quinta-feira, 28 de maio de 2009

Cores, valentia e resistência

Bolívar Torres
DEU NO JORNAL DO Brasil / Caderno B

Durante os anos sangrentos da guerra civil espanhola (1936-1939), os cartazes do Partido Republicano e Comunista pendurados nas paredes das construções serviam como instrumento de intimidação, autoafirmação e resistência contra o exército do General Francisco Franco. Mas, muito além do seu potencial para o combate, há uma característica que os mantém dignos de admiração, mesmo 70 anos depois do fim da guerra. Criados por grandes nomes como Cristino Mayo e Joan Miró, trata-se de autênticas obras de arte, cujo valor estético é tão relevante quanto o histórico. É parte dessa rica coleção de 2 mil itens formada ao longo dos anos pela Fundação Pablo Iglesias, que resistiu à destruição das bombas e à dispersão do tempo, que o público carioca poderá conferir a partir da próxima quinta no Museu Histórico Nacional, na exposição Cartazes da Guerra – 1936 – 1939. Organizada pelo Instituto Cervantes, conta ainda com a mostra paralela Pierre Verger - Andalucía 1935, que apresenta 70 fotografias em branco e preto, retratando a vida cotidiana da região de Andalucía no verão de 1935, às vésperas do confronto.

– É a mais importante série de cartazes de guerra que existe – ressalta José Carlos Sebe Bom Meihy, professor titular da Universidade de São Paulo e co-organizador da mostra. – A Guerra Civil Espanhola foi a última grande causa romântica da humanidade. Os artistas e liberais do mundo inteiro se uniram para lutar contra Franco. Existe um apelo dramático e artístico de uma guerra fratricida.

Definidos como "um grito na parede", os cartazes abordam temas essencialmente políticos. A coleção forma um painel diverso, assim com as diferentes correntes dentro dos próprios Partidos Comunista e Republicano. Pelo apurado senso estético, a ala stalinista se distingue da trotskista, mais ligada à União Soviética, cuja concepção se limitava a intenções puramente didáticas ou doutrinárias. A produção stalinista, por sua vez, chegou inclusive a desenvolver uma escola artística, o "cartelismo", recrutando um exército de artistas gráficos, desenhistas e pintores.

– O cartaz espanhol se diferencia do soviético porque tinha a ideia do opositor – explica Meihy. – Na Espanha, havia a necessidade de convocação. Só mais tarde, a partir do fim da década de 30, acabaram recebendo influência do monumentalismo soviético, empobrecendo um pouco a questão artística.

Em princípio, não é impossível supor que a utilização de cartazes para marcar território acabasse se transformando, involuntariamente, como "isca" para os franquistas. Para Meihy, porém, o contexto da guerra justifica a estratégia republicana.

– A ideia era mostrar para o grupo adversário um discurso de valentia. É comum ver desenhos de soldados com arma na mão, avançando, numa evocação à vitória. E também a figura heróica da mulher valente e guerreira, não apenas como a tradicional católica da dona de casa.
Ironicamente, a conservação das obras se deve ao seu maior opositor, o ditador Franco, que saiu vencedor do confronto, mas não destruiu os vestígios de seus oponentes.

– Franco prestou um grande serviço aos historiadores – precisa Meihy. – Para conhecer seus inimigos, ele ensacou tudo que conseguiu, formando um vasto arquivo. Além disso, muitas pessoas guardavam as obras em casa porque sabiam de seu valor artístico.

Diretor do Instituto Cervantes Rio de Janeiro, Antonio Martínez Luciano acredita que a exposição ajuda a refletir sobre a necessidade de consolidar a jovem democracia espanhola, além de mostrar à juventude a importância que teve numa guerra que mobilizou países do mundo inteiro.

– Trata-se de uma exposição muito oportuna – observa. – Primeiro porque se completa agora 70 anos do final da Guerra Civil Espanhola. Segundo, porque é a primeira vez que é apresentada na Espanha e fora dela, no momento em que acaba de ser aprovada a lei da memória histórica, que visa a reivindicar os direitos dos republicanos que durante todo o período de Franco não puderam se expor.

Martínez destaca o diálogo entre a exposição e a mostra paralela com as fotografias de Pierre Verger, o fotógrafo e etnólogo franco-brasileiro que registrou as últimas imagens de uma Espanha pré-Guerra Civil.

– Essas fotografias dão uma perfeita ideia da vida social do país. Os rostos retratados apresentam um magnífico contraste com as figuras dos cartazes republicanos feitos durante a guerra.

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