Vendo e revendo o impressionante vídeo de Neda, a jovem iraniana morta numa manifestação contra a reeleição de Ahmadinejad - o corpo estendido no chão, o rosto coberto de sangue, os olhos abertos e já provavelmente sem vida, o desespero do médico amigo de Paulo Coelho tentando salvá-la -, tudo me fez lembrar uma cena parecida ocorrida no Rio há 41 anos, quando o estudante Edson Luis foi assassinado também com um tiro no peito, num protesto contra a ditadura militar. Ziraldo, Washington Novaes e eu chegamos a tempo de ver o corpo sendo carregado pelos colegas para a Assembleia Legislativa, onde foi velado. Há diferenças e semelhanças entre as duas mortes, mas o mesmo valor simbólico. O rapaz não tinha importância política, assim como se sabia pouco da moça - apenas que estudou filosofia e tomava aulas de canto secretas, porque cantar em público lá é proibido para mulheres.
A morte de Edson não derrubou a ditadura, mas contribuiu para que o movimento estudantil atraísse a simpatia da opinião pública e ajudasse a desgastar o regime. O sacrifício de Neda também não deve pôr abaixo o domínio dos aiatolás, mas impôs-lhe ao menos uma derrota na batalha pela informação. "Eu queria mandar uma mensagem para o mundo e acho que consegui", disse Hamed, o jovem iraniano que, da Holanda, postou na internet o vídeo que correu o planeta.
Aqui, a tecnologia da época foi usada pelos censores: telefones eram grampeados e conversas, gravadas. No Irã, o celular e a internet estão servindo para romper a censura. Já tínhamos visto esse embate em Cuba e na China, mas não nessa dimensão e escala. A boa notícia é que as novas tecnologias de comunicação podem servir para infernizar os regimes de opressão.
O "Basta!" já foi usado no Brasil em momentos extremos como uma espécie de ultimato para coibir abusos e cessar desmandos - um sinal, uma maneira imperativa de advertir que a situação se tornara insustentável, chegara ao fundo do poço. Pois quando se esperava que Lula fosse dar o seu "Basta!" em nome de seu passado e de toda a sua luta na oposição - denunciando os escândalos, as maracutaias, os ladrões e picaretas do Congresso -, ele mais uma vez inverteu a ordem dos valores morais e apresentou a sua solução para a mais grave crise já vivida pelo Senado: "Basta que as pessoas que cometeram erros peçam desculpas à sociedade e está resolvido." Simples assim.
O tripresidente da Casa nomeou dez afilhados e parentes? Peça desculpas e está resolvido.
Aquele funcionário construiu mansão de R$5 milhões e não declarou ao IR? Que se desculpe, pronto. Quer dizer: o presidente da República propõe substituir os instrumentos legais de apuração e punição por um simples ato de contrição. É a remissão do pecado dispensando até a penitência.
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