DEU NO JORNAL DO COMMERCIO (PE)
Paixões e contradições são a fita métrica dos grandes homens. Elas não faltaram a Joaquim Aurélio Barreto Nabuco de Araújo (1849-1910). Suas exéquias, curiosamente, fornecem elementos para leitura da vida fecunda do admirável personagem.
Em Washington, no dia 17 de janeiro de 1910, morreu o Embaixador e, segundo a biógrafa Ângela Alonso, “Seu caixão desfilou numa carreta de artilharia”, com honras de chefe de Estado, concedida, pela primeira vez, a um estrangeiro.
Na ex-capital do Império, o já demolido Palácio Monroe abrigou a urna funerária. A cidade do Rio de Janeiro parou para reverenciar o intelectual monarquista que marcou profundamente a vida da corte.
No Recife, lenda e história do maior dos abolicionistas repousam no cemitério de Santo Amaro, levado pelos “marinheiros descendentes dos escravos que ajudara a libertar (...) Os braços abolicionistas o devolveram ao seu palco principal, o Teatro Santa Isabel, onde fora nada menos que um astro”.
Compreender a personalidade vária, complexa, a estética e as fascinações políticas de Nabuco exige muito esforço por conta do que revela Roberto Cavalcanti de Albuquerque, um dos seus maiores estudiosos: “Transborda, contudo, este construto bipolar (razão e imaginação, razão e sentimento)”, porque “nela a ‘impressão aristocrática’ (inglesa), a ‘impressão literária’ (francesa), a ‘impressão artística’ (italiana), a "impressão da civilização material" (estadunidense) como que interferem no evoluir do seu pensamento político, impedindo que o liberal que ele sempre foi se completasse no republicano”.
Felizmente, Nabuco esteve longe de ser uma unanimidade. Quincas, o Belo, com a distinta elegância distribuída pelo porte incomum, na época, de quase 1,90m, versátil e progressista, não escapou do vapor maligno do atraso e da inveja. Com autoridade de respeitado intelectual e denso historiador, José Almino de Alencar registra: “O personagem Nabuco contribuía para a fúria do ressentimento provinciano”.
Estou convencido de que o melhor caminho para conhecer Nabuco é o que ele traçou na magistral obra autobiográfica Minha Formação, corajosa e fiel exposição de grandezas e fraquezas, angústias existenciais e inquietações intelectuais de um espírito elevado cujo ponto altíssimo está escrito no capítulo Massangana: “A verdade é que sinto cada dia mais forte o arrocho do berço: cada vez sou mais servo da gleba brasileira por essa lei singular que prende o homem à pátria com tanto mais força quanto mais infeliz ela é e quanto maiores os riscos e incertezas que ele mesmo corre”.
Em Nabuco, o coração, mesmo preso à terra, balançava entre a pátria e a civilização do outro lado do oceano, telúrico e cosmopolita que era.
Na linha das apaixonadas contradições, a polêmica expressão “saudade do escravo” do abolicionista exprimiu, antes de tudo, a alma do artista bem como “a fusão humana e social com negro”, espécime que se considerava, absorvida “no leite preto que me amamentou”.
De outra parte, não surpreendem os reveses eleitorais que amargou. Eis o que Nabuco pensava sobre política: “Em minha vida, vivi muito da política com P grande, isto é, da política que é história (...) Mas para a política propriamente dita que é a local, a do País, a dos partidos, tenho esta dupla incapacidade”.
De autoria do senador Marco Maciel, nabuquiano confesso, o projeto 3642/08 foi sancionado pelo vice-presidente José de Alencar, no exercício da presidência, e transformado na Lei 11.946 de 15/06/09 que instituiu 2010 como o “Ano Nacional Joaquim Nabuco”.
Para mim, Nabuco foi a personalidade brasileira mais importante do século XIX e para Gilberto Freyre “o grande brasileiro do seu tempo e de todos os tempos”.
Por fim uma sugestão: que tal produzir um filme tendo como enredo a vida de Joaquim Nabuco? Estou certo de que os patrocinadores não faltarão com generosos recursos em justa homenagem a quem já foi julgado pela história e como incentivo à elevação do padrão cultural do povo brasileiro.
