DEU NO JORNAL BRASIL ECONÔMICO
Na segunda-feira de Carnaval, dia 15, o Brasil perdeu um dos seus mais importantes intelectuais, Gildo Marçal Brandão, livre docente do Departamento de Ciência Política da USP, que tinha na política: fundamentos, história e vicissitudes, o foco de sua preocupação acadêmica e militante.
Intelectual comunista filiado à tradição do PCB, ele deu rica contribuição ao estudo de nossa formação política com vários trabalhos voltados para buscar as raízes históricas dos problemas que afetam nosso processo democrático.
Talvez seja útil lembrar que o PCB foi a primeira força de esquerda nas Américas que tornou pública, por meio da famosa Declaração de Março de 1958, uma postura que rompeu com as bases legadas da III Internacional, que previa a "tomada revolucionária do poder", quando defendeu que a revolução no Brasil deveria se dar pela via pacífica e democrática.
Quando veio à luz esse documento histórico, o Brasil vivia então sob o influxo desenvolvimentista do governo JK com um agressivo processo de modernização econômica, social e cultural.
Nas décadas de 50 e 60 o país deixava rapidamente de ser uma sociedade rural e tornava-se urbano e capitalista, com todas as contradições que isso implicava.
No ano de 1964, fruto daquelas contradições e também do cenário internacional da guerra fria, a nossa tênue experiência democrática foi abruptamente encerrada pelo movimento militar que estabeleceu uma ditadura que só foi derrotada vinte e um anos depois.
Confrontada com a nova realidade imposta pelo regime militar as esquerdas ofereceram duas respostas: de um lado, os comunistas da tradição pecebista advogavam um processo sustentado na criação de uma ampla frente democrática que tinha no MDB o seu instrumento da articulação com o movimento de massas buscando isolar e derrotar o regime por meio do voto; de outro, posturas que representavam uma resposta violenta, a luta armada para derrubar o regime militar.
Essas duas concepções sobreviveram no período constituinte de 1987/88, e continuam, ainda hoje, a se enfrentar em torno da questão fundamental do processo democrático e do papel do Estado.
Uma vertente defende o controle do Estado pela sociedade civil e suas instituições e tem na separação dos poderes instituídos e na livre expressão do pensamento os fundamentos da democracia.
Outra concepção, apesar de uma retórica de esquerda, mais se assemelha ao nacional-socialismo nas suas vertentes latinoamericanas - do peronismo ao chavismo bolivariano - de idolatria ao papel do Estado nacional como elemento fundamental de organização da sociedade, da economia e da cultura.
Os que assim expressam sua adesão ao Estado forte estão mais próximos da concepção de Giovanni Gentile que da de Gramsci.
O pensamento democrático de esquerda, com o falecimento de Gildo, fica sem uma de suas cabeças mais brilhantes. Que suas instigantes formulações estimulem a todos - sobretudo aos que já iniciaram sua trajetória política ou aos que virão - a continuar a ver o conhecimento, a cultura, o saber e a ciência como armas imprescindíveis nos combates por uma sociedade verdadeiramente humana e democrática.
Roberto Freire é presidente do PPS
Na segunda-feira de Carnaval, dia 15, o Brasil perdeu um dos seus mais importantes intelectuais, Gildo Marçal Brandão, livre docente do Departamento de Ciência Política da USP, que tinha na política: fundamentos, história e vicissitudes, o foco de sua preocupação acadêmica e militante.
Intelectual comunista filiado à tradição do PCB, ele deu rica contribuição ao estudo de nossa formação política com vários trabalhos voltados para buscar as raízes históricas dos problemas que afetam nosso processo democrático.
Talvez seja útil lembrar que o PCB foi a primeira força de esquerda nas Américas que tornou pública, por meio da famosa Declaração de Março de 1958, uma postura que rompeu com as bases legadas da III Internacional, que previa a "tomada revolucionária do poder", quando defendeu que a revolução no Brasil deveria se dar pela via pacífica e democrática.
Quando veio à luz esse documento histórico, o Brasil vivia então sob o influxo desenvolvimentista do governo JK com um agressivo processo de modernização econômica, social e cultural.
Nas décadas de 50 e 60 o país deixava rapidamente de ser uma sociedade rural e tornava-se urbano e capitalista, com todas as contradições que isso implicava.
No ano de 1964, fruto daquelas contradições e também do cenário internacional da guerra fria, a nossa tênue experiência democrática foi abruptamente encerrada pelo movimento militar que estabeleceu uma ditadura que só foi derrotada vinte e um anos depois.
Confrontada com a nova realidade imposta pelo regime militar as esquerdas ofereceram duas respostas: de um lado, os comunistas da tradição pecebista advogavam um processo sustentado na criação de uma ampla frente democrática que tinha no MDB o seu instrumento da articulação com o movimento de massas buscando isolar e derrotar o regime por meio do voto; de outro, posturas que representavam uma resposta violenta, a luta armada para derrubar o regime militar.
Essas duas concepções sobreviveram no período constituinte de 1987/88, e continuam, ainda hoje, a se enfrentar em torno da questão fundamental do processo democrático e do papel do Estado.
Uma vertente defende o controle do Estado pela sociedade civil e suas instituições e tem na separação dos poderes instituídos e na livre expressão do pensamento os fundamentos da democracia.
Outra concepção, apesar de uma retórica de esquerda, mais se assemelha ao nacional-socialismo nas suas vertentes latinoamericanas - do peronismo ao chavismo bolivariano - de idolatria ao papel do Estado nacional como elemento fundamental de organização da sociedade, da economia e da cultura.
Os que assim expressam sua adesão ao Estado forte estão mais próximos da concepção de Giovanni Gentile que da de Gramsci.
O pensamento democrático de esquerda, com o falecimento de Gildo, fica sem uma de suas cabeças mais brilhantes. Que suas instigantes formulações estimulem a todos - sobretudo aos que já iniciaram sua trajetória política ou aos que virão - a continuar a ver o conhecimento, a cultura, o saber e a ciência como armas imprescindíveis nos combates por uma sociedade verdadeiramente humana e democrática.
Roberto Freire é presidente do PPS
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