Panorama Econômico :: Miriam Leitão
DEU EM O GLOBO
Um esqueleto de R$36 bilhões ameaça a Previdência. O risco cresce pelos conflitos na base parlamentar, pelo medo do governo em relação à CPI da Petrobras, e esse clima antecipado de campanha eleitoral. A área econômica teme o esqueleto, mas o próprio PT é autor da proposta. Curioso é que a Fazenda aceita negociar o fim do fator previdenciário, que provocará outro esqueleto.
Vai sendo muito bem sucedida a articulação no Congresso para a derrubada do veto do presidente Lula a uma proposta de 2006 do senador Paulo Paim (PT-RS), que estende para todos os aposentados que ganham acima de um salário mínimo o mesmo aumento de 16,6% dado ao salário mínimo daquele ano. O presidente vetou essa proposta. Se o veto for derrubado, e ele deve ir a votação em breve, o governo terá de pagar retroativamente todo o reajuste. Assim nascem os esqueletos, nesta tendência brasileira incurável de tornar até o passado imprevisível.
Há outro esqueleto ainda pior que é o fim do fator previdenciário. O jornalista George Vidor, em coluna recente, chamou esse movimento como uma verdadeira "contrarreforma". A feliz expressão de Vidor era acompanhada da explicação: o país não fez uma reforma da Previdência decente, e o pouco que conseguiu está sendo derrubado no Congresso.
Pior é que a área econômica acha razoável e está negociando uma fórmula que derruba o fator previdenciário. A fórmula cria o fator 95 e 85. Explico: se a soma da idade da pessoa que pede aposentadoria com o tempo de serviço der 95 anos (se for homem), ou 85 anos (se for mulher), essa pessoa pode se aposentar pelo valor integral da média do que contribuiu nos últimos 36 meses. Exemplo: uma mulher com 55 anos e 30 anos de contribuição pode se aposentar pelo valor integral da média que contribuiu nesses últimos meses. Pelo fator previdenciário, ela receberia 75% do valor. Supondo-se que essa mulher fosse se aposentar hoje recebendo R$750 com o fator previdenciário; sem o fator ela passaria a receber R$1.000. Na prática, significaria um aumento de 37%.
Pode-se argumentar que é mais justo, já que ela contribuiu para receber R$1.000, e não R$750.
Mas o fator previdenciário é feito exatamente para incentivar a aposentadoria mais tarde. Se essa nova fórmula for aprovada, imediatamente será criado um passivo que virará no futuro um grande esqueleto. Todo mundo que se aposentou de 1995 para cá, com o fator previdenciário, vai reclamar na Justiça. Com toda razão. E qualquer leigo pode imaginar qual será a decisão do Judiciário. Afinal, será um tratamento discriminatório a quem se aposentou nos últimos 14 anos.
O custo do fim do fator previdenciário é pequeno num primeiro momento, mas, do ponto de vista demográfico, a tendência é ele ir aumentando ao longo dos anos. As pessoas vivem cada vez mais, as mulheres mais que os homens, no Brasil não há idade mínima de aposentadoria, a conta da Previdência já é 11% do PIB, e ainda tem muita gente fora do sistema que precisa ser incluída. O que acontecerá quando a população ficar mais velha?
Já o custo da derrubada do veto presidencial é imediato. Se o veto cair, instantaneamente cria-se uma despesa daquela ordem - R$36 bilhões - pelo efeito retroativo da medida a 2006. Uma reportagem sobre este assunto saiu aqui no GLOBO, ontem, contando que o governo argumentou, ao vetar, que a proposta era inconstitucional porque não dizia de onde viriam os recursos, e também era contra a Lei de Responsabilidade Fiscal, por criar uma despesa continuada. Mas esses argumentos valem pouco diante de um Congresso que tenta salvar a própria pele, com medidas de apelo popular, para abafar os ruídos dos próprios escândalos.
É tendência universal que o Legislativo seja mais generoso em concessões onerosas ao Tesouro do que o próprio Executivo. Nada parece mais justo do que aumentar o ganho dos aposentados e ninguém quer falar nada contra isso. A oposição certamente não vai querer fazer esse trabalho de enfrentar o partido do governo para defender a manutenção de um veto presidencial a uma proposta de um senador do partido do governo.
Esta semana, ouvi do diretor de uma grande consultoria internacional - como escrevi na coluna de quarta-feira - que entre as várias vantagens do Brasil para crescer nos próximos 20, 30 anos, é que a população de idosos é pequena. Não quis contrariar o simpático consultor, mas o fato é que: apesar de ter uma população jovem, o Brasil tem um custo previdenciário de país com população idosa. Isso pelos erros cometidos até agora: aposentadorias precoces, regimes exageradamente generosos aos funcionários públicos, desigualdades dentro do sistema. Os aposentados do INSS são os que ganham proporcionalmente menos em média, mas como são a maioria dos aposentados, uma vinculação ao salário mínimo faria uma destas duas coisas: estouraria as contas da Previdência que já são deficitárias; impediria reajustes reais do salário mínimo.
É isso, no Brasil até o passado é incerto, e até o passado recente pode produzir esqueletos.
