Alberto Dines
DEU NO JORNAL DO COMMERCIO (PE)
A questão palestina ocupou parte importante do noticiário internacional dos últimos dias. Desta vez, apenas na esfera retórica e política, sem banhos de sangue como tem acontecido.
Primeiro foi a visita do papa Bento XVI ao Oriente Médio onde apelou para a criação de um estado palestino. A questão voltou às manchetes dias depois durante a visita do novo premiê israelense, Benjamin Netanyahu, ao presidente dos EUA, Barack Obama.
Ficou evidente uma rara discordância entre os dois aliados, justamente a propósito da criação de um estado palestino como passo crucial para o estabelecimento da paz na região. Obama, sua equipe de assessores (da qual fazem parte judeus) e o Departamento de estado comandado por Hillary Clinton deixaram clara a necessidade de uma drástica reversão na política de assentamentos israelenses em territórios consignados à Autoridade Palestina. Muitos impasses criados pela decisão da ONU em partilhar a Palestina em dois estados foram razoavelmente superados: Israel mantém fronteiras abertas e relações diplomáticas regulares com adversários de algumas guerras (Egito e Jordânia) enquanto outros estados preferem canais informais até que se resolva a questão definitivamente
A questão palestina, porém, mantém-se irresolvida há 62 anos e arrasta-se num andamento de adágio – surda, dolorosa, pungente. A acachapante vitória da direita e dos partidos religiosos nas últimas eleições israelenses trouxe um dado novo: pela primeira vez desde os acordos de Oslo, o Estado de Israel assume de forma ostensiva um veto à criação do estado palestino.
Para entender o absurdo desta intransigência, é indispensável adotar a notação musical italiana, Da Capo (voltar ao início da partitura para executá-la na sua integridade). Indispensável retornar a novembro de 1947 quando a ONU, então presidida pelo brasileiro Oswaldo Aranha, decidiu partilhar a Palestina em dois estados, um árabe, outro judeu.
A maioria da comunidade judaica mundial e, sobretudo, aquela que vivia na Palestina, aceitou o plano internacional. Vibrou quando foi adotada Resolução 181 que consumava a divisão. Foi um poderoso movimento de amplo espectro político, verdadeira frente popular, onde se aliavam os sionistas-socialistas (liderados por David Ben-Gurion) e os sionistas-gerais, de centro.
A oposição, minoritária e pacífica, vinha da extrema-esquerda judaica (sionista e não sionista) que preferia a solução do estado binacional árabe-judaico. A resistência irredentista e quase sempre violenta contra os acordos internacionais e contra a partilha da Palestina partiu das facções do sionismo dito "revisionista", de direita, das quais o atual primeiro-ministro "Bibi" Netanyahu é legítimo herdeiro. Os religiosos eram antissionistas, condicionavam o restabelecimento de um reino judaico na Terra de Israel à vinda do Messias. A exceção era um pequeno grupo religioso-trabalhista que Ben-Gurion fez questão de integrar no primeiro governo proclamado em 14 de Maio de 1948. Estava certo sob o ponto de vista político: para legitimar-se, o novo estado além de democrático deveria ser de união nacional. Errou ao não precaver-se diante do perigo de um estado teocrático,
Da Capo, voltando ao início: imperioso registrar que a partilha da Palestina em dois estados decidida pela ONU foi impedida de completar-se porque o Estado de Israel foi atacado no dia seguinte à sua criação pelos exércitos regulares do Egito, Transjordânia (mais tarde, Jordânia), Síria, Líbano e Iraque. Não pretendiam estabelecer um estado árabe ou estado palestino, queriam tão-somente impedir a criação do Estado de Israel. Nas guerras seguintes (1956, 1967 e 1973) mudou apenas a formulação tática: criado o estado era preciso varrê-lo do mapa. Em nenhuma destas guerras empunhou-se a bandeira da criação de um estado palestino.
Agora, ao recusar frontalmente o conceito de um território e dois estados, a direita e os religiosos israelenses entram na máquina do tempo para aliar-se à cegueira e à brutalidade daqueles que enfrentaram o consenso internacional.
Da Capo não é apenas uma notação musical para evitar partituras extensas é também uma forma criativa de olhar o mundo.