» Gustavo Krause é ex-ministro da Fazenda e do Meio Ambiente
Paixões e contradições são a fita métrica dos grandes homens. Elas não faltaram a Joaquim Aurélio Barreto Nabuco de Araújo (1849-1910). Suas exéquias, curiosamente, fornecem elementos para leitura da vida fecunda do admirável personagem.
Em Washington, no dia 17 de janeiro de 1910, morreu o Embaixador e, segundo a biógrafa Ângela Alonso, “Seu caixão desfilou numa carreta de artilharia”, com honras de chefe de Estado, concedida, pela primeira vez, a um estrangeiro.
Na ex-capital do Império, o já demolido Palácio Monroe abrigou a urna funerária. A cidade do Rio de Janeiro parou para reverenciar o intelectual monarquista que marcou profundamente a vida da corte.
No Recife, lenda e história do maior dos abolicionistas repousam no cemitério de Santo Amaro, levado pelos “marinheiros descendentes dos escravos que ajudara a libertar (...) Os braços abolicionistas o devolveram ao seu palco principal, o Teatro Santa Isabel, onde fora nada menos que um astro”.
Compreender a personalidade vária, complexa, a estética e as fascinações políticas de Nabuco exige muito esforço por conta do que revela Roberto Cavalcanti de Albuquerque, um dos seus maiores estudiosos: “Transborda, contudo, este construto bipolar (razão e imaginação, razão e sentimento)”, porque “nela a ‘impressão aristocrática’ (inglesa), a ‘impressão literária’ (francesa), a ‘impressão artística’ (italiana), a "impressão da civilização material" (estadunidense) como que interferem no evoluir do seu pensamento político, impedindo que o liberal que ele sempre foi se completasse no republicano”.
Felizmente, Nabuco esteve longe de ser uma unanimidade. Quincas, o Belo, com a distinta elegância distribuída pelo porte incomum, na época, de quase 1,90m, versátil e progressista, não escapou do vapor maligno do atraso e da inveja. Com autoridade de respeitado intelectual e denso historiador, José Almino de Alencar registra: “O personagem Nabuco contribuía para a fúria do ressentimento provinciano”.
Estou convencido de que o melhor caminho para conhecer Nabuco é o que ele traçou na magistral obra autobiográfica Minha Formação, corajosa e fiel exposição de grandezas e fraquezas, angústias existenciais e inquietações intelectuais de um espírito elevado cujo ponto altíssimo está escrito no capítulo Massangana: “A verdade é que sinto cada dia mais forte o arrocho do berço: cada vez sou mais servo da gleba brasileira por essa lei singular que prende o homem à pátria com tanto mais força quanto mais infeliz ela é e quanto maiores os riscos e incertezas que ele mesmo corre”.
Em Nabuco, o coração, mesmo preso à terra, balançava entre a pátria e a civilização do outro lado do oceano, telúrico e cosmopolita que era.
Na linha das apaixonadas contradições, a polêmica expressão “saudade do escravo” do abolicionista exprimiu, antes de tudo, a alma do artista bem como “a fusão humana e social com negro”, espécime que se considerava, absorvida “no leite preto que me amamentou”.
De outra parte, não surpreendem os reveses eleitorais que amargou. Eis o que Nabuco pensava sobre política: “Em minha vida, vivi muito da política com P grande, isto é, da política que é história (...) Mas para a política propriamente dita que é a local, a do País, a dos partidos, tenho esta dupla incapacidade”.
De autoria do senador Marco Maciel, nabuquiano confesso, o projeto 3642/08 foi sancionado pelo vice-presidente José de Alencar, no exercício da presidência, e transformado na Lei 11.946 de 15/06/09 que instituiu 2010 como o “Ano Nacional Joaquim Nabuco”.
Para mim, Nabuco foi a personalidade brasileira mais importante do século XIX e para Gilberto Freyre “o grande brasileiro do seu tempo e de todos os tempos”.
Por fim uma sugestão: que tal produzir um filme tendo como enredo a vida de Joaquim Nabuco? Estou certo de que os patrocinadores não faltarão com generosos recursos em justa homenagem a quem já foi julgado pela história e como incentivo à elevação do padrão cultural do povo brasileiro.
» Gustavo Krause é ex-ministro da Fazenda e do Meio Ambiente
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