhecerem todos os seus limites. Nesse caso, se for para mais, os índios não reclamam, é claro.
O fato é que uma restrição como essa impossibilita a revisão de atos falhos e injustos, acaba com a possibilidade de correções que, se realizadas, trariam justiça para diversas comunidades indígenas. Creio que essa ressalva foi imposta pelo voto do ministro Menezes Direito como reação à quantidade imensa de demandas que a possibilidade de revisão vinha trazendo. Muitas dessas revisões vinham a lume sob argumentos políticos e retórica denunciatória ao estado brasileiro trazidas por Ongs e pelo CIMI. O CIMI, por exemplo, faz questão de dizer que faltam ainda 250 novas terras indígenas serem demarcadas, quando a Funai conta com no máximo 80. O CTI, uma Ong neoliberal indigenista, frequentemente incentiva os índios a reclamar ampliações de terras que são impossíveis de serem efetivadas, seja pela presença de fazendas tradicionais, seja pelo tempo passado desde a demarcação original. Por exemplo, o CTI propõe a criação de um suposto "Território Timbira", que juntaria as terras dos diversos índios de fala Timbira que vivem no Maranhão, Tocantins e Pará, formando uma área de alguns milhões de hectares. Já o ISA, a mais neoliberal de todas as Ongs, quer que a Funai demarque a Terra Indígena Cue-Cué Marabitanas de tal sorte que ligue as terras indígenas do Alto rio Negro com Balaio e Yanomami, perfazendo algo em torno de 22.000.000 de hectares. Dessas demandas absurdas falei há três anos e alertei que, a continuar com esse nível de retórica, tais casos iriam acabar desembocando no STF a serem dirimidas por ele. Ao final da votação sobre Raposa Serra do Sol, o resultado está aí e é devastador para todos, inclusive para as demandas justas que efetivamente existem.
Em suma, no meu entender, esta é mais uma ressalva que, se tornada uma norma no processo de demarcação de terras indígenas, vai apagar com as esperanças de muitas comunidades indígenas, especialmente no Mato Grosso do Sul e nos estados sulinos.
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