Os conceitos do que sejam medidas "estatizantes" ou "entreguistas" embaralham-se nas decisões do governo Lula, sem que seja possível chegar-se a uma conclusão sobre suas verdadeiras intenções. O próprio presidente, na entrevista de quinta-feira ao jornal "Valor", declarou que "tudo o que não é de interesse estratégico para o país pode ser privatizado. Agora, tudo o que é estratégico, o Estado pode fazer como fez na Petrobras e no Banco do Brasil." Parece tudo perfeitamente lógico, mas o que o governo fez para capitalizar a Petrobras é justamente o contrário do que está fazendo agora no Banco do Brasil.
Enquanto apresenta um projeto de capitalização da Petrobras baseado na compra de ações da empresa que ele já controla, ao mesmo tempo quer capitalizar o Banco do Brasil através da venda de ações na Bolsa de Nova York. E ainda por cima aumenta a participação dos estrangeiros no Banco do Brasil em quase 10%.
Se os dois são estratégicos para o país, a ponto de o governo ter mudado a direção do banco para forçar políticas de redução de juros, porque adota maneira diferente de capitalização da Petrobras?
Nesse caso, o governo vendeu a ideia que é preciso capitalizar a Petrobras para que a empresa tenha capacidade de extrair e produzir o petróleo, cuja renda num segundo momento iria para resgatar as dívidas sociais.
Essa necessidade, porém, só existe de maneira ampla porque o governo decidiu que a Petrobras terá a participação obrigatória mínima de 30% de cada campo do pré-sal, o que exigirá a contrapartida em investimentos que a empresa não é capaz de fazer hoje, e simultaneamente manter a exploração e produção de outros campos fora do pré-sal, que são a nossa realidade no momento.
Além de investimentos altíssimos, essa "reserva de mercado" para a Petrobras exigirá uma gestão altamente qualificada, sob o risco de a empresa enfrentar sérios riscos financeiros.
Ao mesmo tempo, o discurso ideológico do governo vende a ideia de que é preciso aumentar sua participação acionária, admitindo até mesmo voltar a ser majoritário, para que nosso tesouro do pré-sal não seja controlado por investidores privados, especialmente os estrangeiros.
Essa é a única explicação para que tenha escolhido uma maneira tão questionável de capitalizar a Petrobras, em vez de se utilizar do mercado de ações, como fez com o Banco do Brasil.
Segundo a avaliação do consultor Adriano Pires, da Companhia Brasileira de Infraestrutura (CBIE), que foi adotada pelo PSDB nas emendas que apresentou ao projeto do governo, melhor seria usar os mecanismos de crédito existentes para que o público pudesse capitalizar a empresa, abrindo a possibilidade de uso de crédito consignado e caderneta de poupança.
Além do mais, essa transação de capitalizar a empresa com cinco bilhões de barris de petróleo das reservas do pré-sal ainda não licitadas, que lastreariam o lançamento de títulos públicos no mercado, fazendo com que no final das contas o acionista majoritário (a União) receba de volta o que investiu na empresa para a subscrição, é uma manobra que pode ser questionada na Justiça em diversos pontos.
O consultor da CBIE Adriano Pires, que assessorou o PSDB nas suas emendas, afirma que "é inconstitucional repassar, sem licitação, as reservas de cinco bilhões de barris da União para a Petrobras, empresa de capital misto".
Além do mais, os acionistas minoritários no momento da capitalização da Petrobras serão prejudicados, à medida que só podem entrar com dinheiro, e a União entrará com títulos.
Pires afirma também que dar as reservas da União para a Petrobras, sem cobrar o bônus de assinatura e a participação especial, lesa União, estados e municípios.
A maneira como o governo está tratando o assunto do pré-sal, misturando nacionalismo, promessas de políticas assistencialistas com assuntos técnicos, dá margem a que muita demagogia seja feita, e não apenas por parte do governo.
No Congresso, há emendas de todos os tipos, e o PSDB, o principal partido de oposição, afirmando que, capitalizando a Petrobras, o governo, no curto prazo, só beneficiará seus acionistas, e não a camada mais pobre da população, apresentou uma proposta absolutamente populista, que mistura o Bolsa Família com a distribuição da riqueza futura do pré-sal.
A proposta dos tucanos cria a Petro-Social, cujas ações preferenciais seriam distribuídas entre os beneficiados pelo programa Bolsa Família. "Por que privilegiar a Petrobras e seus acionistas se, com vultosos recursos que lhe seriam destinados, é possível melhorar sensivelmente a qualidade de vida dos mais necessitados?", questiona o deputado federal Vellozo Lucas, um político sério que, assim como seu partido, sucumbiu à armadilha do governo e entrou numa disputa de quem é mais nacionalista, menos "entreguista" e mais a favor dos pobres.
A Petro-Social seria uma empresa 100% estatal, proprietária das reservas dos tais cinco bilhões de barris, administrada pelo BNDESPAR, que teria uma golden share. As ações preferenciais seriam distribuídas para as 11 milhões de famílias do programa Bolsa Família, criando uma espécie de FGTS, que só poderiam ser vendidas depois de quatro anos do primeiro aporte de resultados, "e apenas para adquirir moradia, dar início a um negócio ou pagar educação dos filhos".
Só perde em populismo para a proposta da deputada do PCdoB Manuela D"Ávila, que quer que a riqueza do pré-sal seja distribuída a todos os brasileiros anualmente, uma espécie pós-moderna do programa de "renda mínima" do senador Eduardo Suplicy
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