A crise de valores que domina a política brasileira, que está sendo explicitada com maior agudeza no momento pelo impasse em que se encontra o Senado, imobilizado por inúmeras denúncias contra o seu presidente, teve ontem, no primeiro dia de volta do recesso parlamentar, uma síntese de sua tragédia na "tropa de choque" que se mobilizou para defender a permanência do senador José Sarney no cargo.
Representantes do que há de pior na prática política brasileira, a chantagem, o corporativismo, o populismo, o fisiologismo, o patrimonialismo uniram-se para atacar o senador Pedro Simon, que pedia da tribuna do Senado a renúncia do presidente Sarney como saída para que sejam encaminhadas soluções para a reforma profunda que o funcionamento do Senado - e também da Câmara - está a exigir.
A belicosidade exibida por todos os defensores da permanência de Sarney indica que ele foi convencido a encarar uma guerra aberta para permanecer no cargo.
Como esquizofrênicos que vivem num mundo particular, esses senadores passaram a difundir a ideia de que o que está em jogo neste momento é a disputa de 2010 pela sucessão do presidente Lula, o que leva a crer que o próprio Palácio do Planalto alimenta essa visão, que transforma a necessidade de refundação moral de nossas instituições políticas em meros movimentos estratégicos para a sucessão presidencial.
Aderindo surpreendentemente coeso a essa tese, a ponto de seu presidente Michel Temer ter divulgado uma nota em que sugere a saída de seus dissidentes do partido, a exemplo do que o PT fez com os seus, o PMDB assumiu a parceria com o governo Lula, trocando o apoio da base governista à permanência de seu representante na presidência do Senado pelo seu apoio à candidatura oficial à sucessão de Lula.
A reunião do Conselho de Ética que está prevista para hoje, onde estarão em análise diversas representações contra o presidente José Sarney e, previsivelmente, várias outras contra representantes da oposição, ocorrerá em ambiente de agressividade descontrolada, como ficou claro ontem.
Senadores instáveis emocionalmente, além de agressões extemporâneas, passaram a sugerir chantagens em frases incompreensíveis, mensagens cifradas de ameaças.
O espírito do baixo claro tomou conta do plenário do Senado, demonstrando que a base governista se transformou num bando que se utiliza dos recursos mais baixos para defender seus interesses.
Transformar a campanha pela moralização das atividades do Congresso em uma simples questão pontual de política partidária tem a finalidade de desqualificar as acusações, transformá-las em coisas menores que sempre aconteceram, e deixar tudo como está.
Também a tese de que há um complô midiático para derrubar o senador José Sarney, justamente porque ele se transformou no maior suporte do projeto sucessório do presidente Lula, faz parte dessa tentativa de levar a opinião pública a acreditar que não há nada de errado no que está sendo relatado pela imprensa.
Essa tática imobilista dos governistas tem a ver com o debate sobre o papel da opinião pública na atualidade, e até onde é possível manipulá-la, tema que abordei no último fim de semana e que provocou muito debate entre os leitores.
Geraldo Tadeu Moreira Monteiro, diretor-presidente do Instituto Brasileiro de Pesquisa Social, com a experiência de ter realizado mais de 300 pesquisas de opinião pelo IBPS nos últimos 5 anos, parafraseando o sociólogo francês Pierre Bourdieu - que diz que só existe opinião "mobilizada", a das elites e dos grupos de pressão -, acha que não existe "opinião pública", mas feixes de opiniões públicas, "correntes de opinião que se formam circunstancialmente a partir de posições políticas e ideológicas de grupos sociais politicamente mais organizados".
Hoje em dia, diz ele, porta-vozes de diferentes grupos (idosos, gays, mulheres, sindicalistas, ambientalistas, indígenas, etc) se fazem ouvir em todos os meios de comunicação, produzindo uma espécie de "polifonia discursiva", que torna as opiniões cada vez mais heterogêneas.
"Podemos dizer que as "opiniões públicas" são posicionamentos provisórios, não necessariamente contínuos e heterogêneos, sobre temas pertinentes à arena pública", analisa Tadeu Monteiro.
Em pesquisa recente (23 a 27/07/09, com 2.000 entrevistas em todo o Estado do Rio), o IBPS apurou que somente 17% da população demonstram interesse pela política acima da média (4% têm interesse "muito grande" e 13% têm interesse "grande"), e, embora a maioria (52%) informe-se sobre política pela televisão, 21% o fazem através dos jornais, 9% em conversas com amigos e 7% pela internet.
Segundo Geraldo Tadeu Monteiro, "a informação política chega a todos, mas a compreensão dos movimentos da política, do que está em jogo, só chega a 17% dos entrevistados".
Seriam esses que, por diferentes redes sociais de relacionamento (faculdade, empresa, botequins, salões de cabeleireiro, etc), difundem suas visões e opiniões dando sentido à informação política que chega a todos, num processo que Monteiro considera "muito semelhante" ao que fazem os jornalistas, só que num processo "muito mais difuso e heterogêneo".
Um dos dados mais impressionantes da pesquisa IBPS, diz ele, é o aumento do voto nulo (em junho havia 9% de votos nulos, e em julho houve 12%) e em branco (de 2% em junho foi para 4% em julho).
"A sucessão de escândalos políticos produz mais uma sensação de desalento que uma reação uniforme", conclui Geraldo Tadeu Monteiro, do IBPS.
Pelo que está sendo montado no Senado, esse desalento só fará aumentar.
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