DEU EM O GLOBO
Um esqueleto de R$36 bilhões ameaça a Previdência. O risco cresce pelos conflitos na base parlamentar, pelo medo do governo em relação à CPI da Petrobras, e esse clima antecipado de campanha eleitoral. A área econômica teme o esqueleto, mas o próprio PT é autor da proposta. Curioso é que a Fazenda aceita negociar o fim do fator previdenciário, que provocará outro esqueleto.
Vai sendo muito bem sucedida a articulação no Congresso para a derrubada do veto do presidente Lula a uma proposta de 2006 do senador Paulo Paim (PT-RS), que estende para todos os aposentados que ganham acima de um salário mínimo o mesmo aumento de 16,6% dado ao salário mínimo daquele ano. O presidente vetou essa proposta. Se o veto for derrubado, e ele deve ir a votação em breve, o governo terá de pagar retroativamente todo o reajuste. Assim nascem os esqueletos, nesta tendência brasileira incurável de tornar até o passado imprevisível.
Há outro esqueleto ainda pior que é o fim do fator previdenciário. O jornalista George Vidor, em coluna recente, chamou esse movimento como uma verdadeira "contrarreforma". A feliz expressão de Vidor era acompanhada da explicação: o país não fez uma reforma da Previdência decente, e o pouco que conseguiu está sendo derrubado no Congresso.
Pior é que a área econômica acha razoável e está negociando uma fórmula que derruba o fator previdenciário. A fórmula cria o fator 95 e 85. Explico: se a soma da idade da pessoa que pede aposentadoria com o tempo de serviço der 95 anos (se for homem), ou 85 anos (se for mulher), essa pessoa pode se aposentar pelo valor integral da média do que contribuiu nos últimos 36 meses. Exemplo: uma mulher com 55 anos e 30 anos de contribuição pode se aposentar pelo valor integral da média que contribuiu nesses últimos meses. Pelo fator previdenciário, ela receberia 75% do valor. Supondo-se que essa mulher fosse se aposentar hoje recebendo R$750 com o fator previdenciário; sem o fator ela passaria a receber R$1.000. Na prática, significaria um aumento de 37%.
Pode-se argumentar que é mais justo, já que ela contribuiu para receber R$1.000, e não R$750.
Mas o fator previdenciário é feito exatamente para incentivar a aposentadoria mais tarde. Se essa nova fórmula for aprovada, imediatamente será criado um passivo que virará no futuro um grande esqueleto. Todo mundo que se aposentou de 1995 para cá, com o fator previdenciário, vai reclamar na Justiça. Com toda razão. E qualquer leigo pode imaginar qual será a decisão do Judiciário. Afinal, será um tratamento discriminatório a quem se aposentou nos últimos 14 anos.
O custo do fim do fator previdenciário é pequeno num primeiro momento, mas, do ponto de vista demográfico, a tendência é ele ir aumentando ao longo dos anos. As pessoas vivem cada vez mais, as mulheres mais que os homens, no Brasil não há idade mínima de aposentadoria, a conta da Previdência já é 11% do PIB, e ainda tem muita gente fora do sistema que precisa ser incluída. O que acontecerá quando a população ficar mais velha?
Já o custo da derrubada do veto presidencial é imediato. Se o veto cair, instantaneamente cria-se uma despesa daquela ordem - R$36 bilhões - pelo efeito retroativo da medida a 2006. Uma reportagem sobre este assunto saiu aqui no GLOBO, ontem, contando que o governo argumentou, ao vetar, que a proposta era inconstitucional porque não dizia de onde viriam os recursos, e também era contra a Lei de Responsabilidade Fiscal, por criar uma despesa continuada. Mas esses argumentos valem pouco diante de um Congresso que tenta salvar a própria pele, com medidas de apelo popular, para abafar os ruídos dos próprios escândalos.
É tendência universal que o Legislativo seja mais generoso em concessões onerosas ao Tesouro do que o próprio Executivo. Nada parece mais justo do que aumentar o ganho dos aposentados e ninguém quer falar nada contra isso. A oposição certamente não vai querer fazer esse trabalho de enfrentar o partido do governo para defender a manutenção de um veto presidencial a uma proposta de um senador do partido do governo.
Esta semana, ouvi do diretor de uma grande consultoria internacional - como escrevi na coluna de quarta-feira - que entre as várias vantagens do Brasil para crescer nos próximos 20, 30 anos, é que a população de idosos é pequena. Não quis contrariar o simpático consultor, mas o fato é que: apesar de ter uma população jovem, o Brasil tem um custo previdenciário de país com população idosa. Isso pelos erros cometidos até agora: aposentadorias precoces, regimes exageradamente generosos aos funcionários públicos, desigualdades dentro do sistema. Os aposentados do INSS são os que ganham proporcionalmente menos em média, mas como são a maioria dos aposentados, uma vinculação ao salário mínimo faria uma destas duas coisas: estouraria as contas da Previdência que já são deficitárias; impediria reajustes reais do salário mínimo.
É isso, no Brasil até o passado é incerto, e até o passado recente pode produzir esqueletos.
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