sábado, 23 de janeiro de 2010

Merval Pereira :: Máquina politizada

DEU EM O GLOBO

O próximo presidente da República vai herdar uma máquina pública experiente e bem formada, mas com fortes vínculos políticos com o PT e a CUT, relação histórica ampliada e aprofundada no governo Lula. A mais completa radiografia dessa máquina no âmbito do Poder Executivo nacional está registrada no livro “A elite dirigente do governo Lula”, da cientista política Maria Celina D’Araujo, atualmente professora na PUC do Rio de Janeiro, com participação da também cientista política Camila Lameirão.

Realizado basicamente a partir de pesquisas quando atuava no Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil (Cpdoc) da Fundação Getulio Vargas, no Rio, o trabalho define as principais características da máquina pública federal: formada por pessoas altamente escolarizadas, com experiência profissional, na maioria proveniente do serviço público, com fortes vínculos com movimentos sociais, partidos políticos, especialmente o PT e sindicatos e centrais sindicais, principalmente a CUT.

Na análise de Maria Celina, os integrantes das carreiras públicas estão majoritariamente filiados a sindicatos e têm preferencialmente adotado o PT, “de forma que mesmo que o governo seja de outro partido, a máquina pública irá refletir essa tendência”.

Esse “sindicalismo de classe média”, onde predominam professores e bancários, tem sua base no funcionalismo público, fundamental para reativar o sindicalismo brasileiro a partir da redemocratização nos anos 1980, e está na origem do Partido dos Trabalhadores.

Dados oficiais indicam que em julho de 2009 havia cerca de 80 mil cargos e funções de confiança e gratificações no Poder Executivo federal.

Destes, cerca de 47.500 eram cargos e funções de confiança na administração direta, autárquica ou fundacional, que podiam ser preenchidos discricionariamente pelo Poder Executivo federal.

No governo Lula, todas as nomeações passaram a ser concentradas na Casa Civil.

“Um número excepcional de indicações concentrado nas mãos do presidente e dos ministros, o que revela não só a alta centralização da administração pública no país, mas também uma contradição gritante e desconfortável do ponto de vista da boa gestão pública: de um lado, um grande número de cargos e posições preenchidos por critérios de confiança política, de outro, regras praticamente ad hoc para preenchê-los” analisa o estudo da cientista política Maria Celina D’Araujo.

Um dos aspectos mais preocupantes derivados dessa pesquisa, diz ela, é a ausência de regras estáveis para definir os critérios de nomeação dos dirigentes públicos no Brasil, em especial os ocupantes dos cargos de DAS.

“Em geral predomina a falta de transparência nos processos de seleção. (...) A administração pública nem sempre é tratada de forma impessoal e profissional e, portanto, pode mudar a cada governo, segundo critérios e interesses de ocasião”.

Como consequência, analisa o estudo, o setor público “pode facilmente ser capturado por interesses organizados”, situação na qual “o patrimonialismo e o corporativismo podem ser acentuados”.

A amostragem de Maria Celina indica que 45% dos ocupantes dos cargos de Direção e Assessoramento Superiores, os famosos DAS, de níveis 5 e 6, e cargos de Natureza Especiais, os menos famosos NES, no primeiro governo Lula, e 42,8% no segundo, eram filiados a sindicatos de trabalhadores.

Da mesma forma, a presença de membros de centrais sindicais é expressiva: 10,6% no primeiro governo e 12,3% no segundo. O grupo de sindicalizados que ocupa cargos de confiança nos governos Lula não só é mais vinculado a partidos políticos (ao PT) como é também mais associado a centrais: 24,3% indicaram ter esse tipo de vinculação.

Quando o estudo analisa o quantitativo geral de ocupantes de cargos de DAS e NES dos dois governos que compõem a amostra de 505 pessoas, a taxa de filiação sindical é de 40,8%, e a adesão a centrais entre esses sindicalizados é de 24,3%.

O trabalho verificou que é alta a presença de funcionários públicos entre os ocupantes dos cargos de DAS, um grupo de fortes vínculos com movimentos sociais, partidos, terceiro setor, academia e, em especial, com sindicatos.

Não se trata, portanto, salienta Maria Celina D’Araujo, de funcionários desinteressados, mas de um conjunto de cidadãos “com níveis de participação e de inserção política e social muito acima dos que são praticados pela média da sociedade brasileira”.

Segundo dados do Ministério do Trabalho relativos a 2001, entre os 498 sindicatos de servidores públicos filiados a centrais, 392 eram filiados à CUT. Segundo o trabalho, a conexão entre servidores públicos sindicalizados e CUT está bem evidenciada como forte tendência do sindicalismo do setor público brasileiro desde a Constituição de 1988.

“Mesmo que, com a eleição de Lula, fosse de esperar que os sindicatos ficassem mais perto do governo e do Estado, esses dados chamam a atenção. Num país conservador como o Brasil, a presença tão significativa de profissionais sindicalizados nas altas esferas do governo parece destoante”, observa a cientista política.

Ela salienta que os percentuais de sindicalização na máquina pública estão muito acima do que se observa na sociedade brasileira, que, em 2006, segundo o IBGE, registrava uma taxa de sindicalização em torno de 18% num total de 17 milhões de trabalhadores.

Do total da amostra, 24,7% são filiados a partidos, mas, quando a análise enfoca apenas os sindicalizados, a taxa de filiação partidária sobe para 39,3%, demonstrando que o grupo de dirigentes públicos sindicalizado é também mais envolvido com a vida partidária.

A hegemonia do PT é avassaladora: dos sindicalizados, 82,5% são filiados ao PT, e no resto da amostra esse percentual chega a 78%. (Amanhã, os fundos de pensão)

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