»Alberto Dines é jornalista
DEU NO JORNAL DO COMMERCIO (PE)
A questão palestina ocupou parte importante do noticiário internacional dos últimos dias. Desta vez, apenas na esfera retórica e política, sem banhos de sangue como tem acontecido.
Primeiro foi a visita do papa Bento XVI ao Oriente Médio onde apelou para a criação de um estado palestino. A questão voltou às manchetes dias depois durante a visita do novo premiê israelense, Benjamin Netanyahu, ao presidente dos EUA, Barack Obama.
Ficou evidente uma rara discordância entre os dois aliados, justamente a propósito da criação de um estado palestino como passo crucial para o estabelecimento da paz na região. Obama, sua equipe de assessores (da qual fazem parte judeus) e o Departamento de estado comandado por Hillary Clinton deixaram clara a necessidade de uma drástica reversão na política de assentamentos israelenses em territórios consignados à Autoridade Palestina. Muitos impasses criados pela decisão da ONU em partilhar a Palestina em dois estados foram razoavelmente superados: Israel mantém fronteiras abertas e relações diplomáticas regulares com adversários de algumas guerras (Egito e Jordânia) enquanto outros estados preferem canais informais até que se resolva a questão definitivamente
A questão palestina, porém, mantém-se irresolvida há 62 anos e arrasta-se num andamento de adágio – surda, dolorosa, pungente. A acachapante vitória da direita e dos partidos religiosos nas últimas eleições israelenses trouxe um dado novo: pela primeira vez desde os acordos de Oslo, o Estado de Israel assume de forma ostensiva um veto à criação do estado palestino.
Para entender o absurdo desta intransigência, é indispensável adotar a notação musical italiana, Da Capo (voltar ao início da partitura para executá-la na sua integridade). Indispensável retornar a novembro de 1947 quando a ONU, então presidida pelo brasileiro Oswaldo Aranha, decidiu partilhar a Palestina em dois estados, um árabe, outro judeu.
A maioria da comunidade judaica mundial e, sobretudo, aquela que vivia na Palestina, aceitou o plano internacional. Vibrou quando foi adotada Resolução 181 que consumava a divisão. Foi um poderoso movimento de amplo espectro político, verdadeira frente popular, onde se aliavam os sionistas-socialistas (liderados por David Ben-Gurion) e os sionistas-gerais, de centro.
A oposição, minoritária e pacífica, vinha da extrema-esquerda judaica (sionista e não sionista) que preferia a solução do estado binacional árabe-judaico. A resistência irredentista e quase sempre violenta contra os acordos internacionais e contra a partilha da Palestina partiu das facções do sionismo dito "revisionista", de direita, das quais o atual primeiro-ministro "Bibi" Netanyahu é legítimo herdeiro. Os religiosos eram antissionistas, condicionavam o restabelecimento de um reino judaico na Terra de Israel à vinda do Messias. A exceção era um pequeno grupo religioso-trabalhista que Ben-Gurion fez questão de integrar no primeiro governo proclamado em 14 de Maio de 1948. Estava certo sob o ponto de vista político: para legitimar-se, o novo estado além de democrático deveria ser de união nacional. Errou ao não precaver-se diante do perigo de um estado teocrático,
Da Capo, voltando ao início: imperioso registrar que a partilha da Palestina em dois estados decidida pela ONU foi impedida de completar-se porque o Estado de Israel foi atacado no dia seguinte à sua criação pelos exércitos regulares do Egito, Transjordânia (mais tarde, Jordânia), Síria, Líbano e Iraque. Não pretendiam estabelecer um estado árabe ou estado palestino, queriam tão-somente impedir a criação do Estado de Israel. Nas guerras seguintes (1956, 1967 e 1973) mudou apenas a formulação tática: criado o estado era preciso varrê-lo do mapa. Em nenhuma destas guerras empunhou-se a bandeira da criação de um estado palestino.
Agora, ao recusar frontalmente o conceito de um território e dois estados, a direita e os religiosos israelenses entram na máquina do tempo para aliar-se à cegueira e à brutalidade daqueles que enfrentaram o consenso internacional.
Da Capo não é apenas uma notação musical para evitar partituras extensas é também uma forma criativa de olhar o mundo.
»Alberto Dines é jornalista
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